Referências Animadas para One-Shots

Recentemente, em uma comunidade dos fãs de Brigada Ligeira Estelar no facebook, veio a seguinte mensagem de um jogador:

Boa noite pessoal, tenho uma dúvida.

Semana passada aconteceu algo raro e parte do meu grupo de jogo coincidentemente estava em casa na sexta feira, por isso resolvemos jogar uma aventura no puro improviso. A ideia inicial era usar o cenário de Brigada, mas não conseguimos montar uma aventura na hora, por isso partimos para Tormenta Alpha mesmo, numa aventura padrão do tipo “velho da taverna contrata os aventureiros para salvar uma vila.”

Minha dúvida é: Brigada suporta aventuras One-Shots? Pergunto isso pois nesse dia eu percebi que só consigo pensar em campanhas longas para o cenário, talvez por conta dos animes do gênero que eu vi, que todos apresentam uma jornada até chegar o fim.

Eu poderia responder com a aventura introdutória do primeiro livro — mas a questão é… válida. O gênero mecha realmente adotou uma estrutura narrativa novelesca a partir de algum ponto dos anos 80 — este se tornaria o seu padrão daí por diante. 

E como referências são fundamentais para um mestre de jogo (em qualquer cenário), já deveríamos ter falado há muito sobre aventuras fechadas no gênero. Mas, a partir do ponto no qual abraçaram a ficção científica, os robôs gigantes sempre se estruturaram assim na animação japonesa?

Não na realidade.

Mobile Suit Gundam estreou em 1977 mas só emplacaria em 1981, nos cinemas.

Há um senso comum quando falamos da ruptura entre o Super Robot e o Real Robot: com a criação de Mobile Suit Gundam em 1979, os robôs gigantes deixaram de ser monstruosos construtos super-heróicos, passando a ser menores e mais explicáveis sob um contexto sci-fi. Mas isso não aconteceu de imediato — a primeira exibição de Gundam fracassou e a obra só se provou mais tarde, dando margem para Yoshiyuki Tomino e outros criadores retomarem o conceito.

No entanto animações nunca foram feitas da noite para o dia e essa retomada só daria frutos de verdade a partir de 1982. Enquanto isso, as bases do Super Robot vinham sendo descartadas — muito pelo boom mundial da ficção científica na segunda metade dos anos 70, disparado pelo sucesso explosivo de Guerra nas Estrelas — mas esses robôs… ainda vendiam brinquedos. Com isso tivemos várias séries de aventura sci-fi com um pontual robô gigante no meio.

A Trilogia J9: Braiger, Baxinger e Sasuraiger —  emblemáticas de uma era de transição

Algumas dessas séries, inclusive, chegaram a passar nas manhãs da televisão aberta brasileira sem problema nenhum. Elas eram acessíveis. Mesmo tendo seus momentos trágicos, eram velozes, funcionais e episódicas, normalmente protagonizadas por personagens escolhidos a dedo em um esquadrão. Aqui cabe uma impressão pessoal minha: a era do Real Robot poderia ter absorvido esse espírito sem culpa — teria sido melhor para o futuro do gênero, inclusive.

E qual a razão para se falar delas ao tratar de aventuras auto-contidas? É porque, na busca por referências, essas séries são as mais… indicadas para um mestre de jogo. Eles trazem exemplos claros de como reunir um grupo de personagens regulares imediatamente, sem dar múltiplas voltas de roteiro nem precisar enfiar o elenco às pressas em uma nave sob fogo cruzado — o equivalente do real robot para o velho da taverna em fantasia. Vamos a exemplos:

Sim, o tema original é superior à versão estadunidense…

SEIJŪSHI BISMARK/SABER RIDER: é curioso comparar as versões japonesa e estadunidense dessa obra. Ao trazer esse material para o ocidente, os produtores não tinham um mínimo determinado de episódios para a exibição em canais de syndication no seu país — a razão por trás da adição de outras séries a Macross em Robotech. A solução foi reescrever tudo: trocaram de protagonista, produziram episódios próprios, mudaram a ordem dos eventos, e… deu certo.

A trama é simples: a humanidade se espalhou pelo sistema solar e começou a colonizá-lo. A situação entre as colônias e a Terra não anda das melhores mas, subitamente, surge uma raça de inimigos chamada Deathcula (!), atacando as colônias mais distantes a princípio — e para enfrentá-los temos um esquadrão especial com armas especiais. Eles passam a cumprir missões simples e aos poucos se aproximam do verdadeiro inimigo. Mais adaptável, impossível.

… mas por outro lado, a versão ocidental fez deste cara um vilão melhor!

A versão estadunidense até se vale bem das animações extras, encaixando os personagens em um corpo de cavalaria espacial, criando novos históricos para todos e dando sentido aos buracos narrativos do original (recomendo de verdade os três primeiros episódios de Saber Rider para comparação — só não tente enquadrá-los de jeito nenhum na continuidade de Bismark!). No entanto, fique com a versão japonesa: a ordem dos episódios apenas funciona melhor.

E como isso pode ajudar a um mestre interessado em one-shots? Na verdade, cada episódio pode servir de inspiração para uma sessão de jogo: pense em missões regulares. Para nos focarmos um pouco mais (referências precisam ser imediatas), assistam pelo menos aos quatro primeiros capítulos até a título de comparação com a versão estadunidense. Todos são fechados em si mas trazem um pouco de tudo no conjunto e formam um arco introdutório até redondo.

