Brigada Ligeira Estelar: DEZ ANOS!

A primeira versão de Brigada Ligeira Estelar foi escrita entre Março e Setembro de 2012. Foi uma época pessoalmente complicada para mim e posso dizer que era um alento ver o livro tomando forma. Eu tinha grandes planos para o cenário e escrevia em alta velocidade. Assisti repetidamente duas aberturas de anime enquanto escrevia — a de Macross 7 e a primeira abertura de V Gundam. Nenhum dos dois representavam minhas intenções para com meu cenário*…

…mas as aberturas me passavam todo o clima desejado por mim: velozes e cheias de energia. Ironicamente, durante todo o processo de escrita, não acompanhei nenhuma série animada de mechas ou space opera. Não era preciso. No final, o livro se tornou enorme e muito centrado em militaria. O Guilherme dei Svaldi, editor-chefe, pediu modificações para torná-lo mais pop (ele tinha Gundam Wing como referência) e eu as entreguei em menos de um mês e meio.

Eu procurei reunir todos os tropos clássicos e amarrá-los em um cenário coerente. Os aristocratas à antiga no espaço, o invasor interestelar, os pilotos cabeça-dura e ousados, em seu equilíbrio constante entre vidas pessoais complicadas e uma guerra espacial de escalas monumentais. Ao mesmo tempo fiz um esforço coerente de expurgar qualquer sensação híbrida entre a ficção científica oriental e ocidental. Há influência? Há sim e isso é importante…

Infelizmente, V Gundam é bem diferente do que essa abertura
nos dá, mas era este o pique que eu pretendia passar.

Mas os japoneses — Brigada Ligeira Estelar tem sua influência nos animes de ficção científica e esse foi o meu norte em todo o projeto até hoje — já processaram, reprocessaram e retiraram da ficção científica ocidental o mais indicado para que, a partir disso, eles pudessem forjar uma identidade própria… e eu me baseio nesse filtro. Daí a decisão de não termos alienígenas de todos os tipos e tamanhos e, se eles viessem, precisariam ser “humanos”.

Na verdade, eu não tinha uma ideia muito clara de quem seriam os invasores a princípio. Agora estou retomando alguns desses conceitos iniciais, mas tomei a decisão concreta de evitar anões e elfos do espaço. Seria fácil, me pouparia trabalho (bastaria pegar estatísticas do livro básico)… mas também seria uma solução extremamente preguiçosa: eu quis estabelecer meu cenário como ficção científica e era importante para mim evitar tropos de fantasia.

Novamente: Macross 7 não é a melhor série do mundo,
mas eu queria esse dinamismo cinético da abertura…

Um evento ajudou não apenas a definir quem seriam os invasores mas também os valores pelos quais a Brigada Ligeira Estelar lutaria. Em uma feira perto de onde eu moro, e também perto de uma agência do Banco do Brasil, eu costumava comprar uma coleção antiga da Shōnen Magazine**, período da virada entre 1979 e 1980. E de repente, um sujeito agressivo e feroz se pôs na porta giratória, deixando todo mundo preso no banco… e se achando dono da razão.

Fui reclamar com ele. “Mas preciso sair!” — e precisava mesmo. “Problema seu”. Aquele animal nos manteve presos por mais de uma hora, reclamando da gerência, agrediu um senhor idoso e saiu, derrubando uma das motos que estava no estacionamento e saindo do local em alta velocidade, passando pelo sinal vermelho até. Eu fiquei com raiva. Muita raiva. Me ofereci para testemunhar caso o banco indiciasse o desgraçado na polícia, inclusive. Deu em nada.

E sim, estou escancarando a mensagem: não há diferença entre
quem crê ter o direito de abusar dos outros via violência…

Na semana seguinte, soube através de um segurança que tudo foi resolvido “amigavelmente” e nada aconteceu com o cara. Fiquei na minha. Voltando à Shonen Magazine, eu folheei aqueles tijolões enquanto não chegava minha vez de ser chamado ao caixa. Lia Susanoo, de Go Nagai. Ela nada tinha a ver com ficção científica ou com qualquer coisa ligada ao Brigada mas mostrava justamente a cena polêmica pela qual ela é mais lembrada hoje em dia no Japão***.

E aqui a coisa clicou. Think tanks neoliberais e jornalistas irresponsáveis já plantavam a semente do horror que estamos vendo agora. Os monstros estavam sendo estimulados e já estavam fugindo ao controle. Veio o ponto: Brigada Ligeira Estelar seria sobre Barbárie versus Civilização. A Brigada defenderia princípios iluministas de igualdade e bem-comum, a proteção daqueles incapazes de se proteger contra quem se acha no direito de abusar do outro.

