Somos seres humanos e parte da função da ficção é a catarse. De acordo com a Wikipedia, catarse é “o experimentar da liberdade em relação a alguma situação opressora, tanto as psicológicas quanto as cotidianas, através de uma resolução que se apresente de forma eficaz o suficiente para que tal ocorra”. Ou, de uma forma mais simples, é aquele “Ahhhh, que bom…” quando uma fonte de raiva e angústia sai do caminho e tem a merecida paga por seus atos.
Porém, logicamente, para termos esse alívio é necessária a ocorrência de alguma situação traumática. E, repetindo, a ficção é uma maquininha de produzir catarses. Temos um vilão em um filme, ele faz algo horrível (se não fizesse, não seria um vilão) e aquilo fica preso na garganta do espectador. Aí, o herói chega, joga o infeliz do alto de um edifício, você grita “AÊÊÊÊÊÊ”, o filme termina e, após desligar a televisão, você vai dormir satisfeito.
Em séries longas, entretanto, isso tem seus problemas. Queremos ver o vilão principal ser derrotado — mas isso demora. Aí entram o sem-mar de chefes de fase secundários, muitos deles mais abomináveis do que seu grande chefe (embora o fato deles agirem em seu nome fale muito sobre a moral do sujeito). Eles estão ali para gerar ciclos menores de trauma e catarse dentro da história, enquanto a catarse principal, tão esperada, não vem. Esperar cansa.
Por isso, eles não precisam de um desenvolvimento tão grande quanto os chefões (embora alguns deles possam ter uma desculpa freudiana para seus atos, do tipo “eu sofri x e y na infância, então tenho direito de inflingir x e y no mundo!”). Eles podem ser crápulas imundos e nada muito além disso — sua função narrativa, afinal de contas, é limitada a um período de tempo. Eles não precisam ser tridimensionais. Enfim, eles podem ser simplesmente maus.
Esse é o sociopata. Alguém sem a menor empatia, voltado à satisfação das próprias vontades sem se importar com os demais, capaz de usar manipulação, violência — ou os dois — sem o menor remorso (até por não ter nem a capacidade para sentir isso)… enfim, estão a um passo de se tornarem verdadeiros monstros, quando não cruzam essa linha sem a menor insegurança — e, na verdade, certamente a cruzarão. O sociopata não merece nem simpatia, nem piedade.

incapaz de ter empatia e capaz de ordenar atrocidades.
Sociopatas não precisam de muito motivo para agir perversamente além de serem perversos. Eles não são vítimas da sociedade, mesmo quando seu passado tem algum componente traumático, e podem aparecer em qualquer estrato sócio-econômico. A franquia Gundam é cheia de sociopatas: Yazan Gable (Zeta Gundam) é talvez seu exemplo melhor acabado: ele se alistou nos Titãs só para ter uma oportunidade de matar sem ser punido por isso. Mas ele não é o único.
Podemos fazer uma lista? Desil Galette (Gundam Age), Nena Trinity (Gundam 00), Ali Al-Saachez (Gundam 00, também)… mas estes são apenas pilotos (como se essa ideia já não fosse horrível o bastante). Quando eles chegam a posições de comando ou de poder, podem ser até piores: Muruta Azrael (Gundam Seed), Lorde Djibril (Gundam Seed Destiny), Katejina Loos (V Gundam)… mas tal escumalha não se limita à essa franquia. Eles estão espalhados pelo gênero.
Podemos encontrar sociopatas em várias séries: em Code Geass, Luciano Bradley é quase um descendente conceitual de Gable, entrando no ramo para poder matar “legalmente”… mas o imperador também se encaixa, no seu papel de tirano sem empatia nem escrúpulos. Armored Trooper Votoms, como paradigma do real robot para o tom árido, é repleto de exemplos dessa gente da pior espécie. A lista de sociopatas em robôs gigantes pode ser muito grande e variada:
O Açougueiro: um militar tirânico, sem escrúpulos, adepto de táticas de terra arrasada, desinteressado por vidas civis — e capaz de ordenar massacres.
