A Campanha do Inimigo: Perfis Antagonistas

Andei demorando um bocado para falar da possibilidade de uma “Campanha dos Vilões” em Brigada Ligeira Estelar. Nem digo tanto os Proscritos porque realmente não forneci ainda informação o bastante para isso (ela virá), mas também quero crer no bom-senso dos jogadores quanto a um lado que até agora só apresentou devastação. Mas ainda temos milícias como a TIAMAT, a guarda regencial de Tarso e guardas pretorianas dos nobres de atitude questionável.

Então fica a pergunta: por que jogar com personagens assim? Provavelmente pelo aspecto mais subversivo e transgressor da coisa, e parto do seguinte princípio: quando você compra um livro de RPG, ele é seu e de mais ninguém. O autor pode até gostar ou não de uma abordagem, mas não tem direito nenhum de encher o saco dos outros. Outra fator é a proatividade. Personagens do lado oposto, em geral, não são defensivos — tramam ou executam alguma coisa.

Além disso, pode ser a oportunidade de se lidar com tramas mais complexas, especialmente quando os personagens não são exatamente maus: vocês podem até ser pessoas decentes, acreditando fazer a coisa certa, mas todos estarão enredados até o pescoço na podridão quando se derem conta. Nem eu nego quanto isso dá caldo — animes como Neon Genesis Evangelion, Schwarzesmarken e muitas séries de OVA dos anos 90 podem ser ótimas referências nesse sentido.

Schwarzesmarken: apesar de ser apresentada como a Alemanha Oriental,
os criadores fizeram apenas uma Alemanha nazista com outro nome.

Em primeiro lugar, as coisas não funcionam exatamente da mesma forma em termos arquetípicos. Os perfis de personagem tradicional até funcionam na maioria… mas, por exemplo, um bem-intencionado precisaria ser muito iludido para comprar certos tipos de discursos, ou um equilibrado precisaria fechar um olho para as razões pelas quais está se lutando. Então estou propondo uma leva de perfis antagonistas, para o mestre compor personagens coadjuvantes.

Os personagens jogadores, se o mestre permitir, até podem escolher entre eles caso queiram personagens realmente com perfis mais “vilanescos” mas, pessoalmente, acho que o conceito funciona melhor com os jogadores tendo acesso apenas aos perfis normais e percebendo aos poucos para quem se está trabalhando, esbarrando em segredos e mergulhando em missões que os fazem questionar a moralidade de seu papel. Vamos dar uma olhada rápida nesse elenco.

Quando se reúne um Ponto, um Contraponto, um Músculo, um Cérebro e um Coração, o time está devidamente organizado em seus papéis e tem tudo para funcionar na mesa, sem grandes conflitos entre os jogadores ou sensação de se estar perdido na campanha. A função dos antagonistas não é essa. Eles precisam ser inimigos para protagonistas normais, criar problemas — e, se possível, serem varridos do mapa (ou pelo menos contornados) de uma forma de outra.

1) O LÍDER — essencialmente, a fonte de todos os problemas dos protagonistas. Se o Ponto move o time, o Líder move a história. Tudo orbitará ao seu redor de uma forma ou de outra: ele é o antagonista supremo, o último a ser enfrentado. Um líder não precisa ser realmente uma pessoa mas mesmo assim acaba movendo as circunstâncias contra os personagens. De qualquer forma, o crescimento prévio dos protagonistas é necessário para enfrentá-lo no final.

Olhem para esse cara. Alguma dúvida de que ele é o
Líder a ser enfrentado no final de tudo?
Conquistadores usualmente são precedidos por armadas
inteiras a serem destruídas. Dá trabalho chegar até eles.
Quantas vezes as pessoas tendem a enxergar o Executor como
“o” vilão principal, até mais do que o próprio Líder?

2) O EXECUTOR — o Líder em geral só será enfrentado pelos personagens no final da campanha, ou pelo menos do arco específico dela. No entanto, os personagens por bastante tempo terão que lidar com alguém muito mais perigoso em termos práticos: seu Executor, aquele que transforma as ordens de seu Líder em uma realidade assustadora. E é muito fácil pensar que esse é o verdadeiro grande inimigo, tamanho é o seu poder de fogo e sua capacidade física…

…especialmente se o líder verdadeiro for um Enxadrista dos mais tinhosos e se mantenha na encolha por um tempo. Vencê-lo é o passo fundamental para se enfrentar e derrotar o líder na última batalha. Isso se ele próprio não se tornar o líder no final das contas, com o poder acumulado a seu serviço… e podem ter certeza: caso isso aconteça, vocês terão um oponente muito, mas muito pior no final. Como há vários tipos de executor, vamos logo a eles.

Dissidentes vingativos do outro lado, especialmente com alguma
pendenga pessoal, são excelentes escolhas como executores!
Reinhard von Lohengramm de Lenda dos Heróis Galácticos:
ele segue à risca o arco tradicional do ascendente.
Miezela Celestella, de Patrulha Estelar: um ótimo exemplo
de como um Instrumento pode ser extremamente leal

3) O INSTRUMENTO — como o próprio nome diz, ele é menos um agente do que um recurso. Embora ter recursos seja importante, eles também devem estar à disposição no momento necessário e ser substituíveis quando estão quebrados: instrumentos existem para serem usados e descartados quando não servem mais, afinal. E os melhores dentre eles sempre são os coitados que acreditam ser mais do que um mero instrumento. São quem mais se empolgam com seu papel.

