Alguns Cenários Interessantes

Houve um tempo no qual os robôs gigantes foram os embaixadores da animação japonesa nos Estados Unidos. Isso se refletiu nos RPGs: editoras como a Palladium, a R. Talsorian e a Ianus Publications disputavam terreno e as duas últimas chegaram a lançar, respectivamente, as revistas V-Max e Mecha Press! A primeira tentou chegar ao nascente fandom de anime e levá-lo para os RPGs. Já a segunda assumiu sua especialização e até teve uma vida mais longa.

A Palladium corria meio por fora mas com solidez, com a sua popular linha voltada à Robotech (e não custa lembrar, os anos passaram e essa linha permaneceu no mercado por longas eras). A R. Talsorian tinha algumas adaptações de anime como o Votoms RPG e o seminal Mekton Zeta, com cenários próprios à disposição. A Ianus (futuramente Dream Pod 9) produziu um deles — o Jovian Chronicles — mas pulou fora e estendeu seu leque de opções com Heavy Gear.

As mudanças do público não mataram os robôs gigantes nos RPGs. Dos derivados de sistemas maiores como o Robot Warriors (baseado no Hero System de Champions), o Mecha & Manga (suplemento de Mutantes e Malfeitores, o único publicado por aqui dentre todos esses materiais), o D20 Mecha da White Wolf e o Mecha Compendium da Dream Pod 9 (ambos pegando carona no boom do D20) até as iniciativas recentes como o Lancer RPG o gênero sempre esteve na ativa.

É… fácil demais ter um bom cenário dessa forma. Apenas pegue seu anime favorito e…

Mas em geral esses jogos eram “genéricos especializados”, ou seja, sistemas voltados a determinado tipo de material, eventualmente lançando cenários associados ao livro básico — as exceções eram os RPGs baseados em adaptações de outras mídias. Brigada quase cai nessa categoria, mas nem tanto: o 3D&T é um sistema genérico especializado em anime com um foco em fantasia por adotar Tormenta como cenário-padrão. Falamos de um guarda-chuva muito amplo.

Por isso quis falar um pouco sobre cenários. A animação japonesa influenciou muito a imaginação de autores, com resultados mistos — mas até aí, para cada clássico, existe nela um punhado de bombas também. Mesmo assim, seria um desperdício de mídia caso nenhuma ambientação própria em RPG tivesse sido digna de nota. Entretanto, preciso adotar uma regra: sem adaptações. Não vou falar de, digamos, Macross II e Votoms RPG por aqui. Então, vamos nessa.

Invasion Terra: um cenário sensacional em sua simplicidade e cara-de-pau.

Invasion Terra

As primeiras páginas do RPG Mekton Zeta trouxeram uma sensacional sequência de abertura trazendo os mais descarados clichês do gênero em um pacote colorido e arrebatador. Sim, a arte não era brilhante, mas a forma como o peixe foi vendido despertou o garoto de dez anos em mim: “EU PRECISO DESSE LIVRO!” Era claramente uma mostra genérica das aventuras capazes de ser contadas pelos jogadores: a Terra é invadida, um bando de jovens precisa salvá-la…

Aquilo era sensacionalmente… canalha em seu descaramento — vilões engendrados geneticamente como os Zentradi de Macross, trajados como uma pseudo-Zion de Gundam. E tudo deliberado: as expectativas a respeito daquele livro eram arreganhadas a seco em poucas páginas coloridas, na cara do leitor, sem perda de tempo nem discussão. Era preciso fazê-lo dessa forma: não era um cenário, mas um exemplo dado em grande estilo para os leitores! Infelizmente…

Por isso não se deve pôr um robô no meio de uma página dupla em uma encadernação de brochura.

…esse não passava de uma mera amostra genérica. Os mini-cenários oficiais propostos, Algol e Imperial Star, não nos foram apresentados com o mesmo brilho e impacto da sequência inicial. E provavelmente os leitores devem ter cutucado muito a editora — eles batizaram o cenário apresentado de Invasion Terra, trazendo dois suplementos para o material: Mekton Wars 1 – Invasion Terra e Mecha Manual 2 – Invasion Terra Files. Dois livros concisos, aliás.

O primeiro apresenta o básico: a Terra foi invadida pelo Império Kaldarano, a Terra desenvolve seus robôs gigantes em resposta, temos fichas de coadjuvantes, mapas e uma série de batalhas para uma campanha com começo, meio e fim. O segundo é uma mera compilação de robôs, naves e veículos para suas campanhas. Pensando bem, não é realmente preciso muito além disso para um cenário clássico de invasão alienígena: ele diverte e robôs nunca são demais.

