Masmorras e Mechas

Uma pergunta comum dos jogadores e mestres de BRIGADA LIGEIRA ESTELAR é: como seria um dungeon com robôs gigantes? Excelente pergunta: a masmorra é o pão com manteiga dos RPGs e sua… simplicidade ajuda a explicar a popularidade perene da fantasia medieval: você é o elfo, você é o anão, vocês querem dinheiro e vão lá pegar. Sagas épicas nas quais se salva o mundo são legais mas, na hora do “vamos jogar?”, nada supera a praticidade do mata-monstro.

BRIGADA LIGEIRA ESTELAR, como enchi tanto o saco de vocês ao repetir, é um cenário inspirado nas grandes sagas épicas da ficção científica japonesa, com poderosas belonaves de combate e fantásticos robôs gigantes. E embora hajam janelas para abordagens mais práticas e imediatas dentro do gênero (já falamos delas AQUI e AQUI), fica um tanto… complicado imaginar um robô com cerca de vinte e cinco metros de altura se esgueirando em masmorras, certo?

Na verdade, nem tanto. Em termos de RPG, uma masmorra é menos um local e mais um conceito — podendo driblar, assim, certas armadilhas morais*: pense numa zona fechada e labiríntica por onde se vaga em busca de algo e encontra encrencas pelo caminho. Mas aonde vamos encontrar um contexto lógico para inserirmos masmorras nas quais robôs gigantes possam circular, enfrentar inimigos e, pontualmente, se recarregar de alguma forma? Ora, nos videogames!

Assault Suit Valken. Convenhamos: a ilustração original é
bem mais bacana do que a capa da versão Cybernator (AQUI)!

Dois dos meus videojogos favoritos de todos os tempos são Cybernator (Assault Suit Valken na versão original japonesa) e Metal Warriors, da saudosa LucasArts. Superficialmente, são jogos parecidos e a primeira impressão natural de qualquer um é tomar este último como um primo pobre do primeiro… mas esse é um erro imenso! Primeiro vamos às diferenças básicas: Cybernator segue uma pegada sombria, na seara de obras como Votoms (eu o mencionei AQUI).

Isso não o impede de trazer seu senso de espetáculo: os cenários e detalhes são impressionantes ainda hoje (em um jogo de 16 bits!), a sensação de envolvimento é enorme (prestem atenção na invasão à base orbital Arc Nova) e os chefes de fase em cada missão são ótimos visualmente. Além disso há uma grande carga dramática no jogo — a reentrada forçada na atmosfera ao final da segunda missão é de tirar o fôlego — e preste atenção nos personagens **.

Sim, essa é a versão traduzida com os elementos
removidos na localização. Eles fazem falta.

Metal Warriors não se beneficia desses elementos. Não é tão dramático nem cheio de reviravoltas. Os visuais não impressionam tanto. Os personagens se limitam a receber missões e cumpri-las, com chefes de fase mais manjados. Então qual é seu trunfo? Em Cybernator o robô do protagonista apenas dispara para todos os lados enquanto caminha, salta e voa… mas este tem armas diferentes, podendo tanto atirar quanto usar uma espada de energia à la Gundam!

Mas há mais. Em Metal Warriors é preciso usar o cérebro para cumprir tais missões, tornando-o um dos jogos mais difíceis do SNES! O personagem pode sair do robô para manipular painéis de comando ou atirar em pessoas, tomar e pilotar os diferentes robôs do inimigo… enfim, tudo para cumprir a missão fora e dentro da máquina. Esse não é um conceito óbvio! Em um mundo ideal, os pontos fortes de Cybernator e Metal Warriors seriam unidos em um jogo só!

Se Cybernator tinha um background com mais pretensões de seriedade,
Metal Warriors tinha o “império” liderado por um lorde malvado. Faz parte.