O Ambicioso: em busca de ascensão, ele não tem escrúpulos e nem perdoa pessoas próximas — como Luuza Luft (Dumbine)* e Julio Mitsurugi (Cross Ange)**.
O Genocida: ele quer, por algum motivo, varrer toda uma etnia, ou nacionalidade, da face do Universo… e tem recursos para isso. Muruta Azrael, alguém?

gente, dinheiro e recursos… e você terá genocídio.
O Mengele: é uma variante bem específica mas comum no gênero. Usa humanos como cobaias em experimentos hediondos, vide Yoram Pailsen, de A. T. Votoms.
O Sádico: um homicida sem remorso — ele ama matar. Se a ordem for incendiar um berçário, problema dos pais. Yazan Gable e Ali Al-Saachez*** são assim.
O Tirano: ele não tem limites nem legais, nem morais, no poder — e abusam sadicamente das vidas do seu povo. A Trilogia de Nagahama**** é cheia deles.
Todos esses sujeitos são verdadeiros monstros. Desnecessário dizer, o mestre deveria permitir personagens assim apenas como antagonistas — já falamos anteriormente sobre como o mestre deve lidar com aquele protagonista sociopata quando ele mostra suas garras na sua mesa de jogo. Tiranos e genocidas de grande escala, comandando exércitos e com super-armas do fim do mundo, tendem a ser chefes finais de campanha. Mas ajustes sempre podem ser feitos.
Imaginem, em Brigada Ligeira Estelar, um barão — a mais baixa figura de poder na nobreza — mantendo sua população em condições análogas à escravidão, com direito a abusos horríveis e diversões sádicas. Prendê-lo e tomar suas terras, talvez enfrentando suas forças, é o tipo de missão básica para novatos da Brigada Ligeira Estelar (porque as forças regenciais podem ser coniventes com isso). É um tirano? É, mas não é uma ameaça de escala planetária.
Por outro lado, se estivermos falando de um nobre de alta posição — ou pior, uma cabala de nobres, empresários e outras figuras com poder e dinheiro, capaz de bancar milícias e talvez construindo uma mega-arma para tomar o império — vai ser bem mais difícil chegar ao chefão. Será preciso passar por muita gente pelo caminho, eles usarão influência e gente armada para atrapalhar os protagonistas… e aquele líder genocida só será enfrentado no final.
Sociopatas podem ser perigosos e imprevisíveis, muitas vezes agindo sem motivo aparente ou seguindo um padrão de comportamento perturbador. Já líderes sociopatas atraem a sociopatia oculta na pessoa comum, fazendo-os perder limitações morais ou éticas e se sentindo livres para cometer crimes violentos, causar danos e caos em larga escala. Sociopatias podem ser coletivas — e, em Brigada Ligeira Estelar, os proscritos são a expressão extrema disso!
De qualquer forma, sociopatas são ótimos inimigos por isso mesmo: não merecem pena, lágrimas ou remorso. De criminosos comuns até organizações terroristas ou cultistas fanáticos, aqui entra a diversão: vocês podem explodi-los ou ao menos lhes dar um murro bem dado — catarse é parte da função da ficção, lembram? Eles nem deveriam ser considerados como protagonistas potenciais. Mestres deveriam ser taxativos aqui*****.
Até a próxima — e divirtam-se.
* Lady Luuza Luft (Aura Battle Dumbine) manipulou seu marido, o Lorde Drake Luft, a entrar em uma guerra de conquista e cometer massacres pelos quais ela não se importa nem um pouco. Sua filha Rimul se opõe a isso e acaba espancada e aprisionada por Luuza. Sua ambição a leva a se tornar amante do rei e, quando Drake descobre, ordena a Rimi que a prenda. Ao chegar lá, Luuza assassina a moça — sua própria filha — a sangue frio. Se essa criatura maldita não é uma sociopata, não sei mais o que é.
** Julio Mitsurugi (Cross Ange) preenche perfeitamente a cartela de bingo do sociopata: trama a ruína da irmã Ange, levando-a ao exílio. É responsável pela prisão e execução de seu pai e do assassinato de sua mãe (e manipula sua irmã Sylvie não apenas para pensar que Ange matou sua mãe, como a transforma em um peão). De quebra, é sádico, depravado e um tremendo egocêntrico.
