“Idealmente a Terra deve estar em perigo, deve haver uma busca e um homem presente na hora mais decisiva. Tal homem deve confrontar alienígenas e criaturas exóticas. O espaço deve fluir pelos portos como vinho de um jarro. O sangue deve correr pelos degraus do palácio e as naves devem ser lançadas nas profundezas sombrias. Deve haver uma mulher mais bela que os céus, um vilão mais sombrio do que um Buraco Negro e tudo precisa dar certo no final.”
As palavras do escritor Brian W. Aldiss estão de volta — e com elas, nossa seção Space Opera, dissecando cada item dessa pequena lista para jogadores e mestres de Brigada Ligeira Estelar RPG. Já falamos dos perigos, da busca, dos heróis, da presença do espaço nas suas tramas, de intrigas palacianas… e, agora, chegou o momento de voltarmos ao espaço sideral, adicionando a este uma camada a mais.
AS NAVES DEVEM SER LANÇADAS NAS PROFUNDEZAS SOMBRIAS.
Mas isso não é redundante com o texto sobre o fluir do espaço nos portos? Na verdade, não. Aqui mergulhamos em outro aspecto: o da aventura maior do que a vida, de ser lançado ao completo desconhecido, de ser surpreendido com o inacreditável. Aqui precisamos levar em conta o fundamental fator do estímulo à imaginação. Se os limites dos leitores, ou jogadores, só vão até determinado ponto, é preciso cruzar essa linha sem insultar sua inteligência.
Mas vamos chegar lá. Primeiro, a space opera pode até ser versátil o suficiente para ser trabalhada de outras formas mas, sem dúvida, tem uma relação intrínseca com os tons folhetinesco e épico. Pense no bom e velho Guerra nas Estrelas, o classicão de 1977. Ela começa aventuresca, vai escalando — e termina com uma enorme máquina de destruição planetária (a essa altura isso não é mais spoiler, pelo amor de Deus) a se eliminar com um tiro de sorte.
E a gente volta aqui a exemplos como o bom e velho Patrulha Estelar (Uchuu Senkan Yamato) e Armored Fleet Dairugger XV. A Yamato cruzou a galáxia graças à ameaça de extinção terrestre, enfrentando o peso da solidão interestelar e ameaças de escala astronômica. A Guarda Rugger (sim, este é o nome da nave) partiu em missão exploratória, muito como em Jornada nas Estrelas, mas encontrando um império expansionista capaz de destruir planetas inteiros.
Essas narrativas não são apenas sobre viajar pelo espaço; são sobre arremessar-se no abismo do inominável. É essa a diferença: enquanto “o espaço fluir pelos portos como vinho de um jarro” fala da presença constante, dinâmica e quase orgânica do espaço sideral nas tramas, “lançar as naves nas profundezas sombrias” evoca a ação deliberada, perigosa e transcendente. É um mergulho no desconhecido absoluto — uma aposta contra probabilidades cósmicas.
Não falo de navegar rotas comerciais ou patrulhar sistemas conhecidos; é desafiar o vácuo primordial, onde regras da física podem dobrar-se ao fantástico e onde não teremos meros perigos a nos aguardar, mas revelações abaladoras da própria percepção de realidade. Isso exige uma Escala do Desconhecido: As “profundezas sombrias” devem transmitir vastidão, antiguidade e indiferença. Não é só o vazio entre estrelas. Pense em infinitas possibilidades.
Que tal um corpo celeste anômalo, capaz de corroer tecnologia ou distorcer o tempo? Ou um setor abandonado há eras, com ruínas de civilizações inconcebíveis e artefatos de poder incompreensível? Quem sabe um “buraco” no hiperespaço, conduzindo a outro sistema solar ou a uma dimensão paralela — ou até mesmo o limite do universo conhecido, onde os mapas terminam e os mitos começam? O objetivo é gerar espanto genuíno (e, talvez, um frio na espinha).
Mas a jornada exige um preço. Lançar-se nessas profundezas não pode ser trivial. Deve exigir sacrifício, preparação hercúlea ou uma fuga desesperada. A nave pode ser danificada irreparavelmente, recursos podem escassear, a tripulação pode ser testada pela imensidão alienígena ou por fenômenos inexplicáveis. O risco de não voltar (ou voltar irreconhecível) deve ser palpável. É bom lembrar: na Constelação do Sabre, temos dezessete sistemas solares…
…e há tanto espaço para o desconhecido em várias áreas mais afastadas, como aquele mundo desabitado na zona habitável de um sistema solar ou em algum ponto perdido no Cinturão de Kuiper de algum sistema, quanto entre esses próprios sistemas em si, sem falar de zonas como o Quadrângulo Negro. Talvez vocês não tenham ideia da imensidão do que nos cerca em um único sistema, e do quanto ainda não sabemos sobre ele. Imagine em um império interestelar!
