Um detalhe digno de nota nos RPGs de robôs gigantes dos anos 90 em diante (Mekton, Jovian Chronicles, Votoms RPG e outros) é o de estarem muito atrelados ao aspecto wargame da força. E vou confessar: essa obrigatoriedade do combate tático em grids sempre me incomodou. Eu, como jogador, tendo à dispersão quando tudo demora demais para acontecer e, não por acaso, nossas mesas acabavam usando regras “da casa” para compensar essa perda de velocidade.
Por outro lado, eu jogava com os demais em lanchonetes mais tolerantes ou praças de alimentação de shopping center… e um grid simplesmente não era viável, com toda aquela parafernália a ser colocada em cima da mesa. Nem sempre tínhamos a segurança de um teto doméstico à disposição. Essa experiência me influenciou muito na escolha pelo 3D&T como sistema para Brigada Ligeira Estelar. Eu queria combates rápidos e empolgantes. Como nos animes, aliás.
No entanto, muitos jogadores manifestaram interesse em uma abordagem mais tática do jogo — e convenhamos que robôs gigantes se prestam muito bem a jogos de tabuleiro. O Manual do Defensor de Bruno Schlatter oferece material precioso nesse sentido (páginas 39 à 41). Por outro lado, não é como se o tático fosse ausente do gênero em sua mídia original. E aqui falamos do marco zero do “real robot sério”: Fang of the Sun Dougram, de Ryōsuke Takahashi.
Com muita influência de um clássico do cinema político (A Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo), Dougram conta a história de um levante: no futuro distante, a humanidade se espalhou pelas estrelas e colonizou vários mundos sob uma Federação Terrestre. No planeta Déloyer, um golpe de estado derruba o governador planetário e instala um governo militar… sob aprovação velada da Federação. Isso faz o filho do governador se juntar a milícias rebeldes.
Isso poderia ter levado a caminhos mais próximos de um Guerra nas Estrelas e não foi bem assim: Dougram é uma série pé-no-chão até demais. Seus combates são menos cinemáticos e mais estratégicos, muitas vezes se estendendo por mais de um episódio. Ele é praticamente um wargame animado e a sua influência até hoje pode ser sentida nos videogames de robôs (inclusive na franquia Super Robot Wars*). Seu mecha nem mesmo tem uma face, apenas um cockpit…

E sim — ele é a pedra fundamental dos Battletech/Mechwarrior da vida. Isso não se limita aos designs deliberadamente pedestres da matéria-prima (comparem o Shadow Hawk com o Dougram em si e divirtam-se): a própria metodologia de combate nesse anime é um sistema de regras em si, pronto para ser adaptado para um tabuleiro. Mas enfim, como transpor esse espírito para Brigada Ligeira Estelar, baseados no gênero em sua forma mais dinâmica e explosiva?
Bom, o caminho das pedras já foi dado no citado Manual do Defensor. Minha primeira sugestão é a de abraçar uma campanha de ficção científica militar. Hoje em dia, o métier do game design anda popularizando a teoria GNS (Gamista, Narrativista ou Simulacionista)… e definitivamente campanhas como esta caem no lado gamista da força, aonde o importante é vencer desafios. Você tem missões e objetivos concretos, visíveis na sua mesa de jogo com clareza.

Minha segunda recomendação seria uma campanha de Lanceiros. Não seria tão diferente do espírito de um Gundam: Iron Blooded Orphans (e essa série é praticamente um tributo pouco velado a Dougram, podem acreditar). Caso sua campanha militar seja no espaço, os Hussardos cairão à perfeição… mas vocês precisarão pensar também em termos de acima e abaixo. Outra sugestão é dividir operações em missões, como nos jogos de celular. Imaginemos este exemplo:
1.1: Sua primeira missão na frente Arkadi é no continente de Deivos. Sua missão é retomar o istmo de Rodu, aonde as quimeras já instalaram teleportos.
1.2: Façam o reconhecimento na cidade costeira de Udelnica, estranhamente tomada — e não devastada — pelos Proscritos. Levantem a situação do inimigo.
1.3.: Destruam os geradores de energia de Udelnica mas procurem poupar os civis. Aparentemente eles estão sendo escravizados pelos robôs defendróides.

