Supersoldados

Ontem, quarta-feira, o escritor John Scalzi esteve no Rio de Janeiro na turnê de lançamento de seu novo livro publicado aqui no Brasil, A Sociedade de Preservação dos Kaiju, e se nada deu errado (estou escrevendo este artigo com antecedência), estive lá levando minha hexalogia da Guerra do Velho para ser autografada por ele. A Editora Aleph a publicou em dois boxes (AQUI e AQUI) e eu mesmo já fiz uma breve resenha dela AQUI. Isso me deu o gancho…

Supersoldados, por que não? A Guerra do Velho é justamente isso: ao chegar aos 65 anos, você se oferece para criarem um corpo novo seu — e, exatamente dez anos depois, ao completar 75 anos, irá ganhar um corpo novinho em folha, com modificações capazes de fazê-lo mais forte, atlético e capaz do que um humano normal, tendo como único colateral uma cor de pele… verde (por conta da clorofila que agora você processa, permitindo-o se alimentar menos).

Claro que o preço disso é deixar a Terra para sempre, juntando-se às forças militares planetárias no esforço de disputar planetas com raças alienígenas bizarras e pouco amigáveis e garantir a expansão da humanidade pelo universo, mas diacho, essa é uma série de ficção científica militar. O ponto é: a criação artificial de supersoldados é um esteio tradicional do gênero, e podemos encontrá-lo em muitos lugares diferentes… inclusive em RPG e anime.

Os Space Marines de Warhammer 40K são um dos
exemplos mais clássicos de supersoldado em RPG.

O mais emblemático nos primeiros são os Space Marines de Warhammer 40K. Modificados ao extremo (com a inclusão de órgãos extras inclusive), eles são soldados perfeitos, sem medo, sem sentimentos enfraquecedores e muito mais fortes do que um humano normal. Lógico, não são os únicos — basta lembrar dos Grimsons do meu favorito Fading Suns: poderosos ao extremo, mas proibidos de procriar entre si. Cenários como Shadowrun são amigáveis a seres assim.

Em séries de televisão, claramente no futuro de Jornada nas Estrelas a humanidade tem aversão ao transhumanismo, muito pelo trauma coletivo da Terra ter sido conquistada, em certo ponto do passado, por humanos geneticamente alterados (Khan, alguém?)*. Séries como o hoje cult Comando Espacial (Space: Above and Beyond)** e desenhos animados como o noventista Exo Squad*** também passam por personagens geneticamente alterados. Mas, falando em animes…

Os Vitros de Comando Espacial (Space: Above and Beyond).
Criados para trabalho, fazer deles soldados não deu certo.

… precisamos lembrar de outro trauma coletivo — a bomba atômica. Com o pós-guerra, a matriz da ficção científica japonesa foi reforjada. De um lado, tudo o que o Japão conquistou se deveu à tecnologia e ao esforço de trabalho. Mas, ao mesmo tempo, eles guardaram o lembrete amargo de que a tecnologia pode ser usada de forma catastrófica para a humanidade. Então isso permeia praticamente toda a produção japonesa do gênero em algum tipo de grau****.

Então, nos animes, modificações genéticas têm sempre algum tipo de mau agouro*****… especialmente se a palavra guerra estiver no meio. Dos clássicos Armored Trooper Votoms (não darei spoilers quanto a este) aos Cyber-Newtypes de Zeta Gundam (ou os Extended de Gundam Seed, ou a Human Reform League de Gundam 00), essas experiências sempre, sempre costumam dar errado em algum grau e se voltar contra quem os criou ou contra os próprios supersoldados.

Stella Loussier, de Gundam Seed Destiny. Uma máquina de matar, capaz
de hackear sistemas em segundos… e cheia de problemas colaterais.

Gundam não é o único material de robôs gigantes a investir no tema — e, novamente, com a sensação de algo que deu ou pode dar muito errado. Em Five Star Stories, temos os Headdliners, mostrando as consequências duradouras da sua existência: eles se tornaram uma elite dentro da sociedade, com peso no âmbito militar. E já mencionamos o caso de Radium Lavans, da série Zone of the Enders: Dolores, I — ele simplesmente tomou a organização que o criou.

