Vamos lá: o artigo de hoje tem uma inspiração aberta tanto deste vídeo do canal Central Pandora no YouTube quanto deste vídeo do canal gringo Wrestling with Words (só para anglófonos), e vale essa visita a ambos. Falaremos do Horror Cybercósmico — ou, como foi chamado no primeiro vídeo, de Cybercosmicismo — e de como trazê-lo às suas campanhas de Brigada Ligeira Estelar. Mas, antes de explicar o que é isso, precisamos relembrar do Horror Cósmico…
…e ele parte de um conceito espiritualmente… avesso ao de Brigada — o da insignificância humana. Não importa o quanto você seja forte, rico, instruído ou faça milagres tecnológicos: perto do universo, você não é nada. Todos os seus feitos estarão destinados a virar cinzas. Ninguém vai te ajudar. Você é incapaz de fazer qualquer coisa. O horror não nasce do sobrenatural, da condenação de sua alma, ou coisa assim. Ele vem da impotência e desamparo.
E o “cyber” da equação? É quando o incompreensível, imparável e indiferente foi criado pelas próprias mãos humanas (ou de alienígenas) que criaram algo incapaz de ser controlado a partir de certo ponto. Ele não pertence a um séquito de seres antigos ou coisa parecida — ele veio da tecnologia. E, quando esta deixou de precisar de nós, seguiu adiante, passando por cima de todos à sua frente e chegando a um ponto além de nossa compreensão funcional.
Nem é difícil entender qual a raiz desse medo. Pense no fusca — é, o velho fuscão clássico. Ele foi feito para facilitar a vida do condutor: o motor ficava à frente e era resfriado por ar, não por água, evitando a amolação de problemas com o radiador. Caso ele desse um problema em uma estrada afastada, bastava um conhecimento mínimo de manutenção para fazê-lo rodar até a oficina mais próxima. Pois bem: você não pode fazer isso com um carro atual.
Temos tantas benesses com os carros de hoje — suspensão eletrônica, chips disso, chips daquilo, o diacho — que nos esquecemos do preço a ser pago: você não tem mais esse controle mínimo da situação como nos tempos do fusca. É preciso chamar um técnico, preferencialmente um autorizado pela própria montadora. Eles sabem lidar com a máquina e pedem peças às quais você nem tem ideia de como instalar. Você estaria perdido se sua vida dependesse disso.
E na campanha cybercósmica, ela não só depende como você não tem ideia de como essa desgraceira pode ser desligada, interrompida ou vencida. Tecnologias superdesenvolvidas e autossuficientes se tornam incompreensíveis, seu nível tecnológico pode ultrapassar nosso entendimento da física, a sensação de impotência e insignificância em frente ao tamanho da ameaça é clara e, obviamente, ela pouco se lixa por você — que não passa de entulho no caminho.
Mas calma! Como eu disse, esse espírito é o oposto do esperado de Brigada Ligeira Estelar. Aqui, vocês são heróis. Sempre há uma esperança, mesmo se ela for mínima. Diacho, se o bárbaro Conan podia peitar os mythos de Chtulhu com músculos e uma espada, e o próprio Cleiton em si foi posto para dormir com o impacto de um navio*, nossa tecnologia dá conta muito bem desse bicho. O mesmo se aplica aqui, fiquem tranquilos. Enfim, vamos examinar melhor:
Gigantismo: a tecnologia se mostra através de megaestruturas inacreditáveis e sistemas complexos de inteligência artificial, se tornando tão vasta e poderosa quanto um deus aos olhos humanos — consumindo tudo em sua expansão.
Influência Cyberpunk: o Cybercosmicismo parte dos temas do Cyberpunk, como tecnologia avançada, inteligência artificial, exploração espacial e dominação de megacorporações, mas leva tais elementos a um extremo mais aterrador.
A Tecnologia Não se Importa com Você… e aí mora o perigo! Pense: você odeia as minhocas do seu jardim? Não mas isso não o impede de matá-las ao aparar a grama ou de sacrificar algumas em uma tarde de pescaria. Esse é o ponto.
