A Editora Aleph lançará uma edição especial de Fundação, de Isaac Asimov. É uma dessas obras fundamentais da ficção científica mas, também, é um exemplar de uma space opera cada vez menos presente entre nós. É bom ver autores recentes como Ann Leckie ou James S. A. Corey (da série The Expanse) dando as caras mas — tirando franquias como Star Wars da jogada — a maioria do material de ficção científica lançado por aqui pertence a outros subgêneros.
E Fundação é uma obra muito influente. Só para mencionar o citado Star Wars, Coruscant é claramente o planeta Trantor — e esse não é o único elemento asimoviano encontrado na obra de Lucas. O próprio Asimov estava ciente disso e não se importava nem um pouco. Eu mesmo tendo a acreditar na teoria dos fãs sobre a verdadeira identidade de Jar Jar Binks — de alívio cômico para mestre Sith — simplesmente porque existe um precedente enorme em Fundação!
Qualquer sinopse na internet revela rapidamente a trama: a humanidade se expandiu pelas estrelas e alcançou o máximo da sua extensão, espalhada por incontáveis mundos sob o manto de um gigantesco Império Galáctico. Infelizmente, a farra vai acabar. Hari Seldon, criador da psico-história — uma visão matemática da sociologia capaz de prever o futuro a longo prazo — detecta a decadência do Império e antevê trinta mil anos de barbárie após sua queda.
Mas há salvação: embora Seldon não possa realmente salvar o Império, este já condenado, é possível reduzir esses trinta mil anos a apenas mil, restabelecendo a paz no final. Assim, é estabelecido um plano de longo prazo a ser tocado de geração em geração pela Fundação (uma publicamente conhecida no planeta Terminus — se passando por meros enciclopedistas — e outra, secreta e agindo nos bastidores, em um mundo cuja identidade permanece incógnita).
Os conceitos de Asimov nestes livros marcaram a ficção científica e é praticamente impossível falar da space opera posterior sem levantar um ou outro elemento plantado pelo autor aqui e ali — a ficção científica tende a se retro-alimentar mesmo. E aproveitando o gancho desse novo relançamento da obra, vamos levantar alguns desses elementos encontráveis ou empregáveis em suas aventuras na Constelação do Sabre. Não é esta a razão de ser deste blog?

SPACE OPERA COM UM TWIST: algo em se reparar em Fundação é a presença de quase todos os elementos clássicos da space opera de então… menos as raças alienígenas e o enfrentamento físico de grandes ameaças. Várias encrencas dignas de uma batalha (de cercos a planetas a super-vilões psíquicos) acabam resolvidos por ardis inteligentes. Este não é o padrão no Sabre — é uma série de robôs gigantes, afinal — mas pode ser feito caso os jogadores queiram!
ECUMENÓPOLES: metrópoles enormes a ponto de cobrir um mundo. Em Brigada Ligeira Estelar, caímos em uma averted trope: o planeta Tarso foi pensado assim inicialmente mas, com o oceano coberto por cidades, sua temperatura seria inviável! São meras limitações científicas da época: na Legião do Espaço de Jack Williamson (influência assumida de Brigada Ligeira Estelar), a forma como a arma salvadora foi usada destruiria a Terra por tabela na vida real.

PEREGRINOS DO INFINITO: embora eles estejam presos na constelação com o resto da humanidade local, agindo sob condições mais restritas, eles igualmente trabalham secretamente para um plano ambicioso — o de reconectar uma humanidade fragmentada após uma longa idade das trevas (eles reuniriam mapas e rotas por outra razão?). A ideia de conspiradores bem-intencionados mas perigosos, cuja extensão de poder é desconhecida, encontra um grande eco aqui.
ALBACH: a própria imagem de um grande império caído. Menos inspirado na animação japonesa e mais ligado a uma iconografia de ficção científica clássica — prestem atenção na sua arquitetura e a comparem com as grandes metrópoles futuristas nas capas de revistas do gênero nos anos 40 e 50. A ideia é evocar algo visualmente gigante e poderoso, mas pertencente ao passado e um tanto incongruente com o resto do universo ao seu redor. É esse o espírito.

A bem da verdade, Brigada Ligeira Estelar e Fundação são cenários bem diferentes. Se há um ponto em comum, é o de tanto a Fundação de Seldon quanto a Aliança Imperial de Falconeri representarem (cada um a seu modo) um papel de agentes da ordem e reconstrução em meio a um cosmos no qual sistemas inteiros lutam e tropeçam para sair de uma grande idade das trevas. Mas isso também se aplicaria — sob certo ponto de vista — ao Império de Warhammer 40K.
A Fundação é conduzida pelo “Destino Manifesto/Profecia” de seu fundador original, baseado em uma ciência misteriosa não realmente dominada ou entendida por quem age em seu nome — mas é aceita como dogma e isso basta. Warhammer 40K segue e ao mesmo tempo desconstrói o conceito, por ser um estado constantemente sabotado no espírito de seu discurso civilizatório por suas divisões internas, corrupção e xenofobia. E quanto a Brigada Ligeira Estelar?

Em retrospecto, Brigada entra no terreno peculiar de ser um império com bases republicanas ao mergulhar de cabeça em um elemento napoleônico — formativo mas frequentemente cosmético — das suas inspirações animadas. Com isso, ele oferece um gancho para discutir e refletir sobre (isso mesmo!) democracia no cenário de um império estelar com nobreza e capa-e-espada. E calma: RPG ainda é diversão, aventura — e combates entre robôs gigantes são legais!
No final, o poder dos clássicos reside na sua influência e permanência. Eu mesmo só percebi esses comparativos ao escrever essa matéria — eles estão aí há muito e com certeza chegaram à minha cabeça via terceira mão. Mas essa é uma leitura sempre recomendada para quem ama ficção científica. Inclusive para mestres de Brigada Ligeira Estelar. Mesmo seus heróis não resolvendo os problemas com espadas ou pistolas de energia. Faz parte.
Até a próxima.
Arte no topo de Uzuki Kumazuki e Keitaro Kumazuki para a versão da obra em mangá.
Há um outro elemento em comum, chamaria de “Escala Megalômana”. Tanto o Império de Asimov quanto do Sabre tem a sua disposição enormes recursos e robótica avançada, que permite construir máquinas, bases estelares e exércitos de naves e robôs gigantes com relativa facilidade. Tudo é pensado e produzido numa escala absurda.