Reprisando mais uma vez: em um texto dedicado à Ficção Científica Militar, mencionei três chaves narrativas para o tema — a Desconstrução, a Humanização e a Glamourização. Já falamos dos dois primeiros, então é a hora de fechar essa trinca com a Glamourização. Curiosamente, ela é a menos presente na maioria das séries do gênero a partir do final dos anos 70, mas isso não significa realmente sua ausência: as duas outras chaves bebem bastante dela.
Mas por que isso? Porque desde o começo do Real Robot (simultâneo ao começo da desconstrução do Super Robot*), ela é costumeiramente usada como uma colher de açúcar para embutir um remédio amargo. Glamourizar significa dar um tratamento a coisas não tão legais para torná-las brilhantes e sedutoras. E guerra, bem, definitivamente não é uma coisa legal. Mas ao invés dos horrores da guerra, pense em uma aventura empolgante como O Desafio das Águias.
Pense: você é o Clint Eastwood (ele é uma fantasia de poder ambulante nesse filme), entra em um castelo cheio de nazistas para resgatar um general e passa fogo em todos eles. Nenhum é “humano” — eles são nazistas, droga — e temos uma contagem de corpos até chegar ao final. É um filme extremamente divertido até hoje. Não há nada para chocar nem humanizamos o inimigo. São bonequinhos de videogame, feitos para cair. E não há nada errado nisso em si.
pena dos trocentos nazistas que caem no chão?
Da mesma forma, os animes da franquia Gundam jamais mergulharam por completo na glamourização, mas sempre contaram com ela para se vender. Eles têm um discurso pacifista mas o assistimos para ver robôs gigantes espetaculares, com equipamentos incríveis, em empolgantes batalhas cinematograficamente dirigidas! Muv-Luv Alternative: Total Eclipse? Humanização, mas olhe toda aquela gente bonita, em trajes colantes e com tensão sexual à flor da pele!**
“Então tá, a Glamourização é um elemento importante para nos fazer querer assistir histórias em algum grau desconstrutivas ou humanizadas. Mas ela não funciona bem sozinha?” Pelo contrário, meus caros! Videogames tendem a ser um bom lugar para a glamourização porque, mais do que em qualquer outra mídia, somos guiados pelo cinético! E aí, volto ao meu exemplo manjado de sempre, mas não consigo escapar disso — Super Robot Wars: Original Generation.
robôs gigantes porque Gurren Lagann veio depois.
SWROG (para encurtar) é o suco da glamourização no gênero. Você tem robôs gigantes, coloridos e variados, personagens atraentes (habemus fanservice pra caramba), vilões maniqueístas e o melhor de tudo: esse pacote vem sem culpa nenhuma, assumindo de vez sua inconsequência, sem tentar parecer aquilo que não é… e essa honestidade desconcertante me venceu. Ninguém assiste isso pelo roteiro. Caso encarem SWROG: The Inspector, vejam com isso em mente.
E como falamos o bastante, vamos à vaca fria: como levar a glamourização para sua mesa de jogo em 3DeT Victory? Vamos começar do mais simples — é o bem contra o mal. Sem culpas, lembra? Mesmo se tivermos oponentes simpáticos, eles provavelmente estão a serviço de alguma pessoa horrível e vão mudar de lado quando caírem em si. Nesse caso, essa é a gota de humanização necessária para nos conectarmos aos personagens. Personagens carismáticos contam.
Da mesma forma, gotas de desconstrução deveriam estar presentes apenas para inserir alguma credibilidade aos eventos, não para abalar as certezas dos personagens. Por exemplo, vocês são uma guarda de cavaleiros regenciais a serviço de um nobre e descobrem que ele não apenas não é uma pessoa boa, como vocês foram usados em uma missão. Vocês vão se sentir sujos e culpados? Não, vocês estarão ultrajados — e levarão seu superior à Justiça do Império!
No fundo, não há muito a dizer além do já dito no artigo sobre o Tom Folhetinesco, com o qual essa abordagem tende a se inclinar: lados bem claros, no qual bons são bons ou pelo menos justos e os maus são maus, não se importam com isso e devem ser enfrentados; tudo um tom acima, sem medo da canastrice; gente bonita para todos os lados também é uma boa — não é a realidade, afinal… mas por onde podemos avançar? O que o sistema pode nos acrescentar?

(não, não, não caia nessa pelo amor de Deus!)
Vamos lá: no novo Brigada Ligeira Estelar, as escalas serão rebatizadas como Normal, Gigante, Colossal e Titânica, substituindo os termos nipônicos do 3DeT Victory. Mas adicionaremos um grau a mais de escala: a Astronômica. Pensem: um ser humano (normal) pilota um robô (gigante) e o conduz para uma nave (colossal) estacionada em uma estação espacial (titânica). Mas e depois disso? Estamos falando do espaço! Podemos encontrar coisas ainda maiores!
A escala Astronômica serve para isso: ela corresponde aproximadamente a dez vezes mais a escala Titânica e se você quiser, pode ir além: Astronômica X2 corresponde a dez vezes mais a escala Astronômica original; Astronômica X3 corresponde a dez vezes mais a escala astronômica X2 e assim prosseguiremos infinitamente. Ou seja, se o mestre de jogo realmente quiser levar tudo aos níveis escalafobéticos de um Gurren Lagann, ele tem os meios para isso.
Mas eu não vejo necessariamente esse grau de exagero como a marca da Glamourização. Pensar como um filme de ação descerebrado, aonde os oponentes caem as moscas (salvo o chefe final), os personagens são sempre fortes e corajosos e temos ainda gente bonita para apimentar, já está de bom tamanho — e novamente, sem culpa. Porém, preciso ser responsável e falar do lado menos glamouroso dessa chave narrativa: ter um pouco de consciência crítica é bom.
Posso cair na mesma contradição de muitos animes do gênero, glamorizando algo que condenam, mas bom-senso é importante. Patrulha Estelar, por exemplo, foi usado para sublimar sentimentos nacionalistas reprimidos após a derrota japonesa Segunda Guerra Mundial — e isso não a compromete como obra. Ela não é um panfleto. Posso apreciá-la, gostar dos personagens, me deixar levar pela história. Cair nesse papo é outra coisa.
Até a próxima e divirtam-se.
* É só seguir a linha de tempo: Zambot 3 foi produzido dois anos antes de Mobile Suit Gundam,Space Runaway Ideon saiu um ano depois e Space Warrior Baldios veio no ano subsequente. Quando Gundam saiu, o super-robô já não era o mesmo de seu auge.
** Lembrando que originalmente, a série Muv-Luv foi pensada originalmente como um eroge (ou seja, material erótico), mas seu conceito sci-fi e os designs atraíram um público externo. Com isso, a franquia ganhou uma versão, digamos, “limpa”, atingindo o mainstream e ganhando três séries de televisão, inclusive. No entanto, parte de seu DNA original está lá e podemos ver o subtexto subjacente por trás de tudo.
DISCLAIMER: Muv-Luv Alternative pertence à divisão Âge da Avex, Inc.; Super Robot Wars Original Generation: The Inspector é propriedade da Bandai Namco Filmworks Inc. e da Asahi Production Inc.; Imagens para fins jornalísticos e divulgacionais.




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