O Sublime Digital: se a tecnologia tornou-se uma força ativa e indiferente ao bem-estar humano, vivemos à sua parte… e a dimensão e complexidade de seus vastos sistemas tecnológicos a aproximam do fantástico aos nossos olhos.
Horror Corporal: é um clássico do Cyberpunk Japonês e entrou com pés juntos no cybercosmicismo. A tecnologia é invasiva, desumanizadora e conspurcadora, e se ela não te destruir, pode te transformar em… algo. Vejam bem, ALGO.
Horror Cósmico, mas por Outros Meios: o espírito lovecraftiano permanece — o medo do incompreensível, do desconhecido e da insignificância humana é aplicado ao contexto tecnológico. Mas dessa vez, a culpa é nossa. Toda nossa.
O vídeo da Central Pandora nos deu exemplos muito bons e alinhados tematicamente ao universo de Brigada Ligeira Estelar: em Blame!, baseado no mangá de Tsutomu Nihei, temos a construção automatizada de uma Esfera de Dyson** que se expande continuamente, chegando a Júpiter… e varre os humanos do caminho; e do jogo Armored Core VI: Fires of Rubicon, onde tecnologia baseada em uma substância corruptora e senciente sai do controle, e gera uma guerra.
Mas o tema tem suas raízes na literatura de ficção científica. Autores como Stanislaw Lem (no romance “O Invencível”, de 1963) e Philip K. Dick (nos contos “A Segunda Variedade”, de 1953 e “Autofab”, de 1955) já cantavam a bola. Um dos meus quadrinhos favoritos de todos os tempos é baseado nesse espírito — A Era Metalzóica (Metalzoic, de 1986), de Pat Mills e Kevin O’Neill, onde robôs se upgradearam para formas animais e espalharam-se pela Terra.
Em termos de anime (com robôs pilotáveis, eba) há um grande elemento cybercósmico em Last Hope (Jūshinki Pandōra): após a explosão de um reator quântico, a maioria dos animais foi submetida a um processo de evolução acelerada nos quais eles se tornaram seres biomecânicos/biocibernéticos, fundindo-se com a tecnologia que deixamos pelo caminho e se tornando megapredadores para a humanidade, destruindo a civilização. Pensando bem, isso é apavorante.
E quanto à Brigada Ligeira Estelar? Bom, posso garantir que elementos cybercósmicos terão grande importância no futuro do cenário. Mas, de uma forma pragmática com o que temos em mãos, temos dois focos interessantes para esse fim. O primeiro é o planeta Altona. Sabemos que existiram alienígenas que habitaram esse mundo, deixando restos tecnológicos difíceis de se compreender e potencialmente destrutivos. Vai saber qual ameaça pode ser encontrada…
O outro? São os Proscritos. Não sabemos (ainda) o que eles são realmente, ou o que eles querem. Mas o elemento cybercósmico pode estar muito bem presente em suas intenções: a campanha é sua e você pode cavucar o cânone que desejar dentro das pistas que já deixamos. Fora isso, Ottokar e mesmo Winch, com seus históricos ligados ao Grande Vazio, podem servir como locais perfeitos para inserir alguns ganchos nesse sentido.
Até a próxima e divirtam-se.
* No conto original de “O Chamado de Chtulhu” (1926)
** Melhor consultar a informação AQUI.
DISCLAIMER: Blame! pertence à Tsutomu Nihei, KODANSHA/BLAME! Production Committee; Armored Core VI – Fires of Rubicon pertence à Bandai Namco Entertainment / FromSoftware, Inc.; Genocyber pertence a Tony Takezaki via Artland, Inc.; Metalzoic pertence à DC Comics, Inc.; Last Hope/Juushinki Pandora/Zhòng Shénjī Pānduōlā pertencem à Shōji Kawamori/Satelight, Inc./Xiamen Skyloong Media. Imagens para fins jornalísticos e divulgacionais, de acordo com as leis de Fair Use.
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