Aqui entrará nosso inacreditável, incluindo o ponto-chave sobre cruzar a linha da imaginação sem insultar a inteligência de ninguém. Não basta ser bizarro: é preciso ter lógica interna e consequências ao desafiar a compreensão dos protagonistas: Um planeta senciente*? Uma entidade cósmica? Leis físicas locais diferentes? Tá, mas como isso afeta a nave, os sistemas, as mentes da tripulação? Como os personagens tentam entender ou sobreviver a isso?
O inacreditável não deve ser só um pano de fundo. Deve impulsionar conflitos, revelar segredos sobre vilões, testar a ética dos heróis, oferecer um poder tentador com um custo terrível… servir à trama e aos temas, enfim. O mestre precisa conhecer ou definir as regras de seu universo, mesmo que os jogadores nunca descubram totalmente. Isso evita soluções arbitrárias e mantém a sensação de um universo coerente, mesmo no seu aspecto mais fantástico.
E é nas profundezas que o “maior do que a vida” brilha. Um sacrifício heroico para salvar a nave, uma decisão impossível que define o destino de mundos, a descoberta de uma verdade ancestral que muda tudo… O tom pode oscilar entre o maravilhoso ou até mesmo o horror cósmico**, mas sempre com um pé na grandiosidade operística. O encontro nas profundezas é o ato final que eleva a aventura de “emocionante” para “lendária”. Mas em jogo, como aplicar?
Crie Setores de Profundidade: No seu mapa, defina regiões marcadas como “Desconhecidas”, “Inóspitas” ou “Proibidas” (a propósito, o Quadrângulo Negro existe para isso mesmo)… e dê pistas misteriosas sobre o que pode haver lá.
Desafios além do Combate: Enfrente anomalias espaciais (role para manter a nave intacta), transtornos induzidos pelo vazio, sistemas de navegação falhos por algum motivo ou linguagens desconhecidas impossíveis de decifrar***.
Recompensas de Alto Risco/Alto Retorno: As profundezas podem guardar tecnologia perdida, alianças com seres poderosos, rotas hiperespaciais secretas, ou o único meio de deter uma ameaça maior. Mas obter isso pode custar caro.
Use a Escala: Descreva a insignificância da nave contra o vazio infinito, a estranheza de um território espacial desconhecido e o silêncio opressivo dos comunicadores. Faça os jogadores sentirem a profundidade dessa situação.
Mas nunca se esqueça do espírito aventureiro de sua campanha! É uma space opera, afinal de contas! Os protagonistas ainda são os heróis de suas próprias sagas, precisando vencer ou ao menos sobreviver a uma ameaça maior do que tudo visto por eles na vida (até agora)! Parte de sua credibilidade vem de um preparo prévio ao longo da trama para pegar a todos de surpresa, mas também para não deixá-lo deslocado em relação ao restante. É a amarra final!
Ou nem tanto. Afinal, ainda precisamos falar da mulher mais bela do que os céus, do vilão mais sombrio do que um buraco negro e do final onde tudo deve dar certo (ou nem tanto — é RPG e no final das contas, tudo depende dos jogadores, não é?). Mas não chegaremos ao final sem passarmos pelo vilão e não chegaremos ao vilão sem mergulhar nas profundezas do espaço. O chamado da aventura passa por esse caminho. Pense nisso!
Até a próxima e divirtam-se!
* Se vocês acham esse conceito exagerado demais, assistam ao episódio duplo do Planeta Phantom na terceira temporada do Patrulha Estelar clássico. Ele funciona e é supercoerente com a série, mesmo trazendo um conceito pra lá de maluco. E sim, tenho certeza de que alguém na produção do anime leu ou assistiu a versão cinematográfica do Solaris do Stanislaw Lem. É muito evidente.
** Basta lembrar de obras como o longa End of Evangelion ou o caminho de evolução da série Getter Robo, onde ele (na versão Shin Getter) começa a crescer descontroladamente sob os efeitos dos Raios Getter, é levado para Marte na esperança de interromper para sempre o processo… e acaba começando a terraformar o planeta, em um caminho que o transformará fatalmente no Getter Emperor, a verdadeira ameaça ao universo.
*** O Criptofator altoniano pode ser um bom exemplo disso no próprio cenário. Se alienígenas existiram, quem garante que eles não se expandiram para além de seu sistema solar original?
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E dentro de um sistema solar podemos ter “perdido” (leia-se escondido) coisas que se amarram com as principais tramas e assuntos de um mundo.
Por exemplo, as provas dos inúmeros crimes e abusos ocorridos durante o Levante de 54. Que lugar melhor pra sumir com elas que a vastidão inexplorada de um sistema solar?