Fanservice

Quem acompanha quadrinhos e animações japonesas está familiarizado com o conceito de fanservice. A ideia é simples: você aproveita aqueles momentos aonde nada muito importante acontece e insere elementos gratuitos para agradar aos fãs. Esses elementos podem variar desde referências sutis a momentos mais explícitos, mas o ponto é: eles não estão lá para avançar a trama. Eles estão lá para manter a atenção do espectador — e diverti-lo, no processo.

Muita gente deve estar pensando bobagem — e bem, isso também faz parte — mas ele se aplica a qualquer coisa adicionada a uma obra para agradar os fãs. Garotas de sutiã podem agradar os marmanjos, mas isso também se aplica a aparições-surpresa de personagens favoritos*, referências culturais e piadas internas… enfim, momentos que trazem um sorriso ao rosto dos jogadores/leitores/espectadores, seja por nostalgia, surpresa ou até satisfação pessoal.

E sinceramente, quando aquele jogador começa a catucar seu celular enquanto chega a cena do outro, ou alguém fica olhando para ontem pensando na morte da bezerra até chegar a sua cena, é hora do mestre pensar em usar suas armas para puxar a atenção deles também. E o fanservice também faz parte de seu arsenal e deveria ser considerado! Mas, como toda boa arma, deveria ser guardada apenas para o momento certo. Cuidado com a saturação, fica o aviso!

Para explicar melhor o conceito: sim, a Kallen Stadtfeld
de Code Geass vestida de coelhinha é um fanservice…

Em primeiro lugar: conheça seus jogadores. Antes de iniciar a campanha, converse com todos eles sobre até onde se pode ir — porque se fanservice pode significar apenas uma brincadeira referencial, aqui ou ali, pode representar também aquelas cenas de… garotas no chuveiro. Então pergunte se todos estão confortáveis com um pouco de hormônios. Estabeleça limites claros sobre o aceitável e o inaceitável. Saiba quais fanservices você pode ou não usar.

Em segundo, lembre-se: fanservice não foi feito para agregar à trama ou ter consequências. Ele existe apenas para puxar as atenções de todos em momentos nos quais nada importante acontece e os jogadores correm o risco de dispersão. Na verdade, seu uso deve ser meio calculado. Em mídias visuais, isso é mais fácil — mas, em uma mesa de RPG, o mestre precisará cuidar disso por si só! Ter imagens a mão pode ser uma boa ideia nos momentos certos, mas…

…mas os membros do conselho estudantil fantasiados de gatos, no
mesmo anime,
também são um fanservice — de um tipo diferente!

Como reconhecer o que é fanservice e o que não é? Bom, Darling of the Franxx é uma série meio problemática, não vou discutir isso, mas o fato é: aquele episódio da praia não é fanservice! Sexualidade é um eixo crucial da trama principal, e eles se dão conta disso. A atração dos garotos pelas garotas os une e até solidifica laços de amizade! Há consequências! Por outro lado, se o episódio de praia só serve pra mostrar o elenco feminino de biquini…

Outro exemplo do que não é fanservice é a cena da dança do ventre em Suisei no Gargantia. A ideia ali não é ser apelativo. A dança das meninas foi o gatilho para sua descoberta da sexualidade e isso foi importante para a evolução do personagem**. Por outro lado, se de repente fizermos um episódio com as personagens femininas só para vê-las vestidas como idols cantando músicas da trilha sonora… bom, isso é fanservice. E nem é um fanservice sexual.

Um personagem coadjuvante com a cara do Roy Fokker de
Macross em… Voltron, o Defensor Lendário? Fanservice.

Então utilize situações gratuitas para criar momentos cômicos e aliviar a tensão, mas sempre de maneira a respeitar os limites estabelecidos. Dá para explorar como os personagens reagem a situações sugestivas para aprofundar suas personalidades e relações, sem ser ofensivo, em cenas completamente bobas. Mas depois disso é hora de voltarmos à trama séria. O fanservice não deve dominar a narrativa principal ou desviar a atenção da história central.

Quanto a brincadeiras referenciais? Bom, isso pode ser feito de várias maneiras criativas. Missões inspiradas em episódios de animes clássicos, introdução de personagens que homenageiam figuras populares ou eventos que remetem a momentos icônicos conhecidos por todos são apenas algumas ideias. Esses elementos não só enriquecem a campanha como também fortalecem a conexão emocional dos jogadores com a história — mas isso também traz os seus riscos.

