“Idealmente a Terra deve estar em perigo, deve haver uma busca e um homem presente na hora mais decisiva. Tal homem deve confrontar alienígenas e criaturas exóticas. O espaço deve fluir pelos portos como vinho de um jarro. O sangue deve correr pelos degraus do palácio e as naves devem ser lançadas nas profundezas sombrias. Deve haver uma mulher mais bela que os céus, um vilão mais sombrio do que um Buraco Negro e tudo precisa dar certo no final.”
As palavras do escritor britânico Brian W. Aldiss estão de volta, e com elas a seção Space Opera, em sua penúltima edição. Se no último artigo exploramos a força motriz do interesse amoroso, hoje chegamos ao pilar que sustenta todo o conflito em qualquer manual de narrativa que se preze: a antítese personificada, a ameaça que justifica a jornada, o capiroto maldito, a escuridão que faz a luz do herói brilhar (brega, não?). Nós estamos falando de…
…UM VILÃO MAIS SOMBRIO DO QUE UM BURACO NEGRO.
E não pode ser um vilão qualquer! Mais sombrio do que um Buraco Negro, repetimos! A comparação não pode ser menor do que isso. É uma força da natureza impiedosa. Um vórtice de destruição da qual nem a luz consegue fugir. Não há apelo. Não há negociação. Não há empatia. É um poder absoluto e aniquilador. Um vilão assim não pode ser apenas… “mau” — ele é uma catástrofe gigante com vontade própria. E só.
Mas antes, precisamos pensar o que é o mal… e aí é que a porca torce o rabo. O Marcelo Cassaro, certa vez, escreveu na DB que tinha um problema como escritor: “eu não acredito em vilania.” Lembro desse artigo porque ele estava escrevendo sobre o Outlanders de Jōji Manabe, um mangá de space opera bem bacaninha que saiu nos Estados Unidos dos anos 80*. No caso ele discorre sobre uma vilã que muda de lado sem mudar em nada o seu caráter pavoroso**.
Isso (na minha conclusão básica) leva a um “tudo é relativo” e depende de ponto de vista, que ninguém é exatamente herói nem vilão. E pensando bem, isso pode funcionar — o Real Robot, em geral, se ancora nessa premissa. Mas aí é que está: eu acredito em vilania. Até concordo que uma pessoa ruim vai se ver como correta dentro desse contexto, sem culpa. Ninguém se vê como o vilão. Mas não se enxergar como tal não faz dele correto, de forma nenhuma!
Eu posso catar um monte de exemplos da vida real. O cara que joga chumbinho no quintal dos vizinhos e mata os cachorros dele porque quer silêncio. Um bando de adolescentes de classe alta que tocam fogo em um mendigo porque querem se divertir e acham que ninguém vai condená-los por isso. Um chefe de estado apoiador de genocídio porque quer montar um resort (!) no lugar. E, convenhamos, digitem PDL 3/2025 no Google e me digam se isso não é vilania.
Então minha visão pessoal do que é o conceito: “vou fazer algo sabendo conscientemente que é cruel, violento e que vou prejudicar e destruir as vidas de quem estiver no meu caminho, sem nem ligar. O problema é de vocês, tô nem aí, o meu interesse é tudo!”. Pra mim a vilania verdadeira é parente próxima do orgulho, do egoísmo, do narcisismo e da vaidade***. Claro, maniqueísmo infantil é ridículo, mas coisas assim nos são atiradas na cara todo dia!
Faço questão de dizer que isso sou eu quem penso e você pode discordar, mas precisamos de uma definição do que é “mal” e esta serve para mim. Agora é hora de falar do sentimento de Catarse: quando vemos um grande canalha se dando bem e conseguindo continuamente o que quer, destruindo todos ao seu caminho, temos um sentimento compreensível de raiva. E ele vai crescendo. E crescendo. Quando o vemos ter o que merece, pode acreditar: ficamos felizes!
Só que falamos de space opera. E aqui enfiaremos um elemento extra no caldeirão: gigantismo. As apostas precisam ser maiores. Vou tirar um exemplo, dessa vez, dos quadrinhos estadunidenses: Thanos. Neto de um titã da mitologia grega, irmão de Eros (Eros e Tânatos, pegaram? ****) e apaixonado pela… Morte. Para conquistá-la, ele decide sacrificar o universo inteiro em sua honra. O Thanos “com motivações razoáveis” e regatinha do MCU nem se compara.
