De Volta à Zona Habitável

Por mais que eu ame ficção científica, sou o primeiro a admitir que quando ela envelhece, tende a envelhecer mal. MUITO mal. Gosto bastante de 2010 — o Ano em que Faremos Contato, de Peter Hyams. É um filme bom e sólido, mas subestimado por ser uma continuação do clássico 2001 de Stanley Kubrick (certas coisas não dá para superar). O final, porém… na época, isso parecia um final feliz e esperançoso. Infelizmente, a ciência o matou em retrospecto.

Spoiler gigantesco do final (pule o parágrafo se quiser): Júpiter entra em ignição por causa dos monólitos e ele se transforma em uma estrela, transformando todas as suas luas em planetas. O problema? É só que a princípio, nada mudaria tanto, mas simplesmente a dinâmica gravitacional do nosso sistema solar seria alterada e a Terra acabaria sendo gradativamente atraída para o Sol. Viraríamos cinzas. E claro, ninguém tinha como saber disso à época.

Da mesma forma, o final de uma das minhas space operas favoritas (A Legião do Espaço, de Jack Williamson) também pode ter funcionado em 1934, ano de seu lançamento, mas hoje é de arrepiar os cabelos. Novamente, pulem se quiserem evitar o spoiler: ao usar a arma secreta AKKA, nossos heróis desintegram a armada alienígena que destruiria a Terra. O problema é que desintegrariam também a Lua no caminho. Nada de mais, certo? Bom, hoje estamos cientes…

A propósito, o mesmo acontece no anime Galaxy Cyclone Braiger, que é MUITO bacana. Porém…

…de que estaríamos ferrados. Sem Lua, perderíamos o ciclo das marés e a atração gravitacional no núcleo ferroso da Terra que o movimenta. Nosso destino seria o mesmo de Marte, que teve seu núcleo ferroso resfriado, a evaporação gradual dos oceanos e de nossa atmosfera, que sem circulação eletromagnética, se soltaria de nosso mundo. Enquanto o fim não vem, o equilíbrio do eixo de nosso mundo se danaria, tornando o clima variável e perigoso demais.

Entendam, Brigada Ligeira Estelar não é uma ficção científica hard, onde tudo deve ser dosado em nome da ciência. Eu apelo para conceitos vagos como Motor Cósmico para as viagens interestelares (e eles devem permanecer vagos), falo de terraformação com alterações de massa gravitacional, buracos de minhoca artificiais, colônias espaciais planetárias com geradores de concentração de massa… tudo é pensado em nome da aventura. Mas estabeleço limites.

É tudo em nome de alguma verossimilhança, gente, nada mais.

E o primeiro deles é restringir a maior parte da colonização e terraformação de planetas às Zonas Habitáveis de seus sistemas solares — e por isso nós não temos a profusão de planetas povoados de tantas space operas. O conceito de Zona Habitável é simples:

Perto demais do sol, ela evapora. Longe demais, congela. Simples assim.

Notem que esta não é a primeira vez em que falo no tema (o próprio título já entrega). Eu vejo este texto como um aprofundamento do material mencionado AQUI, e minha ideia é simples: como expandir a possibilidade não apenas fora, mas dentro de sua zona habitável. Porque, não se iludam, praticamente todo sistema solar tem uma mas, se isso bastasse, já poderíamos ter contatado toda a vizinhança interestelar faz tempo. E a banda não toca desse modo.

Sem água líquida como solvente universal, não rola vida até onde a gente sabe, gente.

É claro, há outros critérios. É preciso uma superfície planetária rochosa para essa água — planetas gasosos como Júpiter não se prestam a isso. A simples presença de uma zona habitável também não garante a existência de vida: a Terra, por exemplo, está bem no meio da zona habitável do Sol, enquanto Vênus está na borda interna (muito quente) e Marte na borda externa (muito frio). E há outros fatores pelos quais um mundo pode ser duro de se povoar.

Mundos no limite interno: planetas rochosos com climas extremos de calor, desertos escaldantes e oceanos com temperaturas mais altas do que os da Terra. Se a vida existir, precisaria ser adaptada a todo esse contexto. É duro.

Mundos no limite externo: Planetas frios mas não de todo congelados, com calotas polares enormes e talvez oceanos subsuperficiais sob a crosta de gelo. A vida bacteriana poderia até florescer em locais geotérmicos, quem sabe?

Além da zona habitável talvez seja possível criar condições de sobrevivência. Vida é outro papo.

Zona habitável galáctica: esse pode ser bem interessante para quem quiser ir além da Constelação do Sabre. Aqui, o conceito se estende à galáxia como um todo. A zona habitável galáctica abrange as regiões onde a formação de sistemas estelares ricos em elementos pesados é mais provável, mas não tão perto do centro galáctico a ponto de a radiação intensa e a gravidade desestabilizarem as órbitas. Isso pode influenciar inclusive a narrativa do jogo.

