Por Trás do Sabre: o Andro-Ginóide

Quando decidi, muito a pedido dos mestres e jogadores de Brigada Ligeira Estelar, incluir andróides e ginóides no cenário, minha primeira prioridade foi fazer com que sua presença não apagasse a dos demais. Brigada nunca foi sobre superpoderes, e esse era o meu medo. Sempre falei: se criarmos brecha para um personagem jogador poder derrubar um robô gigante com um soco, o cenário deixa de ser sobre robôs gigantes… e passa a ser sobre super-heróis.

Mas os ventos sopraram a favor dessa vez. Dava para manter os personagens sob controle dentro de sua escala. Em todas as suas encarnações, o 3DeT foi feito para feitos exagerados, e mesmo em Brigada isso não é exceção — aqui, esses feitos são executados através de máquinas e equipamentos sob o controle dos personagens, e mesmo eles fora do cockpit são capazes de muitos atos fora da caixinha. Quando isso foi definido, restava apenas introduzi-los.

Isso aconteceria sob os eventos do primeiro volume de Batalha dos Três Mundos. Mas restava um problema: defini-los como seriam em jogo. E isso exigia uma criação à luz tanto dos eventos apresentados no cânone quanto de sua vindoura jogabilidade em cena. Conta pontos o fato de, sabendo que Andróide na verdade é masculino e há um termo feminino para elas — Ginóide — eu ter perdido um pouco de tempo procurando um termo neutro e funcional para ambos.

Pense bem: humanos comuns iriam preferir algo mais máquina do que humana…

E o motivo disso, acreditem, foi praticidade. Na hora de apresentar as origens dos personagens, eu precisava de um termo definitivo. Até no mais fuleiro RPG de fantasia medieval isso é bem-resolvido: Você pode escolher entre Humanos, Elfos, Anões, o de praxe. E de repente eu me via preso à armadilha criada por mim mesmo: eu usaria “Andróides e Ginóides” como quem escreve “Homens e Mulheres”? Eu precisava de um termo definitivo e geral para ambos.

E acabou sendo Andro-Ginóide (mantendo Andróide para os masculinos e Ginóide para as femininas) o resultado. Nunca achei este o ideal, até por uma certa conotação de androginia não necessariamente correspondente ao pretendido — na minha concepção, esses seres podem ser muito plurais em aparências e comportamentos — mas pelo menos dá conta do recado. Feito isso, eu precisava definir como eles iriam se manifestar em jogo. E veio uma nova armadilha.

…ou algo tão humano que seria impossível de ser distinguido do original?

Eu não queria universalizar algum tipo de comportamento e o background de sua história no cenário colaborava com isso. Como falávamos de uma tecnologia avançada o suficiente para justificar o medo das pessoas, e um eventual sumiço dos Andro-Ginóides do cenário durante muitos e muitos séculos, ela precisava ser avançada o suficiente para representar algum tipo de disrupção social. Então, assumi: eles se tornaram capazes de comportamentos naturais.

E o conceito por trás disso seria emulação. É a parte mais dura de se explicar do conceito. Muitos não o entendiam nem o entendem até agora, mas pensem: quando você baixa, digamos, um emulador de Playstation para o computador, você pode jogar com ele sem diferença prática de jogar com o console na tela de sua televisão. Então elas… emulam reações emocionais a partir do contexto ao redor e das informações sobre a quem servem. Isso gera a pergunta:

E a chegada de andróides assim não causaria fatalmente alguma convulsão social?

A resposta é não. Pensem em um bebê: ele aprende a sorrir por mimese, vendo seus pais sorrirem. Com o tempo, ele vai associar naturalmente o gesto com o fator emocional envolvido e rir como todo mundo. A diferença aqui é outra: um Andro-Ginóide, ao se deparar com uma situação e como deve responder a ela, reage adequadamente… e nós nem notamos a diferença.

Talvez sejamos mais próximos de uma máquina do que gostaríamos de admitir. Quando um homem tem ordenada em sua mente o conceito de mulher desejável, de acordo com a imagem construída através de seu convívio social e de suas experiências particulares, e de repente ele cruza com ela em seu caminho, neurotransmissores são despejados em seu cérebro, afetando seu batimento cardíaco, e o instinto de reprodução fala mais alto. Temos nossas programações.

