Ao trabalhar cada planeta da Constelação do Sabre, admito que alguns mundos são menos fáceis de se trabalhar do que outros. Bismarck é um deles. Se analisarmos friamente, cada mundo foi criado para trabalhar algum aspecto das animações japonesas de ficção científica com robôs pilotáveis. E se pensarmos bem, ele acabou mais definido por uma questão tonal (é um mundo que cultiva certa gravitas), mas não necessariamente pelos seus tipos de conflito.
Isso é um problema, admito. Mestres de jogo precisam de objetividade para saber o que colocar no caminho de seus jogadores em uma aventura. Bismarck é um mundo cujo povo acredita no poder da lei, tem uma burguesia ascendente, está envolvido na dinâmica política dos mundos principais do império e isso garante aos personagens algo para fazer, mas isso só diz aos leitores que este mundo está mais para Lenda dos Heróis Galácticos do que para Macross.
Calma, porém! É por isso que a seção Além do Óbvio existe — para mostrar ao mestre e aos jogadores que podemos encontrar ação de diferentes formas em um planeta, sem necessariamente estar atrelado ao tom associado a este! Já falamos sobre Inara (mais pensado como um lar para o combate a monstros) e Annelise (associado a aspectos narrativamente mais românticos do gênero), e mostramos como eles podem ir além da caixinha. E Bismarck não é diferente.
Recapitulando…
De uma forma geral, Bismarck é um mundo militarista mas também legalista e que também valoriza alta cultura, com conflitos entre tradição e ambição burguesa. Você já entendeu o tom: a gravitas, a lei, a burocracia, a política de salão e um certo romantismo soturno — e se isso fosse realmente tão empolgante, os jogadores de Vampiro: a Máscara não teriam transformado o jogo em uma espécie de X-Men sobrenatural (o sucesso dele vem disso, admitam!)*.
Mas fundacionalmente, isso é sólido. A lei não é obstáculo à ação — é campo de batalha. Um processo, um decreto ou um artigo em mídia influente semeiam conflitos. A nova burguesia não quer quebrar o sistema, quer possuí-lo. Eles são a fonte de conflito interno mais fértil do planeta. Por fim, o romantismo sombrio é o contraponto emocional da rigidez. Enquanto Annelise celebra o amor que supera obstáculos, Bismarck cultua o amor esmagado por eles.
Pense na ideia: Dois jovens de famílias rivais se envolvem em um romance proibido. Um deles planeja desertar para um mundo próximo, mas possui segredos militares em seu implante neural. O casal é perseguido pela Guarda Regencial (ou pela Brigada — ou seja, vocês) para recuperar o desertor antes que a TIAMAT o capture, enquanto lidam com a teia de lealdades divididas… e a possibilidade de que o casal prefira uma morte romântica, juntos, à desonra.
Outro exemplo, agora pós-cyber: uma corporação local desenvolve um implante neural que suprime insubordinação e aumenta a eficiência em combate. O projeto é um sucesso, até um protótipo ser roubado e o implante se espalhar entre criminosos, criando uma legião de bandidos perigosamente obedientes e eficientes. Os jogadores devem rastrear a fonte do vazamento e descobrir como desativar o vírus, antes que ele seja adotado oficialmente pelo exército.
Reparem que esses dois exemplos podem degringolar muito facilmente em confrontos com robôs de combate — se ancorando nos valores tradicionais de Bismarck como sub-cenário! E quanto à burguesia, ela quer o que sempre quis em qualquer local e momento da história: ficar cheia da grana e manter qualquer estado de bem-estar social bem longe da vista, usando seu dinheiro, influência e talvez jagunços para esse fim. Como assim, não tem ameaças por aqui?
É claro, intriga política e debates filosóficos são o cerne no local. Mas não se engane: essa é uma cultura forjada em aço e fogo. A busca por ordem e eficiência não os torna pacifistas! Pelo contrário, os torna beligerantes metódicos e terrivelmente eficazes! Quando a diplomacia falha (e em Bismarck, ela muitas vezes falha com estrondo — civilidade pode ser uma fachada, sabiam?), o conflito físico deveria ser inevitável, calculado e espetacular!