…e quem crê ter o direito de abusar dos outros por estar em uma
classe social superior, sob leniência da lei e da sociedade.

Mais ainda, haveria um inimigo interno aparentemente menos selvagem em comparação aos invasores, mas guiado pelos mesmos princípios de individualidade extrema — nobres e corporações, com auxílio de uma mídia venal e de um judiciário alinhado a seus interesses. A partir daí, tudo foi tomando forma sozinho: enquanto as guardas regenciais funcionam como jagunços dessas elites exploradoras, a Brigada representa tudo aquilo que uma guarda deveria ser.

Lamento que isso não tenha sido bem entendido, que muita gente enxergue a Brigada como apenas soldados e prefira interpretar com a nobreza. Tá, tons cinzentos não faltam no cenário mas eu à época que escrevi estava com um absoluto asco daquilo que via na sci-fi televisiva do período****: enquanto o pessoal colocava seus ímpetos heróicos em cenários medievais, a ficção científica parecia associada a tons sombrios — e seres humanos da pior espécie.

(a propósito: a grande sacada do novo Gundam é de que as elites
empresariais se tornaram monarquias em todos os sentidos…)

Eu quis um cenário aonde os personagens pudessem ser heróis. É meu ponto pessoal. E a partir desse esqueleto narrativo eu fui adicionando todos os conceitos emprestados da animação japonesa e me aferrei a eles. Esta postagem não marca apenas o mês de aniversário de dez anos do primeiro livro de Brigada Ligeira Estelar, mas também é a postagem de número 200 deste blog. Eu sempre procurei mantê-lo regularmente (com pausas nas festas de fim de ano).

Em todo esse tempo procurei falar sobre influências, sobre os gêneros da ficção científica que podem ser emulados no cenário, os clichês… enfim, tudo o que puder acrescentar à experiência completa de se jogar dentro de um anime de space opera com robôs gigantes. Talvez eu tenha exagerado e, por isso, há quem creia ser preciso assistir décadas de animações para poder jogar aqui. Mas a Constelação do Sabre sempre se sustentou pelas próprias pernas.

Dito isto, fica bem claro contra o que a Brigada está lutando
como um todo e a quem ela procura proteger, não?

E com o novo livro, eu quero ir além. Nós temos seis livros escritos para o sistema Alpha, teremos um novo livro básico expandindo as regras da nova versão do sistema 3DeT, temos uma história em quadrinhos publicada (o segundo volume de Batalha dos Três Mundos vai sair, de qualquer jeito) e outra à espera de publicação (Shadrach). Temos um romance no estaleiro há muito tempo e espero que vocês os recebam bem — se quiserem ler o resto da trilogia.

De resto, estamos aqui — e vamos ao que muitos esperavam: é a hora de sortear o vencedor entre quem respondeu nossa pesquisa de opinião. Eu aproveitei a ocasião e soltei comentários sobre os resultados. Fiz sem roteiro, como eu disse, para deixar clara a legitimidade do sorteio, então está tudo um pouco desajeitado mesmo. Parabéns então ao ganhador — seu Bluray já está sendo enviado neste exato momento — e o nome sorteado foi (rufem os tambores)…

E, claro, também estamos revelando aqui o nosso prêmio-surpresa: o Bluray importado é de Eureka Seven! Um dos clássicos modernos do gênero, uma obra muito popular e uma referência para campanhas com milícias***** (convenhamos, a Gekkostate é isso! Mas, se algum jogador quiser ser o Holland Novak, insurjam-se e joguem o desgraçado pela saída aérea da nave em pleno vôo… SEM a prancha), além de seu bom uso de estranhas ameaças biológicas do passado.

E dito isso, seguiremos em frente. Este é o mês de aniversário de Brigada Ligeira Estelar. Não pretendo colocar as seções de sempre, não neste Novembro (embora as seções fixas nos ajudem a garantir uma pauta regular para continuarmos em atividade). E se vocês quiserem comemorar conosco, joguem um one-shot, abram uma campanha… espalhem o cenário, enfim! Isso tudo é feito para vocês, de qualquer forma.

Até a próxima, divirtam-se e continuem jogando.

O prêmio do vencedor! Parabéns — e lembre-se:
é importado, logo as legendas estão em inglês!

