Space Opera: Sangue no Palácio

“Idealmente a Terra deve estar em perigo, deve haver uma busca e um homem presente na hora mais decisiva. Tal homem deve confrontar alienígenas e criaturas exóticas. O espaço deve fluir pelos portos como vinho de um jarro. O sangue deve correr pelos degraus do palácio e as naves devem ser lançadas nas profundezas sombrias. Deve haver uma mulher mais bela que os céus, um vilão mais sombrio do que um Buraco Negro e tudo precisa dar certo no final.”

Mais uma vez, nos valemos das palavras de Brian W. Aldiss — desculpa, cara, nunca fui seu fã, mas suas palavras, aqui, foram na mosca! A seção Space Opera está de volta, dissecando essa lista de princípios do subgênero para jogadores e mestres de Brigada Ligeira Estelar. Esta não é lá uma seção muito popular, mas ela tem projeção para um término e por isso decidi aproveitar esse momento de alta para avançá-la. Cada item enumerado tem o seu ponto.

Já falamos sobre perigos, buscas, o homem (ou mulher) na hora e local certos, os alienígenas (ou até de sua ausência aqui)… enfim, falamos de tropos clássicos que definem uma space opera. E o próximo passo é evidente, até para falarmos de muitos elementos de nosso próprio cenário, Brigada Ligeira Estelar. Entramos no terreno das tragédias aristocráticas, dos crimes feitos em nome da política… ou seja:

O Império Galáctico de Isaac Asimov. Convenhamos, é coisa para caramba!

Começarei esse texto falando justamente do meu cenário: por qual motivo apelei para um império espacial? Por que uma monarquia? Teria eu inclinações políticas nesse sentido? Bom, não acho que autores como Isaac Asimov, Frank Herbert e Paul Anderson, que se valeram desse expediente, tivessem tendências monarquistas. Mas monarquias, narrativamente falando, têm um aspecto icônico e alegórico forte, igualmente simples de entender. É auto-explicativo.

Quando você fala “o rei ofereceu a mão da princesa caso você mate um dragão”, não é preciso mais nada e até uma criança compreende imediatamente o conceito. São arquétipos, e embora possamos entender suas transformações (para fins arquetípicos, a filha de um mega CEO pode “ser” uma Princesa), eles são melhor compreendidos quanto menos ruído houver. Nesse sentido, cenários monárquicos são mais objetivos e despidos de complexidades. E, polemizando…

O Cometa Império de Patrulha Estelar. Isso aí é um antro de víboras!

…talvez, acima de qualquer outro gênero, a ficção científica precise dessas âncoras de familiaridade. Quando você busca uma fantasia pseudo-medieval, há todo o amparo de uma iconografia com cavaleiros e gente empunhando uma espada. Você se situa. Quando você busca, digamos, um faroeste, você só precisa de um lugar afastado, um monte de casinhas modestas e gente armada à cavalo. Não há um gênero tão fácil de se situar quanto este! Quanto a sci-fi…

…bom, a primeira pergunta é qual sci-fi! As variantes são muitas e quanto mais distantes de nosso mundo, mais elas dependem de elementos familiares para sua melhor compreensão. Um Cyberpunk, por exemplo, não precisa tanto desses recursos narrativos porque basicamente ele é nosso mundo de hoje, apenas tecnologicamente mais avançado e socialmente mais horroroso. Mas quando falamos em mundos terraformados, poderes psiônicos ou milagres tecnológicos

A força motriz de Code Geass é um assassinato político entre aristocratas, podem reparar.

Então tá, o palácio está explicado. Agora, vamos ao esperado por todo mundo: o sangue correndo em seus degraus. E para isso, vamos a um especialista no assunto — o bardo de Stratford-upon-Avon, William Shakespeare! Ele escreveu mais de dez peças focadas nos reis britânicos, repletas de conspirações, traições, mortes, dramas… enfim, todas essas pequenas coisas de apelo popular. Shakespeare sabia, mais do que ninguém, que não há drama sem conflito.

E não há conflito maior do que aquele nos corredores do poder. Em Macbeth, o sangue é quase um personagem — visível nas mãos do protagonista, nos fantasmas que assombram banquetes, na profecia que se cumpre em carnificina. Em Ricardo III, a ambição escorre degrau abaixo, degrau acima, até o trono ser conquistado sobre cadáveres. E em Hamlet, temos um palácio encharcado de segredos e vinganças tardias. O que isso tem a ver com a space opera? Tudo.

Ricardo III (1995): adicione robôs gigantes e poderia muito bem ser a Zeon de Gundam.

Na Space Opera, impérios espaciais existem por condensar o épico e o pessoal. E vou deixar uma recomendação: o filme Ricardo III de Richard Loncraine (1995). É minha adaptação favorita (não a melhor, mas a favorita) de Shakespeare, é fácil entender o porquê. Ele cria uma sensação de realidade alternativa o mudar sua ambientação para os anos 30 (tanto que está classificado como Guerra/Ficção científica na busca do Google). Olhem o vídeo anterior.

Sim, é um cenário de possível ascensão nazifascista na Inglaterra do entreguerras, mas não poderia ser a Zeon de Gundam*? E lembrem-se: no primeiro livro de Brigada, escrevi algo como “todo crime de estado começou discutido em um gabinete.” E isso vai catapultar a necessidade dos protagonistas empunharem suas armas e entrarem em uma nave. O poder deve ter um preço, e o preço deve escorrer pelos degraus. Lembrem disso.

Divirtam-se, e até a próxima.

E sim, o Ricardo III de Ian McKellen daria um senhor vilão em Brigada Ligeira Estelar.

* Caros fãs de Zeon que passam pano para a morte de dois terços da humanidade, uma colônia espacial jogada sobre uma cidade e trajes pseudonazistas pouquíssimo sutis: eu manjo. E sim, isso vale para a galerinha fã do Império em Star Wars também. Tô de olho.

DISCLAIMER: Code Geass pertence à Bandai Namco Filmworks, Inc.; Uchuu Senkan Yamato 2199 é propriedade de Yoshinobu Nishizaki/2014 Space Battleship Yamato 2199 Production Committee e 2012 Space Battleship Yamato 2199 Production Committee; Richard III pertence à ©1995 Guild Pathe Cinema Ltd.; Imagens para fins jornalísticos e divulgacionais.

Brigada Ligeira Estelar ® Alexandre Ferreira Soares. Todos os direitos reservados.

5 comentários

  1. Esse era o artigo desta série mais aguardado por mim, fui batizada no Real Robot por Code Geass, logo este é um efeito colateral.

    Acho curioso como os subgêneros Sci-Fi mais populares são Cyberpunk, Space Opera e (na medalha de bronze) Pós-Cyber. O primeiro e o último são por definição os mais próximos de nossa realidade e a Space Opera é a que mais ativa um imaginário que acompanha a humanidade á milênios.

    E temos um errinho: “Ee cria a sensação de uma realidade alternativa.”

    1. Citei o Herbert por conta dele ter usado um cenário monárquico, mas se pensarmos bem ele desconstruiu o conceito. Duna não é uma saga tão aventuresca assim, e ele se torna mais e mais cerebral. Ele realmente se enquadra mais como folhetim espacial do que como space opera no meu entender.

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