Por quê não? Porque ele é uma força da natureza, passando por cima de tudo e todos. Da mesma forma, poucos atualmente pode ter ideia do impacto que foi ver Darth Vader na tela pela primeira vez em 1977. Ele era a face do mal! Ele era um obstáculo invencível! Ele matava quem quisesse a serviço de uma ditadura capaz de destruir planetas (o genocídio supremo)! E a cada novo filme, ele foi sendo esvaziado e esvaziado. Não precisávamos racionalizá-lo!
Talvez você queira oponentes mais identificáveis, mas o último não pode ter perdão, salvo se você quiser subverter o conceito. Para voltarmos aos animes, vamos pensar no clássico Patrulha Estelar original. Desslar (Desslok, na versão exibida aqui pela Manchete) tem um bom motivo: seu planeta vai explodir e ele precisa de um lar para seu povo, tanto que as tropas invasoras estão terraformando a Terra para esse fim. Mas ele é orgulhoso e arrogante.

Desslar é um antagonista, mas não um vilão mais sombrio*****, de verdade. Você não pode falar o mesmo do Imperador Zwordar (Zordar) do Cometa Império, ou do Alto Comissário Bemlarze (acho que era chamado de Benlazi por aqui, agora não me lembro) da Federação Bolar. O primeiro é um conquistador genocida que toma e destrói tudo pelo caminho. O outro sacrifica o próprio povo em seu projeto militar e nem liga. Nenhum dos dois tem um pingo de empatia.
Pegaram a ideia? Novamente não é difícil encontrar isso na vida real — só o fato de que alguns grupos estão falando de “empatia tóxica”, para coibir atitudes de humanidade, já mostram muito bem ao que eles vieram. O diferencial é só a escala (Zwordar conquistou toda a Galáxia de Andrômeda, por exemplo). E, quanto maior ela for, mais gente pagará com a vida… caso nada seja feito. Então vamos dar uma olhada em alguns arquétipos úteis nesse sentido?
O Conquistador Genocida: vide Zwordar e Bemlarze. É um arquétipo clássico: ele não quer só vencer; quer dominar, subjugar ou erradicar. Seu império é construído sobre pilhas de ossos em mundos extintos. Ele é a personificação do colonialismo, do fascismo ou de qualquer ideologia que exija a aniquilação do “outro”. Sua sombra não ameaça apenas o herói, mas toda a civilização. É o teste final do que vale a pena ser defendido. Não há como se omitir.
O Fanático Ideológico: talvez o mais perigoso de todos, porque ele acredita piamente que está certo. Sua causa, seja religiosa, política ou filosófica, justifica qualquer meio — mesmo se incluir genocídio ou destruição em massa. Ele não se vê como um vilão, mas como um salvador, um mártir ou um profeta. A beleza (e o horror) desse vilão está em sua lógica interna distorcida, que pode, em um momento de fraqueza do roteiro, até fazer algum sentido…
O Corruptor Sutil: Sua arma não é um canhão de plasma, mas um sussurro. Ele não destrói mundos com armadas, mas com uma ideia. Ele oferece exatamente o que você mais deseja — poder, conhecimento, amor, imortalidade — pelo preço da sua alma. Ele é a tentação incarnada, o coisa ruim entre as estrelas. O perigo que ele representa é íntimo e corrosivo, transformando heróis em vilões e aliados em traidores. A vitória contra ele não é física mas moral.
A Entidade Cósmica ou Incompreensível: como enfrentar o que não se entende? Este vilão pode ser uma inteligência coletiva de insetóides, uma nuvem de antimatéria consciente ou uma entidade extraplanar senciente e ancestral que vê a vida como uma praga. Sua motivação é literalmente alienígena. Ele não odeia — simplesmente é. O conflito aqui é existencial, e não de ideias. É o Buraco Negro em sua forma mais pura, a da força de apagamento universal.