* Embora Macross 7 tenha muitos fãs, e eu aqui esteja correndo o risco de irritar todos eles, sempre o considerei o grande salto do tubarão da franquia. Enquanto o Macross clássico equilibrou a ficção científica, o aventuresco e o kitsch de forma precisa (muito por causa da direção precisa do veterano Noboru Ishiguro, merecedor de um pouco mais de crédito), Macross 7 abraça de vez o ridículo e manda qualquer equilíbrio para as cucuias. Nem dá para pular essa série porque é ela quem explica o background da franquia como um todo — o jeito é viver com isso. Quanto a V Gundam, ela foi uma série problemática: tinha a proposta original de devolver a franquia para um público mais jovem, mas a interferência dos executivos de uma Sunrise então recentemente comprada pela empresa de brinquedos Bandai acabou deflagrando os gatilhos psicológicos de depressão do criador Yoshiyuki Tomino. Não desgosto tanto assim dela, mas definitivamente Tomino a tornou um espetáculo de melancolia, violência e até sexualidade sombria velada (com alguns espasmos de maluquice nesse terreno, como as soldados femininas lutando com maiô e sendo massacradas). No entanto, as aberturas são explosivas, dinâmicas, e me deixam empolgado até hoje. E eu queria esse dinamismo no cenário.
** A Shōnen Magazine talvez tenha sido a mais importante revista na história dos mangás, graças a sua produção nos anos entre 1965 e 1975. Ali se cozinharam os quadrinhos japoneses como conhecemos hoje e a revista forjou clássicos fundamentais para essa mídia como um todo.
*** Desculpem o gatilho, mas preciso ser direto: foi uma cena de estupro. Apresentada alegoricamente, de forma simbólica, mas não menos brutal. E ela acendeu um alarme, à época — talvez o lugar para essas coisas não fosse em revista para garotos, afinal (o que não deixa de ser irônico: a mesma Shōnen Magazine, anos antes, publicou Devilman).
**** Sim, Galactica do Ron Moore, eu estou olhando para você. E a propósito, eu já contei sobre o grupo de playteste de Brigada aonde um jogador criou um personagem operativo de apoio canibal, que se aproveitava do cenário de combate para ter carne à disposição, certo? Reforcei muito a mensagem heróica do cenário desde então, justamente para tentar não estimular o surgimento de criaturas como esta na mesa de jogo.
***** Deixando claro: por milícia, emprego o termo em stricto sensu, ou seja, como qualquer organização paramilitar não integrada às forças armadas de uma nação. Eu nunca defenderia o milicianismo e, em Batalha dos Três Mundos (vocês já tem?), eu aproveitei para deixar uma personagem falar por mim sobre a questão.

COMENTÁRIO EXTRA: antes que alguém se meta a engraçadinho, eu descobri que não precisei assistir nenhum anime do gênero durante o processo de escrita porque eu os assisti e reuni muita informação para isso ao longo da vida, como um simples fã. Foi como fazer o vestibular com a naturalidade de quem estudou a fio e sabia as respostas com calma.

DISCLAIMER: Victory Gundam, Gundam: The Witch of Mercury e Code Geass são propriedades da Sunrise, Inc.; Macross 7 é propriedade do Studio Nue, Inc. e Big West Advertising Co., Ltd.; Violence Jack é propriedade de Dynamic Planning Co., Ltd; Hokuto no Ken é propriedade de Coamix Co., Ltd.; Eureka Seven é propriedade de Bones, Inc. e Bandai Namco Entertainment, Inc. Imagens usadas para fins jornalísticos e divulgacionais, sem infração de direitos autorais.

4 comentários

  1. Me apaixonar por este cenário foi um absoluto fruto do acaso e não poderia ter sido um fruto melhor. O Conceito da Brigada em si foi o que ganhou meu coração logo de primeira; uma guarda popular dedicada á defesa dos que não podem se defender e em encarcar os ideais que mantém a civilização de pé.
    Fiquei até surpreso que alguém prefira os Nobres, tenho de fazer uma ginástica mental imensa para meramente aturá-los quem dirá ser um deles.
    Enfim, apenas quero reforçar que amo o cenário, que foi ele quem me convidou ao gênero Mecha e que é o Melhor cenário de Ficção Científica Nacional.
    Erguam seus sabres e defendam os que mais precisam!

  2. Parabéns pro cenário! Muito sucesso para os próximos 10 anos de BLE.
    Falando pessoalmente, Brigada me impressionou demais nos idos de 2012/13. Embora 3D&T hoje tenha seus mundos, por muito tempo viveu de adaptações e cenários emprestados. Eu cheguei a estranhar um cenário tão bem amarrado ser pra 3D&T. Fiquei encantado.
    Só acho uma pena ter ficado tanto tempo sem lançamentos, mas ainda considero Brigada o cenário brasileiro com melhor suporte.
    Pelas estrelas do sabre, avante! Com coragem de hussardo, força de lanceiro e inteligência de caçador, venceremos!

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