Annelise: Além do Óbvio

Ah, Annelise! O mundo do romance, das pétalas de flores caindo, do melodrama, das reviravoltas novelescas na vida real, das paixões tempestuosas, dos duelos galantes, das pessoas bonitas com um brilho especial nos olhos, das tramas mirabolantes — e claro, sempre teremos no seu grupo de jogo alguém para quem tudo isso dá total e absoluto sono. E isso é um problema para o mestre. Ele precisa garantir a diversão para si e para toda sua mesa de jogo!

Qual o melhor procedimento nessas horas? Bem, para isso temos a seção Além do Óbvio, na qual procuramos formas diferentes de explorar os principais locais do cenário para além de sua caixinha básica. Já falamos anteriormente do planeta Inara — e mostramos seu potencial para além do mata-monstro primariamente esperado deste mundo. Já Annelise está em um espectro oposto. É um planeta pensado, como sub-cenário, para gostos mais, digamos, narrativos.

Mas não se preocupem. Viemos prevenidos desta vez: Annelise tem ganchos prévios para quem quiser fugir do romance e de (certo tipo de) intrigas e manipulações. Então use o folhetinesco não a serviço do melodrama, mas da ação! Estejam preparados para injetar um pouco de testosterona nesse planeta, lembrando apenas: é preciso agradar todos os jogadores na mesa! Você não usaria este mundo em jogo se não houvesse quem gostasse de seus aspectos-chave!

E é bom dizer: vocês ainda estarão nesse planeta e não vão se
livrar tão facilmente de seus aspectos mais característicos.

Recapitulando…

Para quem não leu o primeiro volume de A Constelação do Sabre e artigos deste blog — ou do blog da Jambô Editora: Annelise foi codificado com muita influência dos mangás e animes clássicos para meninas (“Shōjo”). Eu poderia discorrer por aqui sobre os materiais mais sombrios dessa demografia ou sobre a influência da “New Wave da Ficção Científica*” dos anos 60 nas autoras japonesas da década seguinte — mas, sinceramente, precisamos ser objetivos.

Então vou só repetir: o cânone de Annelise já tem aspectos menos róseos. Nos Cantos Baixos, podemos explorar problemas sociais graves; intrigas de nobreza podem ser vistas sob a ótica do thriller político; flores podem também ocultar produção de opióides ilegais; locais assim podem estar ligados à biogenética, e em histórias de ficção científica este é um ramo da ciência na qual as coisas podem dar muito errado. Material para trabalhar não falta.

Dito isso, carreguem suas armas. Desta vez,
vamos precisar delas, podem acreditar.

Possibilidades

Annelise pode, sim, cativar jogadores com diferentes interesses e estilos de jogo. O romantismo e a beleza nunca estarão de todo ausentes (é sua face oficial, de qualquer modo), mas enriquecidas por camadas de aventura, mistério, ação, intriga — ou sombras. Cabe aos mestres de jogo explorar essas nuances e transcender (ou subverter, o que é melhor ainda) as expectativas ligadas a um mundo supostamente romântico. Enfim, vamos dar uma olhada geral:

Andro-Ginóides: Annelise foi o mundo cuja reação à Praga Ginóide foi mais extrema — e o retorno dos seres artificiais à Constelação é uma fonte de conflitos potenciais. Os personagens podem confrontar diretamente grupos que apoiam ou se opõem à sua presença, ter a missão de proteger indivíduos ou grupos andro-ginóides de ataques ou perseguições, confrontar extremistas… e tomar decisões difíceis sobre quem merece proteção em um ambiente como este.

Andro-Ginóides: para a Aliança Imperial, podem ser a esperança
contra os Proscritos. Para Annelise, é uma sombra assustadora.

Biogenética: segredos científicos sombrios? Por que não? Laboratórios secretos, experimentos de ética duvidosa ou até mesmo criaturas geneticamente modificadas podem ser temas explorados nas aventuras dos jogadores. A moralidade da ciência e seus impactos na sociedade podem ser questões centrais nessas tramas. E a propósito, considerem o body horror como possibilidade válida. Em um mundo cultuador do belo, nada é mais ameaçador do que o hediondo.

Conflitos Ideológicos: Annelise é um lugar onde diferentes ideologias e valores colidem… diacho, eles já tiveram uma princesa assassinada por Libertários! Os jogadores podem se ver envolvidos em conflitos entre grupos com crenças e objetivos opostos, de movimentos de resistência até cultos fanáticos. Isso permite a exploração de temas como liberdade versus controle, ética versus poder e a luta pela justiça em um contexto complexo e multifacetado.

Se pensarmos bem, podemos usar a biogenética
para levar as tramas a um terreno pós-cyber.

Conflitos Sociais Profundos: Annelise pode ser um planeta aparentemente romântico e elegante, mas seus Cantos Baixos escondem uma realidade sombria. Os jogadores podem se envolver em tramas que abordam questões sociais como desigualdade, pobreza, tráfico humano — e corrupção. Isso adiciona várias camadas de complexidade ao cenário, permitindo que os personagens enfrentem dilemas éticos e morais enquanto exploram as diferentes facetas deste mundo.