O Espelho Quebrado do Herói: ele poderia ter sido protagonista em outras circunstâncias. Talvez ele tenha sido um amigo, mentor, namorada ou parente. É o que o herói teme se tornar caso cruze certas linhas. Seu conflito é profundamente pessoal e trágico, carregado de um passado comum. Derrotá-lo não é uma vitória, mas uma necessidade. Mas para ser “o mais sombrio”, a linha cruzada por ele não pode ter perdão e como ameaça, ele é de grande escala!
A Máquina Implacável: a I.A. que decidiu que a vida orgânica é um erro de cálculo. O sistema burocrático que processa planetas para extração de recursos, ignorando populaçõescomo variáveis irrelevantes. Este vilão é o pesadelo da razão sem coração, da eficiência sem ética. Sua sombra é de desumanização, tornando-o um adversário frio, lógico e absolutamente aterrador. Deem uma olhadela no artigo sobre Cibercosmicismo — ele pode oferecer algo aqui.
Quem já nos acompanha pode não ver muita novidade nisso: diversos artigos (vejam aqui, aqui, aqui e em seções como a Vilões e Ameaças) já nos falaram sobre alguns deles, talvez a maioria. Mas eu não poderia escrever este texto sem essa repescagem. Então você, que tem em mente ideias mais sofisticadas sobre a construção de vilões, se pergunta: por que esse bando de clichês funciona? Porque eles são ferramentas narrativas de primeira grandeza, ora!
Grandes vilões representam um Obstáculo Definitivo. Eles fazem da vitória difícil, cara e, por isso, significativa. Além disso, as sombras do vilão definem o herói (ou os heróis) por contraste: suas escolhas em oposição ao adversário revelam seu caráter. Um vilão medíocre significa um conflito medíocre. Um vilão de escala monstruosa significa que o sistema solar, o império, talvez o universo (o mestre de jogo pode ser megalomaníaco) está em jogo!
A verdadeira marca de um grande vilão não é só o que ele faz ao herói, mas o que ele faz aos personagens que amamos, aos mundos que visitamos. Ele deve deixar cicatrizes na própria narrativa. Pensem no que ele representa a tudo e todos. Falando em confronto, a regra de ouro permanece a mesma do artigo anterior: proatividade. Um vilão formidável é aquele que age, impulsiona seu plano, está sempre um passo à frente… e força os jogadores a reagirem!
Ele não espera pacientemente em seu trono, de jeito nenhum! Ele envia seus capangas, corrompe aliados, destroem estações espaciais gigantescas ou luas terraformadas como demonstração de poder. Ele é o motor final do conflito. E sim, ele deve ser poderoso para estar à altura da evolução dos seus personagens na campanha.
Até a próxima, divirtam-se — e desculpem pelo tamanho do artigo. Se tivesse tido mais tempo, eu teria feito este texto mais curto.

* Por muito tempo essa foi a saída de quem curtia mangá e lia inglês: trazer os materiais publicados pelas editoras gringas. Admitindo a idade, eu fazia isso.
** A personagem em questão é Kahm, a possessiva princesa do Império Santovasku (e genocida). Mas como ela mudou de lado, tá bom, não é?
*** Inclusive, e quero deixar claro que não estou diminuindo Tormenta por isso ou que isso representa uma crítica, acho que aquilo que diferencia Arton da Constelação do Sabre é justamente essa visão por trás dos autores. Mas isso é uma discussão que pode ser deixada para uma ocasião melhor.
**** Dêem uma olhada aqui: https://www.psymeetsocial.com/blog/artigos/teoria-de-eros-e-thanatos
***** O motivo pelo qual eu digo isso foi porque ele teve um bom motivo para fazer algo horrível, perdeu a cabeça (convenhamos, sua derrota condenou seu planeta) e sim, mergulhou em uma fase de vilania, para depois se encontrar. Até tivemos conciliação e perdão mútuos entre Desslar e Mamoru Kodai (Derek Wildstar por aqui). Basta comparar com Zwordar (que não passava de um saqueador e colonizador de mundos mesmo) e de Bemlarze (que se tornou o chefe final na terceira temporada original, só para tentar impedir a Yamato/Argo de salvar o próprio planeta, com direito à sua arma geradora de buracos negros. Isso não o ajudaria em nada pragmaticamente, é só para destruir mesmo. Nesse sentido, podemos dizer no meu entender que Zwordar e Bemlarze são maus.
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