1.4.: Retomem a cidade de Udelnica dos Proscritos, reloquem os civis recém-libertos e desbloqueiem o caminho para a entrada das naves com suprimentos.
1.5.: Ataquem as forças proscritas na rota para a capital do viscondado, Sudicka, e abram caminho para a passagem das rotas portuárias de suprimentos.
1.6: Os Proscritos construíram uma mega-fortaleza e uma rede de energia nas cidades ao redor para alimentá-la. Contornem o Monte Porun — e ataquem-na!
Admito: isso foi adaptado livremente e na cara de pau de um desses jogos**… mas acho essa uma inspiração prática para suas campanhas e o desenvolvimento na mesa sempre ocorrerá de outra forma, até pelo fato do RPG ser uma mídia diferente (e dos jogadores tomarem suas próprias decisões). Por fim, um toque importante: prestem atenção nos diferentes papeis de cada robô ou veículo em combate: Hussardos para assalto, Lanceiros para carga e por aí vai.

Isso não significa uma campanha totalmente à parte dos aspectos narrativos e dramáticos do cenário. Pensem nos cutscenes de abertura de games, levando-os de combate a combate. Isso pode ser extrapolado de formas interessantes na mesa de jogo: imagine um personagem jogador apaixonado por uma das colegas pilotos — e ela estará no grid, aos olhos de todos, com seu destino entregue aos dados. Conseguem visualizar as possibilidades catastróficas aqui?
Além disso — não vou negar — certos poderes de kit (como Flanquear) funcionam melhor sendo jogados dessa forma e, mesmo preferindo o teatro da mente, não serei eu a negar isso. No final, o grid quadriculado (ou hexagonal) não passa de mais uma possibilidade para suas campanhas… e, como sempre repito: quando você compra um jogo ele passa a ser seu.
Jogue da sua forma favorita. Divirta-se com seus amigos. Isso é o essencial, nada mais.
Até a próxima.

* Não apenas dele, é claro. Jogos como Fire Emblem também foram importantes nesse sentido. Mas há pelo menos um design da franquia escancaradamente baseado em Dougram: os Angriff (Razangriff e Randgriz), mas mesmo eles procuram dar um aspecto próprio ao design…
** Mais especificamente, o jogo coreano para celulares Goddess Kiss em sua versão antiga, com mechas. Se de um lado ele tem elementos táticos interessantes — a posição dos robôs no grid é tão importante quanto as capacidades individuais das pilotos na construção de esquadrões e os ataques especiais são uma inspiração muito interessante para a criação de tepeques em suas campanhas de Brigada Ligeira Estelar — o modo história é… digamos, constrangedor. Basicamente ele é uma cruza do gênero com harém: você precisa passar por mecânicas de dating sim caso queira desenvolver suas personagens para o combate — e nem direi quais são as reações das pilotos caso nosso comandante (ou seja: você, jogador) toque em… partes específicas delas. Na dúvida, a culpa é sempre do otaku! 😠
DISCLAIMERS: imagem do wargame Robotech Tactics RPG da Palladium Games (fotos de Adam Isherwood), roubartilhada do ótimo blog Ideas Without End (AQUI). Recomendo colocar esse link nos seus feeds. Fang of the Sun: Dougram pertence à Sunrise, Inc.; Battletech pertence à The Topps Company, Inc.; Goddess Kiss pertence à DBROS Co,. Ltd.; Robotech pertence à Harmony Gold USA, inc. — imagens e menções apenas em caráter ilustrativo e divulgacional. Todos os direitos reservados.
Um jogo tático recente muito bom é Into the Breach, que encaixa tudo num mapa de 8×8 (pra quem só tem um tabuleiro de xadrez pra usar de grid), com objetivos a proteger e mecânicas únicas em algumas fases (tempestades de areia, gelo fino, etc.). É um exercício em miniaturização.
E não há nada no mundo que os otakus não corrompam ahauhauahua