Um dos elementos menos entendidos de Brigada Ligeira Estelar, quando de seu lançamento, foi a decisão de estabelecer quatorze anos como a idade base dos personagens. A rejeição foi tamanha ao ponto de me deparar com mestres e jogadores procurando formas de contornarem isso — de simplesmente modificar o fato até o extremo de se valer dos ciclos planetários de rotações como desculpa (“quatorze anos equivalem a dezesseis, ou dezessete, dos nossos”).
O problema foi um conflito entre referência e liminaridade — esta feia palavrinha de doze letras cujo significado precisa ser explicado se quisermos prosseguir. Ela simplesmente se refere a necessidade de se ajustar os personagens à faixa etária de seu público. Antigamente, esse era um problema menor. Do lado de cá do oceano, Super-Homem e Batman eram adultos e nenhum moleque se incomodava com isso (na verdade, eles continuam não se incomodando).
Mas a partir de algum momento percebeu-se o óbvio: personagens com a idade do público-alvo são mais relacionáveis para este*. Isso explica tantas antologias japonesas com o nome shōnen na capa: deixam bem claro a quem seu público se dirige**. Nelas eram comuns protagonistas adultos até o começo dos anos 80*** mas, aos poucos, eles deram lugar a personagens com a idade dos leitores. Isso ajustou, inclusive, desvios feitos em nome da aceitação****.

favoritos de anime e em como esse mero ano pode fazer diferença.
Daí fazer sentido o piloto de um robô gigante ser uma criança ou adolescente, dependendo do público-alvo. E, se pensarmos bem, isso é praticamente uma tradição. É só compararmos as idades dos personagens centrais nas séries Gundam. A maioria deles tem quatorze ou quinze anos. E esse padrão não é tão diferente em outras séries ou franquias (em Macross a média é um pouco mais alta, mas não tanto assim), mas uma tabela comparativa por hoje já basta.
Aqui voltamos aos princípios básicos de Brigada Ligeira Estelar: estabeleci quatorze como padrão para ser fiel a este espírito (mas a contagem é ocidental*****, acalmem-se). Sempre mantive os conceitos por trás do cenário o mais próximos possíveis do gênero. Eu só não esperava algo óbvio: Brigada Ligeira Estelar atingiu um público mais velho em comparação ao jogador usual de 3D&T, com diferentes expectativas quanto a um jogo de ficção científica.

que sua função é apoiar e depois abrir caminho para…
Tivemos muita reclamação quanto a isso mas, como eu tenho uma certa aversão a retcons****** e só as faço quando não há jeito, estou cedendo ao apelo popular… em parte: no novo BRIGADA LIGEIRA ESTELAR RPG, os personagens ainda poderão começar com quatorze anos — mas a idade-base passa a ser mais fluida, entre quatorze ou dezesseis. Assim, os jogadores podem assumir esta última idade (a mínima em muitos RPGs) para os protagonistas e seguir adiante.
Na verdade, essa é uma mudança bem cosmética. A vantagem “Experiente” existe para dar acesso a personagens mais velhos aos jogadores e já na versão BLE RPG com sistema próprio, estávamos trabalhando para isso representar algum tipo de vantagem. Não dá para fugir muito disso. A dinâmica entre novatos e veteranos é parte integrante do gênero e precisava ser representada de alguma forma — o Mekton Zeta da R. Talsorian pontuava isso inclusive*******.