Vocês sabem dizer se isso está sendo jogado em um console ou em um emulador?

Então a emulação não é um fingimento. Você não finge jogar River Raid naquele programa emulador do velho Atari dentro de seu computador — você apenas joga! É como qualquer outro programa rodado funcionalmente em outra plataforma! A diferença, no caso, é que esse processo de mimese e aprendizado é definido por eles mesmos em relação à sua função. Vamos imaginar uma situação simples: nos tempos pré-Grande Vazio*, temos uma ginóide vendida em lojas.

Imagine a situação A: um homem compra essa unidade específica. Ele gosta de uma atitude mais tomboy, mais moleca. É a garota de rabo de cavalo que anda com camisetas, shorts jeans desfiados, sobe em árvores, não tem medo de barata e fala despojadamente. Como sua função básica é agradar, ela mimetiza esses elementos e percebe o quanto eles o agradam ao longo do convívio, por perceber detalhes como o batimento cardíaco dele ou suas ondas cerebrais.

No entanto, ela nunca é humana. E aí começa o verdadeiro problema. Real ou emulação?

Agora imaginem a situação B: se esse homem chegasse uma hora mais tarde e uma mulher comprasse a mesma unidade em questão antes dele. Ela prefere uma atitude mais intelectual, polida — e talvez óculos para adicionar um charme extra. Vira um misto de esposa e secretária, com gestos discretos e uma fidelidade meio silenciosa. A ginóide mimetizaria isso e se tornaria outra pessoa diferente da gerada pela situação A. Falamos da mesma unidade, repito.

Agora vamos ferrar um pouco o crânio de vocês. Qual a… orientação sexual dela? Bem, podemos falar que na situação A, ela se construiu como heterossexual completa e jamais consideraria outra mulher. Da mesma forma, na situação B, ela se construiu como homossexual e jamais consideraria outro homem. Mas e se o modelo fosse passado adiante para alguém de outra orientação? Bom, sob o contexto de um novo proprietário, ela mimetizaria isso — e tem mais.

Se a construção de uma personalidade é fruto do meio ao redor, então qual a diferença?

A sua orientação mudaria porque ela é construída em relação ao outro, como se jamais tivesse tido essa experiência anterior ou ela jamais tenha feito diferença. Aí é que está a grande diferença: Andro-Ginóides, ao emular novos sentimentos e atitudes, podem deixar comportamentos abandonados em um cantinho de sua velha memória, e eles não influenciarão em nada o resto. É como aquele velho programa de ICQ esquecido entre seus aplicativos não usados.

E isso é difícil de ser entendido por muitos porque… nós somos humanos! Nossa mente não funciona assim! Tendemos a humanizar tudo ao nosso redor, por isso temos tantos “robôs com sentimentos” na ficção — mas um andro-ginóide tem a capacidade consciente de ser o que “desejar ser” (de acordo com o contexto) a partir do aprendido, mimetizado e até descartado. Enquanto ela estiver ligada a um usuário, será assim em tempo integral. O resto? Não conta.

E sim, Andróides e Ginóides não são humanos. Eles podem ter aparências exóticas!

Agora, no universo de Brigada Ligeira Estelar, esses personagens não apenas reapareceram, mas ganharam livre-arbítrio e agora precisam aprender a se construir, não necessariamente em relação ao outro, mas apresentar alguma face social definida por sua função — e pelo que lhe seja mais conveniente para trafegar por esse universo novo por conta própria. E vão continuar emulando sentimentos e atitudes, sim. Porque isso não faz deles menos… honestos.

Ah sim, sobre sua aparência: me pareceu lógico. Se uma crise social poderia ser deflagrada por eles serem idênticos aos humanos ao ponto de não serem diferenciados em uma multidão, trazer visuais diferenciados poderia ser uma solução prática para o problema. Não resolveu (no máximo lhes deu uma sobrevida), mas de quebra agora temos personagens com visuais diferenciados para o cenário. Isso conta para os jogadores, não?

Até a próxima e divirtam-se.

* Uma era de obscurantismo e isolamento para os planetas da Constelação do Sabre. Já falamos um pouco disso AQUI.

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