Tendo essas referências em mente, basta ser… prático: crie uma base para ser invadida, povoe com oponentes menores, insira itens úteis ao longo do caminho (“achei um canhão de ombro, dá para instalar em poucos minutos?”) e enfrente oponentes em seus robôs gigantes. Como em Metal Warriors, crie puzzles e force os jogadores a circular dentro e fora do robô para efetuar sua missão. Como em Cybernator, crie fases variadas e insira eventos dramáticos.

Nos jogos citados, “masmorras” são fortalezas inimigas: em espírito, elas costumam se enquadrar no segundo caso e entrar nelas é tão difícil quanto sair. O potencial para algo diferente do combate, aqui, tende a ser baixo: interações normalmente se limitam a eventuais ofertas de rendição, se passar por um inimigo para enganá-los… esse tipo de situação — dungeons tradicionais, em qualquer gênero, são orientados para a pilhagem ou para o mata-mata.

Se lugares fechados não são muito seguros para robôs blindados,
imagine seguir em uma jornada de horas ou dias em seu interior.

Quanto à primeira, até dá para encaixá-la em termos — falamos em buscar tecnologia e armas capazes de incrementar seu robô… ou até aquela eventual adega dos comandantes da base. No caso de incursões mais furtivas (vocês tem a missão de resgatar algum objeto ou coisa que o valha… e nada os impede de pegar algumas coisas pelo caminho), tentar enrolar os oponentes e negociar para tirar proveito de conflitos internos também se torna uma opção válida.

Sobre mega-masmorras nos quais todos se perdem por dúzias de níveis, elas são complexos monumentais com uma variedade de espaços, dimensões desconhecidas e “faunas” imprevisíveis. Seu ponto-chave é operar sob a mesma medida de um bairro ou cidade, talvez racionalizando conceitos como povoados ou tavernas no meio do labirinto. Alguns ambientes se prestam melhor a isso em relação a outros. No Mergulhão (AQUI) por exemplo, a ideia faz muito sentido.

“Seu robô está caminhando pela fortaleza e a visibilidade é pouca.
De repente, os tiros vem de todos os lados. O que você faz?”

Há outros espaços nesse sentido dentro do cenário, como Catapilla (ver A Constelação do Sabre, Vol.1, AQUI) ou os Leviatãs (ver Arquivos do Sabre, AQUI). Nesse caso, pode ser complicado racionalizar algum conceito mais absurdo… mas não é impossível! Imagine um povoado que sobreviveu por gerações dentro de um leviatã gigantesco e procura uma oportunidade de fuga, antes da sua rota levá-los para fora da Constelação (isso teoricamente já aconteceu antes…)!

O importante no conceito é sua natureza de ação. Qualquer ambiente, mesmo a céu aberto, pode ser transformado em uma dungeon: o termo já não significa “masmorra” literalmente há muito tempo, como qualquer jogador de fantasia medieval já sabe. Nós precisamos apenas ser relembrados disso eventualmente: nem tudo em BRIGADA LIGEIRA ESTELAR precisa ser “a grande saga”. Às vezes, a invasão à base inimiga está de bom tamanho.

Até a próxima e divirtam-se.

Mantenha a mira, siga em frente e fique esperto!

* Uma boa leitura nesse sentido é o RPG satírico Violence, de Greg Costikyan. Não falarei muito sobre ele, mas você jamais irá encarar do mesmo modo o mote old school de “Você não é um herói, você é um saqueador em busca de ouro”
** A propósito: as imagens dos personagens foram retirados da versão estadunidense mas um
rom na internet restaurou esses elementos. E eles fazem falta — interagem via caixas de diálogos. Jogue em seu emulador sem falta.

Um comentário

  1. Os americanos eram especialistas em estragar capa de jogo japonês. Misericórdia.

    O Cybernator é mais cinemático mas eu amo o roubo de robôs inimigos no Metal Warriors. Ter que se virar no fogo cruzado com uma máquina que você não conhece reflete exatamente a experiência do próprio personagem naquela situação. Brilhante.

    Outro detalhe interessante é que os robôs de ambos os jogos são relativamente pequenos (são praticamente do mesmo tamanho, inclusive). Isso ajuda a “caber” na masmorra.

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