nos animes periga estar mais próximo é disso,
No atual estágio da produção, não sei ainda como isso vai se resolver sob a nova ordem do Victory. Ainda não trabalhei no aspecto de pontuações e tons narrativos — e prefiro ser honesto ao invés de chegar com papo de cerca-Lourenço para cima dos leitores. O importante é: apesar de eu procurar seguir de perto a liminaridade tradicional do gênero, Brigada opera em sua própria mídia e ela também traz sua própria liminaridade. Estou fazendo o ajuste.
Depois disso, não há muito a dizer. Os princípios por trás do Victory são diferentes do Alpha — e mais diferentes ainda dos conceitos do Brigada Ligeira Estelar como originalmente planejado. Muito foi cortado na carne e o caminho à frente é um território inexplorado de incertezas. Mas não há jeito, é trabalhar e fazer deste o melhor RPG possível. E esses pequenos detalhes são importantes — não podemos descuidar deles.
Até a próxima e divirtam-se.
* Basta lembrar do exemplo mais antigo associado normalmente à questão: Robin. Este foi criado cerca de um ano após a criação do Batman e embora tenha passado a ser fonte de ironia depois disso, certamente foi fundamental para tornar o personagem mais acessível para o público infantil. Os tempos mudaram e eventualmente o menino-prodígio foi posto para escanteio, mas naquele momento inicial, provavelmente o morcegão não teria alcançado sua popularidade sem ele.
** “Shōnen” significa garoto. Os quadrinhos japoneses são divididos por demográficos baseados em gênero e idade — e se uma revista se chama “Shōnen isso” ou “Shōnen aquilo”, não há dúvidas: ele busca alcançar um público infanto-juvenil masculino.
*** Como nas séries Space Adventure Cobra e City Hunter, publicadas na Shōnen Jump em tempos muito idos. Hoje em dia, seria improvável a presença de personagens como estes por lá.
**** Ou seja, o descompasso de idade e comportamento entre certos personagens. Muita gente se incomodou com o comportamento dos personagens de Mazinger Z quando de sua exibição pela Netflix, mas eles claramente eram escritos como crianças de onze anos, com a mesma linguagem comportamental de empurrões, puxões, brigas e ofensas — mesmo estando todo na faixa dos dezesseis a dezoito anos. Se eles tivessem um comportamento correspondente às suas idades e aparências, não incomodariam nossos olhares contemporâneos — mas provavelmente nem teriam feito o mesmo sucesso com o público infantil à época.
***** A tabela com as idades dos protagonistas de Gundam explica meu ponto: tecnicamente, cada ano de idade japonês corresponde a um ano a menos para o ocidente. Se as idades dos Cavaleiros do Zodíaco chocaram vocês, imaginem após a conversão de idade para termos ocidentais…
****** Em miúdos, mudar retroativamente o passado com uma nova informação ou alterar um evento acontecido anteriormente. Se eu mudasse casualmente a idade de quatorze para dezesseis, eu precisaria definir um motivo para a mudança — ou dizer que tudo sempre foi assim. E isso me parece um insulto ao leitor antigo.
******* No Mekton Zeta, você pode escolher entre personagens novatos ou veteranos. Caso você escolha um novato, seu personagem tem dezesseis anos e pode escolher entre sete classes, com um conjunto de perícias (e se você escolher a classe Kid, terá provavelmente uns dez ou onze anos, agora não lembro de cabeça). Se você quiser um veterano, não terá uma classe, mas uma profissão e poderá ganhar mais pontos e perícias, mas evoluirá com a metade da velocidade de um novato. Isso reflete o que ocorre nos animes do gênero, aonde seu protagonista impulsivo eventualmente superará o seu comandante de esquadrão.
DISCLAIMER: Mobile Suit Gundam e todos os seus derivados pertencem à Sunrise, Inc. Superdimensional Fortress Macross pertence aos Studio Nue, Artland e Tatsunoko Productions. Todas as imagens aqui presentes foram usadas para fins jornalísticos e de divulgação, sem infração de direitos autorais.
Não sabia que tinham encrencado tanto com a idade. Mas não é como se toda campanha tivesse que ser com pilotos recém-formados da Brigada. O que mais tem no cenário é opção (dificilmente um mercenário ou pirata espacial vai ter só 14 anos)
Uma dúvida que fica após ler esse artigo e as mudanças de idade relativas à Brigada…
O que é exatamente “cerca-Lourenço”?
“Papo de Cerca-Lourenço” é uma gíria carioca meio arqueológica. Significa aquela enrolação para tentar convencer os outros de alguma coisa.