Crime Organizado e Milícias: Por trás da fachada galante, há bolsões de pobreza — e onde há pobreza extrema, há crime. Os jogadores podem enfrentar milícias (muitas delas praticam crimes para financiar suas atividades terroristas), drogas (opióides, lembram?), contrabando de tecnologia proibida ou outras atividades ilegais. Isso oferece oportunidades para missões de infiltração secreta e os personagens lutarão para manter a ordem em meio ao caos.

E onde há milícia (potencialmente em qualquer lugar), há
desculpa para se enfiar briga de robôs gigantes.

Mistérios e Segredos Ocultos: Altona e Ottokar não deveriam monopolizar os segredos e mistérios do cenário. De ruínas antigas a tecnologias perdidas, os jogadores podem desvendar os segredos da colonização de Annelise e enfrentar perigos ancestrais. Além disso, tecnologias avançadas e experimentos científicos podem estar escondidos sob a superfície do planeta, oferecendo oportunidades para investigações intrigantes — e descobertas surpreendentes.

Thriller Político e Espionagem: Annelise já tem intrigas políticas e conspirações. Diferentes casas nobres sempre estarão envolvidas em disputas de poder, alianças secretas ou planos para derrubar rivais… e os jogadores se envolverão em tramas políticas complexas, manipulando alianças e lidando com as consequências de suas escolhas enquanto tentam desvendar segredos. É só mudar a abordagem: pense mais em Tom Clancy** do que em Alexandre Dumas***.

E onde houver espionagem, sempre há espaço
para ação mentirosa. Muito mentirosa.

Para encerrar, os jogadores devem sentir-se envolvidos tanto nas tramas emocionais quanto nos confrontos físicos, garantindo uma experiência completa em um ambiente cheio de possibilidades. É importante equilibrar os elementos românticos e dramáticos de Annelise com doses adequadas de ação e aventura — mesmo dentro da narrativa clássica desse mundo. Apesar de tudo, todos estão aqui para pilotar robôs gigantes, não para dançar valsa em um castelo!

Quando jogadores com perfis diferentes são reunidos na mesma mesa, essa questão se torna mais importante ainda. Então procure ter diferentes linhas de trama para dar algo a todo mundo. Ponha duelistas no caminho dos personagens, mas deixe milicianos sobrando para o outro jogador bancar o Vin Diesel em jogo e explodir com todo mundo. O importante é deixar todo mundo contente ao final da sessão — e dá-se sempre um jeito.

Até a próxima e divirtam-se!

E pronto, Annelise volta à programação normal.

* Movimento Literário da segunda metade dos anos 60 à primeira metade dos anos 70. Diferentemente da ficção científica clássica, a New Wave tentava explorar ciências humanas como a sociologia e a psicologia, além de temas como a sexualidade. É curioso notar que no Japão, houve um boom de ficção científica nesse período e enquanto autores japoneses se influenciavam mais pela vertente tradicional (basta lembrar da inspiração de Tropas Estelares, de Heinlein, em Mobile Suit Gundam ou da pentalogia dos Gigantes de James P. Hogan em Superdimensional Fortress Macross — todas influências confessas), as autoras de quadrinhos femininos daquela safra pareceram se inclinar mais para os ditames da “Nova Onda”, como no caso de Moto Hagio (They Were Eleven) e Keiko Takemiya (Andromeda Stories).
** Autor de
Caçada ao Outubro Vermelho, A Soma de Todos os Medos e outros livros com o agente secreto Jack Ryan.
*** Eu acho inadmissível ter que explicar quem é Dumas. Sério. Procurem no Google, vão ler os Três Mosqueteiros, mas não me digam que vocês não o conhecem, por favor!

DISCLAIMER: Sailor Moon pertence a Naoko Takeuchi/PNP e Toei Animation; Reverse: 1999 pertence a Deep Blue Interactive; Psycho-Pass e Ghost in the Shell pertencem à Production I.G., Inc.; Patlabor: The Mobile Police é propriedade do grupo Headgear; Mobile Suit Victory Gundam pertence à Bandai Namco Filmworks Inc.; Read or Die pertence a Hideyuki Kurata via Studio Deen Co., Ltd.; Ouran High School Host Club (sim, nada a ver com robôs, sci-fi ou aventura, mas eu precisava de uma imagem do tipo e calhou de ser esta) pertence à Bisco Hatori via Bones, Inc.. As flores de cerejeira eu não sei de onde vieram, mesmo — quando eu descobrir, coloco aqui. Todos os personagens aqui mencionados ou retratados são pertencentes a seus respectivos proprietários intelectuais. Imagens para fins jornalísticos e divulgacionais.

Brigada Ligeira Estelar ® Alexandre Ferreira Soares. Todos os direitos reservados.

3 comentários

  1. Annelise é um de meus planetas favoritos, justamente por podermos pegar este cânone e extrairmos dele as consequências lógicas de um “Planeta Shoujo”.

    Á propósito, logo depois do trecho “os jogadores podem enfrentar milícias (…)” há uma pequena confusão nas palavras “usam praticam”

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