O melhor exemplo em nossas televisões aconteceu na dobradinha Genocyber e M.D. Geist, exibidas pela Rede Manchete nos anos 90. Ambos, de modos diferentes, foram frutos de um projeto de engenharia genética e se tornam gatilhos para o apocalipse. No caso de Geist, porque claramente o personagem era um sociopata criado para o combate e destruição — e ele consegue isso para todo o planeta. A mensagem é clara: algo assim NUNCA deveria ter sido criado!

M.D. Geist: capaz de esmagar crânios com uma só mão e aguentar
tiros bem entre os olhos. Isso não pode e nem vai prestar.

Quanto à Brigada Ligeira Estelar, os Firborgs mencionados no passado distante do planeta Winch talvez sejam um bom exemplo, mas você pode pensar em várias hipóteses para fins de jogo. Aqui está uma sugestão para o kit de personagem “Experimento” no universo de Brigada Ligeira Estelar, com algumas desvantagens para balancear os benefícios. Este kit foca em personagens que são frutos de experimentos, com habilidades aprimoradas, mas com colaterais.

Nota: é possível criar seu próprio experimento, com seus próprios colaterais — afinal, como um bom anime, alguma coisa de errada há de existir. Dito isso, até a próxima e divirtam-se!

* É curioso o quanto podemos ver essa aversão terráquea ao longo das séries posteriores da franquia. Muito do horror humano aos borgs vem disso, ao ponto de se procurar fazer uma retificação humanista na série Picard, reapresentando os Borgs mais como uma doença que exige tratamento e acolhimento às suas vítimas.
** Na série, temos os Vitros — humanos artificiais com desenvolvimento acelerado. O curioso é que, desta vez, eles se voltaram contra a humanidade de forma aparentemente pacífica, se recusando a serem usados em guerras e simplesmente cruzando os braços contra a invasão alienígena. Os humanos então passaram a enxergá-los como traidores e preguiçosos, tornando a vida dos Vitros engajados no combate um inferno (eles precisam passar por testes de lealdade dentro das forças de defesa e são destratados pelos demais pilotos humanos).
*** Aqui temos os Neo Sapiens, seres criados pelos terrestres para o trabalho na colonização do sistema solar. Escravizados, eles se rebelaram — mas foram esmagados cinquenta anos atr´ás. O resultado: agora eles finalmente se rebelaram de novo, mas dessa vez querem nossa escravização (quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar o opressor, não é?) e embarcaram na liderança fascista de Phaeton. A série é justamente sobre essa guerra.
**** Podemos enxergar essa como uma constante já antiga. Basta lembrar que já na primeira série live-action de Kamen Rider, o tom inicial era soturno e o protagonista não se sentia um super-herói, mas um monstro, repetidamente observando em detalhes a sua perda de humanidade.
***** Tangencialmente, é bom lembrar que a grande diferença do Cyberpunk japonês para o material ocidental é a presença da ciência e tecnologia como forças intrusivas e desfiguradoras, metaforizadas através do body horror. A desumanização física e mental do ser humano é uma constante dessa vertente do gênero no Japão. Não há fuga tudo fatalmente vai dar muito errado.

DISCLAIMER: Old Man’s War é propriedade de John Michael Scalzi II; Warhammer 40.000 é propriedade de Games Workshop LTD.; Mobile Suit Gundam Seed Destiny e Mobile Suit Gundam: The Witch of Mercury pertencem à Bandai Namco Filmworks, Inc.; Comando Espacial (Space: Above and Beyond) é propriedade de Hard Eight Pictures e 20th Century Studios Television; os direitos de M.D. Geist estão uma bagunça nos dias de hoje e os estúdios que o produziram não existem mais, então quem puder me informar os detentores atuais desse troço, eu agradeço. Imagens para fins jornalísticos e divulgacionais.

Brigada Ligeira Estelar ® Alexandre Ferreira Soares. Todos os direitos reservados.

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