Sejamos francos: se você nem sabe o que é Neon Genesis Evangelion,
essa pequena brincadeira não tem absolutamente nenhuma graça.

Uma das piores coisas do mundo é a piada dependente de explicação para não passar batida. Você corre o risco de alienar seu alvo. “Hohoho, vou colocar umas coadjuvantes vestidas de Asuka e Rei” em uma cena. Isso talvez seja meio improvável em sua mesa de jogo, mas se uma única pessoa entre os jogadores jamais ouviu falar de Neon Genesis Evangelion em sua vida, você falhou. Por outro lado, seu alvo se sente gratificado quando capta uma referência!

Por quê? Porque ele se sente mais inteligente, esperto… e até grato. “Olha, eu saquei a referência do Space Runaway Ideon naquela cena de Space Dandy”! Se você não é um junkie de animes sci-fi, é provável que nem faça ideia do que estou falando (e usei esse exemplo por isso mesmo). Nesses casos, o ideal é que o fanservice possa passar batido. Poucos serão gratificados, mas a sequência deveria gerar diversão até para quem não captar a brincadeira.

Eu entendi a referência aqui — mas a cena não foi menos divertida para
quem não entendeu. Considero estes os fanservices mais eficientes.

No entanto, equilíbrio é crucial. O fanservice não deve dominar a narrativa ou desviar a atenção da trama central. Seu excesso pode levar à saturação e desinteresse, e é fundamental dosar esses elementos com sabedoria! Ele existe para engajar o espectador/leitor/jogador naquele momento, lembra? Se tudo for chamativo, nada o será. Então utilize-o para criar momentos cômicos e aliviar a tensão (dentro dos limites estabelecidos). Mas volte à trilha.

Essas pequenas brincadeiras, usadas com equilíbrio e criatividade, podem transformar sua campanha em uma experiência ainda mais envolvente. Os jogadores se lembrarão desses momentos de humor. Se sentirão gratificados. E, principalmente, não se dispersarão quando você estiver narrando uma cena dedicada a outro jogador. A ideia aqui é chamar atenção de todos naquele momento e fazê-los se divertir com a cena. Apenas isso.

Até a próxima e divirtam-se.

Sim, isto é fanservice.

NO TOPO: Seolla Schweizer, de Super Robot Wars: Original Generation. Se você entrou para ler esse artigo apenas porque viu a foto e quis dar uma olhada, então você entendeu o conceito. Fanservice serve para chamar atenção!

* Super Dimension Century Orguss traz boa parte da mesma equipe de Superdimensional Fortress Macross e eles fazem várias brincadeiras referenciais com essa série. No episódio 2 de Orguss, Minmay, Shammy e Vanessa são mostrados enquanto o protagonista se lembra de antigas namoradas. Misa Hayase aparece bem rápido no monitor do caça alienígena entre outras imagens — e sem roupa. Outras brincadeiras são mais sutis, como uma caixa de armazenamento em um navio mercante marcada como “Valkyrie VF-1J” (o robô de combate do protagonista de Macross) em um episódio posterior.
** Só para trazer o contexto: o protagonista, Ledo, caiu na Terra após ser arrancado de uma sociedade não-emocional aonde ele foi criado para ser um mero soldado e ainda estava à espera de seu direito para procriar (veja bem, não é “direito de fazer sexo”. O termo foi “Permissão para procriar”. Parece a mesma coisa, mas a conotação é bem diferente). Aos poucos, o convívio com humanos comuns vai transformando sua visão de mundo — e esse foi um momento pivotal. Considero inclusive a (bela) cena do final do episódio, quando sua namoradinha dança apenas para ele, uma forma de colocar a dança anterior em perspectiva para quem não tivesse entendido. Não foi uma cena de fanservice vagabundo, ela tem uma função narrativa!

DISCLAIMER: Code Geass é propriedade da Bandai Namco Filmwork, Inc.; Voltron: o Defensor Lendário é propriedade de DreamWorks Animation LLC e World Events Productions (WEP LLC); Super Robot Wars Original Generation: The Inspector é propriedade da Bandai Namco Filmworks Inc. e da Asahi Production Inc.; Grand Blue (que nada tem a ver com robôs gigantes — é um mangá sobre mergulho, mas foi ele quem fez a pequena brincadeira com Evangelion) pertence a Kenji Inoue e Kimitake Yoshioka, via Zero-G, Inc.. Imagens usadas para fins jornalísticos e divulgacionais, sem direitos de propriedade infringidos.

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