Possibilidades
Bismarck não é um mundo monolítico de soldados robóticos. É um palco de tensões: lei versus paixão, tradição versus ambição, honra versus realpolitik. Uma investigação em um arquivo jurídico pode levar a uma guerra de gabinete. Um suspiro romântico, em uma cafeteria, pode desencadear uma crise interplanetária. O próprio Eisenkrieg é mais do que um esporte — é um simulacro de guerra. Vamos tentar expandir as possibilidades para… além do óbvio, dã.
Crise de Sucessão e Golpe de Estado: a tensão entre a velha nobreza e a nova burguesia não é apenas uma disputa de salão. Ela pode escalar para um conflito armado aberto pelo controle do planeta no futuro — começa com greve de caminhoneiros, e depois… Os jogadores podem ser pegos no meio de uma tentativa de golpe parlamentar, que dá errado, forçados a escolher um lado para defender entre regimentos leais a facções diferentes, em combates urbanos.
Tensão Militarista: a cultura de disciplina rígida e hierarquia de Bismarck pode entrar em colisão direta com os métodos improvisados e independentes da Brigada. Isso pode ir além de desentendimentos e gerar choques no campo de batalha. Os jogadores podem receber ordens contraditórias de um comando Bismarckiano e de seu superior na Brigada, ou ter que enfrentar um esquadrão de pilotos da Guarda Regencial, que farão uma injustiça “em nome da lei”.
Corrupção e Tráfico de Armas: a busca da burguesia por poder e respeitabilidade tem um preço. Para financiar sua ascensão, algumas famílias podem se envolver com piratas, mercenários ou até a TIAMAT. Os jogadores podem descobrir uma rede de armas ilegais e se ver em uma corrida para interceptar um carregamento de protótipos experimentais antes que ele caia em mãos erradas, culminando em combates espaciais — ou em emboscadas em depósitos orbitais.
Cybercosmicismo? Bismarck é um mundo industrializado e tecnologicamente avançado. A dependência de IA para gestão logística, guerra e controle social é um calcanhar de Aquiles. Uma falha catastrófica, ou um ataque cibernético, pode fazer com que a infraestrutura automatizada do planeta — incluindo sistemas de defesa orbital — se volte contra seus criadores… e se os jogadores não fizerem nada, a ordem de Bismarck pode dar lugar a um caos robótico.
Ameaças Existenciais e a Sombra de Tarso: a posição de Bismarck o coloca na linha de frente contra ameaças internas. E se um grupo de simpatizantes de Tarso se infiltrasse na alta sociedade, ou no exército Bismarckiano, com apoio da burguesia? Os jogadores poderiam investigar e enfrentar células terroristas dedicadas a sabotar a Aliança a partir de dentro, em missões que misturam espionagem com combates urbanos, contra inimigos muito bem-armados.
A Caça por “Impuros”: eu quis evitar isso aqui, mas sempre é uma possibilidade. E se um grupo dentro da sociedade Bismarckiana começasse a caçar e purgar aqueles que consideram “fracos” ou “indignos”, seja por falhas em combate, por discordância política ou por laços com outros mundos? Os jogadores poderiam investigar uma série de “desaparecimentos” entre oficiais, levando a um confronto com uma facção fanática dentro das próprias forças armadas.
Para encerrar, Bismarck pode, sim, oferecer campanhas épicas e cheias de ação para jogadores que buscam conflitos diretos. A lei, a ordem e a eficiência militar nunca estarão de todo ausentes (são seu fundamento, afinal), mas servem como pano de fundo para explosões de violência calculada, dilemas de lealdade e batalhas que testam não só a força, mas a alma dos personagens. Cabe aos mestres explorar essas nuances e só.
Até a próxima e divirtam-se.
* Vamos ser honestos: o melhor exemplo de que Vampiro não é jogo de horror pessoal coisíssima nenhuma é que a série de filmes Underworld (Anjos da Noite) foi pensada como uma adaptação de Vampiro: a Máscara e a produtora percebeu que não seria preciso licenciar a marca, já que seus fãs iriam ver de qualquer forma. Tem até abominação, a coisa mais roubada em termos de jogo que existe! Pessoalmente, acho que a White Wolf só conseguiu chegar realmente ao seu horror pessoal na primeira edição de Wraith: The Oblivion — e por isso mesmo ela não deu tão certo assim. Off-topic feito, vamos voltar à programação normal.
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