O Núcleo Galáctico é uma área perigosa e de alta gravidade, mas cheia de recursos valiosos. Já a Periferia Galáctica nos oferece regiões seguras, mas com menos estrelas e planetas adequados. É interessante pensar em expedições interestelares de exploração a esses locais mais próximos ao núcleo e portanto fora da zona habitável galáctica, mas com as tecnologias necessárias para sobreviver aos seus riscos. E eles não serão poucos — podem acreditar.

Exemplos de marcação de território não tão diferentes da Constelação do Sabre…

Na verdade, é mais fácil pensar em termos de sobrevivência do que de vida inata fora da zona habitável. O conceito baseia-se na vida como a conhecemos, dependente da água líquida. No entanto, luas geladas como Europa, que orbitam planetas gigantes fora da zona habitável, podem ter oceanos líquidos sob o gelo, aquecidos pelas forças de maré. Isso pode ser um ponto de partida para aventuras que exploram possibilidades de vida em ambientes extremos.

Há mais possibilidades em termos de ficção científica: zonas habitáveis não são estáticas, se movendo à medida que a estrela envelhece e muda de brilho. Uma civilização pode estar à beira da extinção porque seu planeta está ficando muito quente ou frio. Novos planetas podem estar emergindo na zona habitável de uma estrela em transformação, oferecendo oportunidades para colonização. Mas e no caso da Constelação do Sabre, um recorte tão específico?

…mas na prática, um único sistema solar já é um terreno grande para caramba.

Bom, deixamos muita coisa aberta no cenário. Terraformação é um tema comum em Brigada Ligeira Estelar RPG, se olharmos com atenção. Obviamente, eles se passam em mundos não-habitáveis dentro de uma Zona Habitável, e o mestre de jogo pode muito bem conceber esses mundos por seus critérios. Inara e Moretz são mundos da mesma zona, por exemplo. Assumo que Inara, com suas áreas tropicais, esteja mais próxima de sua estrela do que a montanhosa Moretz.

Mas os mundos não-habitáveis permanecem na maioria não-descritos. Isso abre possibilidades: jogadores podem ser exploradores buscando possibilidades de terraformação dentro de uma zona habitável. Pesquisas e explorações podem revelar civilizações alienígenas, recursos valiosos ou perigos desconhecidos. Da mesma forma, a missão dos jogadores pode ser fundar novas colônias em um planeta ainda em processo de terraformação. Isso pode gerar conflitos.

Aliás, o anime Galactic Gale Baxingar, continuação de Braiger, parte justamente desse conceito.

Outra possibilidade é usar esse conhecimento e perspectivas para expandir o cenário de outras formas. A Saumenkar de Batalha dos Três Mundos foi pensada dessa forma: é um planeta coberto de neve e gelo, e uma atmosfera não-respirável. A água não existe nela de forma natural — ela está além da zona habitável do sistema — mas a sobrevivência (o que é diferente de vida) se tornou possível com a criação de estruturas subterrâneas ao longo do planeta.

Da mesma forma, podemos voltar esse raciocínio para a Zona Habitável. Se podemos pensar em como seria a terraformação de Marte e Vênus, podemos muito bem pensar nos mundos vizinhos aos planetas habitados da Constelação do Sabre. Ou satélites desses mundos. Nada impede que um planeta como Arkady tenha sido fruto de terraformação no limite externo de sua zona habitável. E os mundos mais próximos a seu sol? Pense nisso.

Até a próxima — e divirtam-se.

DISCLAIMER: 2010 – The Year We Make Contact (a imagem do topo) pertence à Metro-Goldwyn-Mayer Studios Inc.; J9 e todas as marcas associadas (Galaxy Ciclone Braiger, Galactic Gale Baxinger) são propriedade da MIC: Movie International Co. Ltd.; Patrulha Estelar (Uchuu Senkan Yamato) é propriedade de Nishizaki Co., Jp.; Uchuu Senkan Yamato 2199 é propriedade de Yoshinobu Nishizaki/2014 Space Battleship Yamato 2199 Production Committee e 2012 Space Battleship Yamato 2199 Production Committee. Todas as imagens para fins jornalísticos e divulgacionais, de acordo com as leis internacionais de Fair Use.

AGRADECIMENTOS: ao blog J9 Hard Serenade pelas imagens de Braiger e Baxinger. Esse local é um verdadeiro tesouro para os fãs ocidentais da franquia J9 e de outras séries do mesmo criador, como Akū Daisakusen Srungle (no Brasil, Esquadrão do Espaço). Já está em nosso Blogroll (aliás, vocês visitam os links de lá?).

Brigada Ligeira Estelar ® Alexandre Ferreira Soares. Todos os direitos reservados.

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