Geralmente a chave para obter sua colaboração ou participação é seu ego; mesmo quando há uma fachada “positiva” por trás de suas ações, isso serve como veículo socialmente “aceitável” para manifestar posturas questionáveis e é impossível negar o quanto a sensação de ser capaz de alguma coisa permite a eles serem manipulados. Quando o Executor não perde tempo em missões “menores”, essas serão as figuras mais recorrentes a enfrentar os personagens.

…e, depois da primeira contrariedade,
ser descartado pelo líder.
Zanald Beihart, de Gundam Age: o que acontece quando um
brutamontes se acha merecedor do papel de executor? Bem…
Um Pilar só precisa estar na posição certa, na hora certa…
e se der tudo certo, ele pode chegar a líder!

4) O PILAR — Ao contrário do Instrumento, o Pilar tem uma importância fundamental — e ele não pode ser descartado. É claro que, em caso de tudo estourar na cara dos vilões, ele pode ser eliminado, mas é apenas uma forma de apagar os rastros e lidar com o recuo até o próximo plano ser elaborado e implantado; o investimento em toda uma operação terá sido perdido por causa de nossos protagonistas intrometidos. E o Pilar faz parte desse investimento.

Sem ter Pilares a seu serviço, a organização inimiga não teria como obter sucesso em seus planos, e embora eles não sejam os únicos na mesma função, eles têm algum tipo necessário de visibilidade. Diferentemente do Príncipe, que está em uma posição de mando, os Pilares cumprem suas diretrizes e, diferentemente dos comensais, têm consciência do quanto são fundamentais. Têm realmente poder de barganha para com o Líder — e este sabe muito bem disso.

A Princesa Cornélia, de Code Geass: ela é uma pragmática,
pronta para matar centenas caso esteja no caminho.
Tubarov Bilmon, de Gundam Wing (à direita): um gênio
científico sem o menor tipo de escrúpulo.
O dissonante é um dos perfis mais tinhosos, e sinceramente ninguém
deveria lamentar quando alguma coisa ruim acontece com ele.

5) O DISSONANTE — se o coração é quem une e apoia, a dissonância mina as fundações de qualquer união ou sociedade. O dissonante é um adversário de micro-escala — opera no convívio diário dos personagens e sabota a vida de todos o tempo todo. As vezes ele é um adversário focado, se infiltrando no time com um alvo definido, mas isso não é uma regra e muitas vezes ele não é, tecnicamente, considerado um inimigo. Ele pode inclusive estar ao seu lado…

…e isso pode ser pior ainda! Ao estar instalado na vida dos personagens, o dissonante fará tudo para prejudicá-los… às vezes por excesso de zelo, mas na maioria dos casos por algum interesse específico (ou por pura má fé mesmo). O ponto dele é ser uma figura deliberadamente desagregadora, e com a capacidade ou de ser convincente ou ter um conveniente carisma. Sua língua é uma arma mais perigosa do que qualquer pistola de energia, podem acreditar!

O Diethard Ried de Code Geass me lembra de uma frase dos professores
na faculdade de comunicação:
“Jornalista não tem amigo.”
O Corruptor corrompe, simples assim. E vai usar
todos os meios para isso. Até este…
…e é tão bom quando um celerado dessa laia
tem o que merece, falem a verdade!

Estes perfis são importantes para o mestre saber lidar com eles de forma organizada, especialmente em campanhas mais longas, quando os fatos estão encadeados e cada adversário cumpre algum papel em um plano maior. Assim como os perfis tradicionais do Manual Básico, esses perfis são versáteis e permitem evitar personagens redundantes, podendo até ser fundidos caso o time seja menor. Nem todo antagonista precisa ser criado sobre esta régua à parte…

…e na verdade, nem deveria. Talvez seja mais assustador descobrir que um antagonista pode ser um personagem com algum dos perfis tradicionais de protagonista (Ponto, Contraponto, Músculo etc.) e perceber que alguns deles, em outras circunstâncias de vida, poderiam estar lutando ao seu lado. Vilões podem ser planejadores ou carismáticos, sendo bem-intencionados ou não — e talvez eles mostrem algumas qualidades redentoras, sem deixar de ser vilões!

Fala a verdade: quando você está trabalhando com um líder cujo objetivo
é transformar a humanidade em geleca, você ainda é um dos mocinhos?

O mestre deve ter tanto algum controle sobre o elenco em suas mãos quanto senso de perspectiva. Todos os perfis tem uma aplicação ampla e não precisam ser escritos em pedra. Além disso, desenvolvimento de personagem conta: talvez um inimigo mude para um perfil tradicional… mas ele também pode não mudar de natureza, mas mudar de lado mesmo assim! Os protagonistas precisarão tomar cuidado, nesse caso, para não decepcioná-lo. A conveniência importa!

Há muito, muito mais a escrever sobre o assunto — mas esse texto já está enorme, então vou deixar sua conclusão para a próxima semana. Especialmente sobre um ponto muito importante: jogar com personagens como estes, em um contexto como esse, não significa necessariamente endossar pontos de vista questionáveis. É preciso fazer um chamado à maturidade dos jogadores, mas isso precisará ficar para o nosso próximo episódio.

Até a próxima e divirtam-se!

DISCLAIMER: todos as imagens aqui presentes pertencem a seus respectivos proprietários intelectuais — imagens para fins jornalísticos e divulgacionais (por favor, não me peçam para sair caçando um a um a lista de todos desta vez! O texto já está gigantesco!).

6 comentários

  1. Esse foi, com certeza, um dos _melhores_ artigos. Lembro-me de ter ficado encucada quando os “Psycho Rangers” são citados como a versão “maléfica” dos Perfis de Personagem normais e é muito bom ver você desenvolvendo um senhhor artigo sobre o assunto.

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