A Estrutura Pendular

O faroeste nos ensina muito na hora de criar aventuras, ou acredito nisso ao menos. Ele é uma espécie de cenário ultra-básico por excelência, no qual se despe tudo até o osso. Qualquer elemento extra é adição (“Faroeste sobrenatural”, “Faroeste espacial”, etc.). Você só precisa de gente armada montada a cavalo, casas de madeira no meio do nada, alguma fonte de conflito simples (disputas de terra, nativos, criminosos) e pronto, temos uma história.

Um dos recursos mais tradicionais do faroeste é a estrutura pendular: seus personagens estão em um local e são obrigados a fazer uma jornada, mas eventualmente precisarão retornar para concluí-la. Daí o “pendular”: vocês voltam ao ponto de onde começaram, mas não são ou estão mais como eram. O personagem fraco retorna forte, o personagem inseguro volta confiante — e ao resolver o problema maior, sua relação com o mundo e as pessoas ao redor muda.

Vários faroestes clássicos adotaram essa estrutura. Como não quero fazer uma lista deles aqui, vamos usar um exemplo genérico: os personagens viajam em busca de um fugitivo condenado à forca, a serviço de um latifundiário a quem até o xerife obedece. Ao encontrá-lo, descobrem os fatos: o crime foi cometido pelo xerife e seus ajudantes sob ordens do latifundiário… e esse fugitivo pode provar. Voltando à cidade, nossos protagonistas os enfrentarão.

A estrutura pendular é comum em faroestes:
a volta é aonde a jornada se conclui.

Percebem como essa premissa, por ser tão simples, pode ser aplicada a qualquer cenário? Em um ambiente de fantasia medieval, o senhor de terras poderia ser um barão e o xerife e seus homens poderiam ser a guarda de seu domínio. O resto é só adição: para adicionar algum colorido e variedade aos inimigos, o barão poderia ter um feiticeiro a seu serviço e convocar alguma ameaça monstruosa para servir de obstáculo aos personagens. E aqui, em Brigada…

Bem, o nosso fugitivo poderia se ocultar em alguma fortaleza abandonada perigosa, garantindo algumas máquinas de combate para nossos jogadores lidarem e, quando fosse a hora de voltar para o domínio do barão, após uma batalha contra as guardas locais, ele poderia recebê-los com uma máquina gigantesca e altamente destrutiva para servir como chefe final desta última fase. Percebem como essa é uma estrutura muito conveniente para aventuras fechadas?

O bom e velho Patrulha Estelar é um bom exemplo
do uso dessa estrutura em uma escala maior.

Alguns animes se valem dessa estrutura. Na terceira temporada do Patrulha Estelar original, quando a Terra está prestes a ser destruída por uma alteração no Sol, os personagens partem em uma jornada para encontrar um novo mundo, fazendo inimigos pelo caminho. Eles não o encontram. Contudo, recebem uma arma capaz de reverter essa alteração e assim salvar a Terra. Porém, ao retornar, os inimigos feitos na jornada estão à sua espera para impedi-los.

As séries originais de Gundam e Macross também tem estruturas pendulares. Na primeira, os personagens cruzam o espaço para levar os sobreviventes de uma estação espacial até uma base militar no planeta Terra. Aterrissando em nosso mundo, precisam passar por uma longa jornada no território inimigo. Chegando à base e levando finalmente os civis a esse local, resta aos protagonistas retornar ao espaço e assim encerrar essa maldita guerra de uma vez.

A primeira série Gundam acompanha essa nave do
espaço, depois para a Terra, e de volta ao espaço.

Na segunda, a grande belonave SDF-1 é atacada por invasores espaciais e ao tentar entrar em ação, aciona um salto espacial e arrasta boa parte dos habitantes da cidade ao seu redor. Sua missão agora é voltar ao planeta e trazer toda essa gente de volta. Eles chegam, mas não a tempo de impedir a devastação de sua superfície pelas forças inimigas — e, de volta ao ponto de partida, agora tem a tarefa de deter os inimigos… e reconstruir a humanidade.

Em todos os casos, temos uma mudança de status nesse retorno. No faroeste, os personagens partem em situação favorável, a serviço do latifundiário, e voltam como seus inimigos. Em Patrulha Estelar, eles viajam em uma mera missão de busca e exploração — e retornam trazendo uma guerra nas costas. Em Gundam, eles partem do espaço como uma tripulação improvisada e voltam a ele como uma força de combate efetiva, pronta para dar o troco. E assim segue.

O primeiro Macross também adotou uma estrutura
pendular, enfatizando a jornada acima da chegada.

Não é difícil montar uma estrutura pendular para suas aventuras de Brigada Ligeira Estelar: os personagens podem ser enviados contra os proscritos e descobrirem ser esta uma missão suicida ordenada por um nobre — voltando para dar o troco. Uma nobre pode ser sequestrada no altar, forçando os protagonistas a resgatá-la, mas há algo ruim esperando-os em seu retorno. Um forte pode estar sitiado e cabe aos protagonistas fugir e trazer ajuda ou armas.

É possível temperar essa estrutura com dilemas interessantes. Os personagens podem ter efetuado um resgate e conseguido salvar a população de uma horda proscrita antes de sua chegada. Porém, ao voltarem para o espaço, recebem um pedido de ajuda: ainda há sobreviventes por lá, ocultos em uma área específica. Voltarão de imediato para resgatá-los, arriscando a vida dos resgatados em sua nave, ou tomarão uma decisão difícil e os abandonarão à morte?

Star Wars: O Último Jedi também adotou uma
estrutura pendular, podem reparar.

É importante também pensar na natureza da mudança de status. Mudarão os personagens ou mudará o contexto? O primeiro caso se encaixa melhor em campanhas longas. O segundo também funciona bem nelas, mas se aplica facilmente em aventuras fechadas. Os personagens podem voltar como persona non grata pelos eventos ocorridos na jornada, a princesa pode encontrar um contexto político diferente e menos amigável, os inimigos os seguiram… algo terá mudado.

Enfim, essa estrutura não passa de um esqueleto prático para se contar determinado tipo de história. A carne e os ossos ficam por conta do mestre e dos jogadores. E como seu uso em faroestes nos alerta, ela é econômica o bastante para encaixar um amplo leque de temas ao redor de uma trama simples. Inclusive robôs gigantes. Dê um motivo para seus jogadores colocarem o pé na estrada. Dê outro para retornarem. Isso basta.

Até a próxima e divirtam-se.

DISCLAIMER: Mobile Suit Gundam é propriedade da Bandai Namco Filmworks, Inc.; Superdimensional Fortress Macross Frontier é propriedade de Studio Nue, Inc., Tatsunoko Production Co., Ltd. e Big West Advertising Co., Ltd. (BWA); Patrulha Estelar (Uchuu Senkan Yamato) é propriedade de Space Battleship Yamato 2199 Production Committee, Xebec, Inc. e Anime International Company, Inc.; Ride the High Country é propriedade de Metro-Goldwyn-Mayer Studios, Inc.; Star Wars é propriedade da The Walt Disney Company;

2 comentários

  1. Uma estrutura muito boa pra uma campanha de Forte Apache ou Colônia Mascon. Provavelmente vai acontecer várias vezes enquanto os protagonistas correm pra lá e pra cá pro lugar não virar uma cratera ou lixo espacial.

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