Passou na Record nos idos dos anos 90 e pouca gente notou.

ESQUADRÃO DO ESPAÇO (AKŪ DAISAKUSEN SRUNGLE): também conhecido como “Esquadrão Gorila” — e, tal como Saber Rider, também foi exibida no Brasil. A humanidade se espalhou pelas estrelas e povoou o espaço exterior mas, claro, o crime organizado veio junto. E para deter uma máfia espacial conhecida como… Crime (não, sério!), é reunida uma equipe de especialistas claramente inspirada na série “Missão: Impossível” — muito bem-sucedida no Japão à época.

Na verdade ela não é brilhante (nenhuma dessas séries era. Elas assumidamente existiam para vender brinquedos, sem culpa) mas traz vários elementos particularmente úteis para mestres de Brigada Ligeira Estelar. A Crime está menos para “organização do mal” e mais para milícia armada — e essa série está tematicamente mais adiantada na transição do super robot para o real robot, com direito a “Srungles” fabricados em massa na reta final da história.

Isso mesmo: no final, o robô mais cascudo deixa de ser modelo único. Mais “real robot” não existe.

De quebra, tudo é revirado no episódio 23 (lembram do artigo sobre o Kishōtenketsu, AQUI?). O andamento se torna menos episódico e a velocidade da trama é diminuída antes de se puxar o acelerador até o final. Esquadrão do Espaço não é apenas uma boa fonte de conceitos para one-shots e de divisão de papeis entre personagens jogadores: funciona como um exemplo de uso desses episódios fechados para estabelecer o cenário antes de termos uma história.

Ah, sim: pode ser uma guerra encontrar esse material hoje em dia, mesmo na rede. Srungle foi licenciado nos Estados Unidos pela Saban de Power Rangers e editado conjuntamente com a série Go Shogun. O resultado foi batizado de Macron One e, sem meio termo, foi um desastre: é mais fácil encontrar material de Srungle em espanhol ou em árabe por causa disso — há links em inglês com o nome de uma série e o conteúdo de outra. Boa sorte para os ousados.

Baxinger: talvez a melhor série dessa era de transição.

GALACTIC GALE BAXINGER: segunda série da trilogia J9 (a primeira foi Galaxy Cyclone Braiger, de 1981, e a última foi Galactic Whirlwind Sasuraiger, de 1983). De modo geral essas três séries são as mais emblemáticas dessa era de transição entre o super robot e o real robot, com direito a alguns elementos científicos seriamente pesquisados, e — embora nenhuma série J9 tenha aportado por aqui — eu não poderia deixar de incluir alguma delas no final.

Todas elas operavam dentro de uma receita de bolo: os personagens tem uma missão, vão para um local diferente, enfrentam o vilão da vez com seus veículos, eles formam um robô no final do episódio — nada mais distante de Brigada à primeira vista — mas Baxinger, independentemente de ser a melhor delas ou não (e é), tem a vantagem de ser uma série mais próxima do esperado por um jogador ou mestre de Brigada Ligeira Estelar em relação às outras duas.

Lembrem-se: sem brinquedos a ser vendidos, não teríamos essas séries legais!

Seis séculos após a série anterior, os novos cinquenta planetas habitáveis do sistema solar (spoiler de Braiger) estão em processo de balcanização graças a grupos revolucionários aliados, provavelmente, a invasores interestelares. Para evitar o pior, o aristocrata Diego Kondo, vulgo “Dom Condor”, reúne por sua conta um novo time J9 para restabelecer a ordem — mas as disputas entre facções maiores acabam enrolando nossos personagens até o pescoço.

Como essas séries não podem ser chamadas de clássicos — eram comerciais de brinquedos com vinte e seis minutos de duração, no fim das contas — é um tanto difícil de encontrá-las por aí, salvo quando foram exibidas em algum país e a nostalgia lhes garante alguma perenidade. Baxinger foi exibida (com o nome de Los Gladiadores del Espacio) no Peru e no México a partir da versão cubana, então essa é sua melhor chance. Afiem seu espanhol e aproveitem!

O maior apelo dessas séries hoje em dia é nostálgico. Mas elas tem algo a oferecer.

Essas não são as únicas séries sob este modelo, mas são um bom começo. Eu sei, eu sei: deveria ter falado mais da construção de histórias fechadas em Brigada Ligeira Estelar (“estruture de tal forma”, “estabeleça a ação aqui”, etc.). Mas a razão pela qual eu me foquei tanto nas referências é uma só: elas operam como uma construção mental de modo geral e, passada essa era de transição no gênero, essa estrutura episódica foi abandonada com o tempo.

Isso deixou um leitor incapaz de visualizar uma aventura simples no gênero — e essa situação prosaica mostra o tamanho do desserviço. Há uma questão de acessibilidade, a de mostrar a um amigo como histórias com robôs gigantes podem ser legais dentro do espaço de um episódio. Isso me levou a caçar referências com quase quarenta anos de estrada e idade não é um defeito, mas pode ser um obstáculo.

Agora o desafio é com o mestre de jogo.

Até a próxima.