A construção de personagens no novo BRIGADA LIGEIRA ESTELAR RPG será diferente de sua versão Alpha: você não receberá um conjunto de pontos único para distribuir em cada personagem de jogador (aqui, “Protagonista”). Aqui, você terá seis valores para distribuir entre as Características — e as Vantagens só poderão ser compradas com a obtenção de Desvantagens (fiquem tranquilos: os protagonistas terão “origens” e elas desempatarão tudo a seu favor).
Em estágios iniciais do texto, eu cheguei a fazer uma proposta maluca: as desvantagens viriam antes das vantagens. Mecanicamente, há lógica: o jogador precisará delas para comprar suas vantagens mas havia um fator narrativo aqui — teríamos outra percepção dos nossos protagonistas. Isso foi descartado por uma série de motivos mas ainda pode ser usado de forma opcional em qualquer mesa de jogo (caso o sistema tenha vantagens e desvantagens). Então…
… qual o motivo para não compartilhar esse conceito, afinal?
Mas qual o sentido de se fazer isso para além da mecânica de jogo? Bem, isso dará humanidade aos seus protagonistas: eles são falhos, mas ainda assim são heróis — e talvez sejam mais heroicos à medida em que superam tais limitações. Basta pensar no seu típico herói de anime: quando a história começa, ele está afogado nos próprios defeitos, sejam quais forem. A lista de exemplos é enorme!

Mas vamos partir do começo: Amuro Ray, da clássica série Gundam de 1979 — marco zero do Real Robot. Ele é insuportável no começo: anti-social (preferia a companhia de máquinas a pessoas), introvertido, cabeça-quente, reclamão e egoísta… chegando a ponto de desertar e enterrar seu robô em certa altura*. Gradualmente ele entende a importância de seu papel, passando a valorizar as pessoas, fazendo amigos e se tornando o primeiro grande ás do gênero.
Hikaru Ichijo, do igualmente clássico Macross (Rick Hunter em Robotech) também não é lá um grande modelo. Quando tudo começa, ele é sem noção (lembre-se de sua primeira aparição), meio irresponsável (sai da formação só para curtir)… e, embora nossa velha conhecida Lin Minmei não saia limpa dessa história**, os cornos por ele ostentados também podem ser debitados (em parte) à sua atitude bobalhona. Mas, dependendo da versão, ele crescerá muito!***

Para entender a ideia de forma prática, pense nessas três frases:
MEU PROTAGONISTA É UM(A) ( ). ELE(A) É ( ) E ( )… MAS TAMBÉM É ( ) E ( ).
Assim, nós temos aqui uma oportunidade única: antes de construir tudo o que faz dele digno de ser um herói, sua primeira impressão sobre ele partirá daquilo a fazer dele alguém humano e falho — e certamente mais interessante! Percebem como as fichas dos protagonistas a seguir se constróem praticamente sozinhas?
“Meu Protagonista é um Piloto Hussardo. Ele é explosivo e reclamão… mas é também um companheiro leal e se preocupa com as pessoas a quem protege”.
“Minha Protagonista é uma Nobre Mentalista. Ela é fresca, mimada e sem noção da realidade… mas tem um coração compassivo e uma palavra de honra sólida como ferro”.
“Meu Protagonista é um Batedor Cossaco muito desastrado e é malvisto por isso… mas procura superar as próprias limitações — e nunca desiste.”

O primeiro deles automaticamente nos entrega um personagem com dois traumas menores: Explosivo (bem menos radical do que a desvantagem Fúria) e Reclamão, garantindo dois pontos de personagens para o protagonista. “Companheiro leal” pode desembocar em um código de honra, fechando o terceiro ponto de desvantagens no Alpha. Isso vale para todos: a nobre mentalista também pode ter traumas menores e códigos de honra, retratando essas particularidades…
… e isso adiciona novas camadas ao seu histórico: ela é alguém cuja formação poderia ter gerado uma figura arrogante e cruel mas o poder mentalista da empatia a fez tomar contato com os sentimentos e dores alheios. Assim, mesmo com seu ranço de menina mimada, ela se tornou uma pessoa justa e correta. Quanto ao nosso cossaco, ele certamente não tem a habilidade como seu atributo mais alto… e já tem uma desvantagem má-fama, inclusive entre os seus.

É interessante para o piloto hussardo ser um ás e assim jamais abandonar seus companheiros em perigo. A nobre mentalista precisaria pensar em formas de participar mais do grupo, mesmo fadada a ser a reclamona saudosa do luxo. O cossaco talvez precise de maior resistência para sobreviver às falhas. Assim teremos personagens potencialmente marcantes e isso é sempre preferível ao personagem turbinado e otimizado em números… mas sem um pingo de alma.
Para não ficarmos só nos animes de mecha, pensem em um protagonista dos mangás shōnen**** de luta: Naruto. Ele mesmo. Baderneiro, mal-visto… e, no entanto, determinado e profundamente leal aos amigos (na verdade, até demais). Alguém cujas qualidades se destacam por contraste, nos fazendo enxergar o personagem de outra forma. Um personagem do qual gostamos muito por causa de seus defeitos e de sua vontade em superá-los. Pensem nisso.
Até a próxima!

* Sendo justo com o personagem, Amuro não era, não queria e nem deveria ser um soldado. Estava lá pela força das circunstâncias e, claramente, sofria de stress pós-traumático.
** Há duas versões para a história no cânone de Macross. A oficial é a da série de televisão, na qual Minmei era fútil e leviana, só se arrastando para o protagonista quando ninguém mais quer saber dela. No longa-metragem, ela era apenas uma garota comum e, reparem, Hikaru não era o corno ali. Em uma sacada inteligente, o longa foi inserido no cânone como uma mera cinebiografia, refletindo uma versão oficial e chapa-branca na qual a imagem de Minmei é preservada.
*** Friamente, o Hikaru Ichijo de Macross não é o grande herói salvador mas uma testemunha privilegiada da história por estar no lugar certo e na hora certa. Seu destino lógico é o de líder de esquadrão no lugar do finado Roy Focker. Já o Rick Hunter de Robotech, pouco a pouco, alcança um papel de grande herói de guerra e acaba se tornando (muito graças à série The Sentinels — retratada apenas em romances e nos quadrinhos) uma figura de liderança.
**** Termo usado para produções nipônicas voltadas para meninos. Japoneses segmentam suas obras por gênero e idade.
Imagem de topo: Capitã Tereza Augusta de Monte Castelo, de Batalha dos Três Mundos. Encrenqueira, mal-comportada — mas defende como uma leoa seus homens, sua nave e os princípios da Brigada. Arte de Israel de Oliveira.
Eu sempre escolho as Desvantagens primeiro, elas sempre ajudam a dar um norte pro personagem.
E Naruto não é tão off-topic assim. Mais pro final do mangá todo mundo tem seu próprio mecha mágico mitológico japonês.
É, mas vamos deixar os “mecha mágicos mitológicos japoneses” para os Primeiros de Abris… 😀
Amei, adoro começar com as desvantagens também