O melhor cenário do gênero já visto em um RPG. Sério.

Jovian Chronicles

Este surgiu como um cenário com regras licenciadas do Mekton (Mekton II) pela Ianus Publications (futura Dream Pod 9), mas — após dois suplementos — seus criadores decidiram investir no sistema da casa e recomeçar tudo. Ele é ambientado em um futuro no qual a humanidade colonizou boa parte do sistema solar. Marte e Vênus foram terraformados. Terra e Júpiter vivem sob estado de Guerra Fria (os primeiros não são os mocinhos) — e isso é só o começo.

Todo cenário, mesmo o mais derivativo de todos, precisa de um gancho capaz de infundir em seu corpo a personalidade necessária caso ele queira durar. BRIGADA LIGEIRA ESTELAR RPG optou por um cenário distante da Terra aonde ele pudesse evitar certa datação, abrigar diferentes vertentes da ficção científica sob o guarda-chuva dos planetas espalhados em uma constelação — e adicionar um toque mais aventuresco. Jovian Chronicles correu um risco maior.

Sim, as naves e robôs são fantásticos.

Ele buscou seu diferencial na ficção científica hard — a mais rigorosa quanto a pesquisa e ao realismo de seus elementos. Nesse sentido, ele se aproxima mais de séries como The Expanse e filmes como Outland: Comando Titânio quando o assunto é o espaço. O universo das colônias espaciais é extensamente descrito, com detalhes extensos (como o físico dos colonos mercurianos, por exemplo). E isso não tira a ação e a personalidade dos robôs pilotáveis.

Ao mesmo tempo ele não limita seus robôs à visão reducionista do “tanque/caça com braços e pernas”, encampando o discurso de um suposto realismo para o “real” de real robot — e gerando, com isso, máquinas sem personalidade ou alma. É um cenário rico e cheio de potencial, além de ter alguns dos melhores robôs pilotáveis nos RPGs. Embora Heavy Gear seja realmente o material mais popular da editora, é difícil não ver Jovian como um produto superior.

O futuro de Cyberpunk 2020 quase destruiu nosso mundo. Mas há esperança.

Starblade Battalion

Cometi o erro de esnobar esse livro na época de sua publicação. Embora a R. Talsorian tenha sido fundamental para a minha educação RPGística, nunca tive lá uma grande estima por Cyberpunk 2020 — e a ideia de criar em Mekton Zeta um futuro possível para essa ambientação me pareceu uma mera forma de capitalizar em cima de seu irmão de editora mais famoso. Pelo contrário, Starblade Battalion é um animal diferente — e o melhor cenário de Mekton Zeta.

Infelizmente ele ficou em um livro apenas, uma pena — havia muito a explorar ali. A trama é simples: a Terra foi devastada pela exploração insana de suas corporações (vista em Cyberpunk 2020) e mal começa a se recuperar de um colapso ecológico. Isso os leva a explorar o espaço e finalmente colonizar outros planetas. O grande problema? Eles estão sugando esses mundos — e planejando um reerguimento das mega-corporações — enquanto recuperam a Terra.

Naves espaciais, muitas e muitas naves!

Por outro lado, um movimento radical ecológico (os Gaianos) conseguiu se infiltrar e atingir o poder entre os povos colonizadores do espaço. A ideia é restringir tiranicamente a humanidade para a tragédia ocorrida na Terra jamais volte a se repetir. Os dois lados obviamente batem de frente um com o outro, mas ambos são extremistas e nenhum deles pode ser considerado o lado bom da história — e no meio desse fogo cruzado, está o Batalhão Starblade.

Essencialmente eles são uma força rebelde disposta a derrubar ambos os lados das suas posições de poder para evitar uma guerra interestelar de larga escala. Pense estruturalmente em três séries Gundam — Zeta, Wing e 00 (com robôs visualmente reminescentes de SPT Layzner): todas se focam em grupos rebeldes contra autoridades maiores. No entanto, eles tem objetivos bem definidos para sua luta. Há muitos mundos, logo coisas a fazer não são problema.

A maioria dos seres humanos não reconheceria a referência, então estou postando a abertura aqui.

Evitei falar em regras. Eu quis falar de cenários. Fazê-lo foi apenas uma forma de mostrar um pouco desse imenso potencial criativo do gênero. Há outros dignos de nota, claro, mas esse artigo já está grande o suficiente com apenas esses três — e, como escrevi lá atrás, seria um desperdício para o RPG como mídia se ninguém criasse algo “merecedor de virar anime”.

Bons cenários são palcos para boas histórias — isso é o mais importante.

Até a próxima.

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