*** Ali Al-Saachez (Gundam 00) é um dos maiores monstros sociopatas de toda a franquia Gundam. O que dizer de alguém que faz lavagem cerebral em crianças para induzi-las a assassinar os próprios pais e torná-los soldados mirins sob seu comando? E ele não para por aqui.
**** Já falamos dela, mas não custa repetir: a Trilogia de Nagahama (Combattler V, Voltes V e Tosho Daimos) foi um divisor de águas na história das animações de robôs gigantes e, mesmo sendo séries de super-robô, o real robot provavelmente não existiria sem elas. Os respectivos chefes finais dessas séries — a Imperatriz Janera, o Imperador Zu Zambajil e o rei Olban (embora este tenha um equivalente no lado terrestre, o General Sakamori Miwa — açougueiro e genocida) — são todos tiranos, na maioria usurpadores da pior espécie, e oprimem pavorosamente seus próprios povos.
***** Eu já contei essa história antes, mas ela se encaixa no contexto: nos primórdios do Brigada, topei em um evento com um rapaz jogando no cenário com um personagem sociopata — um praticante de canibalismo que se aproveitava dos mortos ao redor em uma guerra para satisfazer seus instintos. Essa experiência me fez levar muito, MUITO a sério o aspecto heroico do meu cenário daí em diante. Não quero estimular esse tipo de coisa.
COMENTÁRIO EXTRA: deixei de colocar uma nota para esse item por descuido, então estou adicionando esse dado — o Mengele tem esse nome por conta do médico nazista homônimo que cometeu várias atrocidades “em nome da ciência” com prisioneiros judeus. Ele pode até não ser um inimigo físico, mas só há uma forma de tratar monstros assim, certo?
NO TOPO (vamos ver se vocês identificaram todo mundo): Yazan Gable, de Zeta Gundam (ele é importante porque serviu de paradigma para outros sociopatas na franquia); Luciano Bradley, de Code Geass (um dos Cavaleiros da Távola — e não tão diferente de Gable em perfil); Rakan Dahkaran, de Gundam ZZ (novamente, não tão diferente de Gable em perfil); Alicia Lohmeyer, de Code Geass (racista, sádica e provavelmente um dos piores seres humanos da série, o que é um páreo duro aqui); Katejina Loos, de V Gundam (mudou de lado ao se tornar amante do ás inimigo e ascendeu nas suas forças militares, voltando-se contra seus antigos amigos); Julio Mitsurugi, de Cross Ange; Ulubel Ishikawa, de G Gundam (é um spoiler monstruoso explicar por que ele está nesta lista, então assistam a série. É bacana); Embryo, de Cross Ange (que consegue ser um vilão pior do que Julio), Muruta Azrael, de Gundam Seed (líder genocida da facção xenofóbica Blue Cosmos); Gosterro, de SPT Layzner (um psicopata com um robô gigante nas mãos); Patrick Zala, de Gundam Seed (outro líder genocida, mandante de assassinatos, e tentou matar o próprio filho duas vezes); Yoran Pailsen, de AT VOTOMS (capaz de matar 150 crianças deliberadamente em um experimento bizarro); Lorde Djibril, de Gundam Seed Destiny (sucessor de Muruta e outro sociopata); Luuza Luft, de Aura Battler Dumbine; Ali Al-Saachez, de Gundam 00; Evgeni Gedar, de Buddy Complex; Nina Trinity, de Gundam 00 (capaz de exterminar todas as pessoas em uma cerimônia de casamento encontrada pelo caminho por mero tédio); Gauron, de Full Metal Panic; Desil Galette, de Gundam AGE; Grace O’Connor, de Macross Frontier (outra cientista capaz de atrocidades).
DISCLAIMER: Todos os personagens aqui mencionados ou retratados são pertencentes a seus respectivos proprietários intelectuais. Imagens para fins jornalísticos e divulgacionais (por favor, tem gente demais aqui. Se eu fizer a lista, vai ser enorme! Dêem um desconto!).






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