O que é um McGuffin? Bem, o termo foi cunhado pelo mestre do suspense, Alfred Hitchcock, e… bom, ele não significa nada. E foi batizado assim propositalmente: em termos narrativos, representa um elemento encarregado de mover uma trama. A natureza do elemento? Nem importa. Daí um nome tão aleatório quanto esse… e um exemplo espetacular para o cinema é o longa Ronin, de John Frankenheimer. Melhor exemplo de McGuffin não existe — podem acreditar*.
Qualquer coisa pode ser um McGuffin. Um terabyte de informação secreta oculta em uma falsa abotoadura? Um artefato perdido do Grande Vazio? Uma arma experimental? Um mapa do Tesouro? Um cofre? Um anel de casamento perdido na véspera do evento? Se isso for usado para mobilizar a trama, pronto: temos um McGuffin. E isso também vale para alguns personagens: qualquer mocinha pode ser sequestrada e o seu salvamento passa a ser a razão de ser da trama…
…mas vários animes, do gênero ou não, podem levar o conceito mais longe. É comum o surgimento de alguma personagem feminina no caminho dos personagens, com dons especiais de algum tipo, ou carregando algum legado desconhecido por ela, ou com um papel importante no funcionamento de algum tipo de arma destruidora, ou sendo um fruto de laboratório, ou… bem, vocês entenderam — e isso será fundamental para o desfecho de tudo.
Eis nossa Garota McGuffin.
É comum para uma personagem assim trazer sua própria carga de mistério: talvez ela seja amnésica e não saiba exatamente qual a natureza de suas capacidades especiais, ou ela não sabe por qual razão ela está sendo perseguida. Talvez ela só descubra a verdade dura quando a tragédia acontecer. Em todo caso, Garotas McGuffin tem, como diferencial, o de também serem, por si sós, truques narrativos. Por ela, vocês estão se metendo em encrencas enormes.
Na prática, Garotas McGuffin são ganchos de roteiro ambulantes mas isso não as isenta de desenvolvimento como personagem, até para justificar o investimento emocional dos protagonistas… e do espectador. Peguem a clássica Rei Ayanami: ela é crucial para deflagrar os planos de Gendo Ikari em The End of Evangelion — sim, estou procurando evitar spoilers. Mas, como a acompanhamos desde o início da série, esses eventos terão muito impacto dramático**!
Agora alguém vai me perguntar: porque Garota McGuffin? Um homem não pode assumir o papel? Até pode mas isso é raro. O cientista do grupo pode ser a chave para o funcionamento de uma arma do juízo final, por exemplo, mas anime também é novela e é preciso algum vínculo para manter os protagonistas dispostos a salvar alguém constantemente em perigo. Há exceções*** mas os hormônios tendem a ser a melhor motivação! Vamos ver alguns exemplos do clichê?
Bomba-Relógio: já falamos dela AQUI. Ela é um clássico: traz consigo o gatilho de uma arma suprema de destruição. Há quem queira usá-la… ou impedi-la.
Donzela em Perigo: talvez elas nem saibam a razão mas Garotas McGuffin costumam atrair pessoas dispostas a raptá-la, dando trabalho aos protagonistas.
Herança Genética: a personagem pode ser descendente de algum povo antigo ou ser fruto de laboratório… e isso é crucial para os planos de outra pessoa.
Informação Ignorada: ela tem algum tipo de conteúdo secreto plantado em sua mente e há gente disposta a matar para colocar as mãos nessas informações.
Pilar Fundamental: o oposto da Bomba-Relógio. Sem ela, algo muito importante irá deixar de funcionar ou ruir — e gente inocente poderá pagar por isso!
Poderes Especiais: seja qual for o motivo, ela pode ter alguns tipos de poderes especiais e, por isso, atrair o interesse de pessoas… ou organizações.
É claro, nós podemos pensar de forma mais ampla: tecnicamente, uma Princesa Plebeia é uma Garota McGuffin. A portadora de um item qualquer, também… embora, ortodoxamente, não seja ela o verdadeiro McGuffin em si. Mas eu preferi me focar em tipos mais específicos e recorrentes****. O importante é a sua natureza narrativa: fazer os personagens e demais coadjuvantes se mexerem. Na verdade eles podem, muito bem, ser combinados de diferentes maneiras!
Esse é um parágrafo de spoilers, então pulem-no se quiserem evitá-los: em V Gundam, Shakti Kareen é um combo de três McGuffins: é a princesa plebeia, é a detentora de poderes especiais e, por causa deles, é peça importante para o funcionamento de uma arma destruidora. Narrativamente, ficou redondo. Aliás, a franquia Gundam tem uma quantidade considerável de Garotas McGuffin e Tifa Adil, de Gundam X, talvez seja o exemplar mais perfeito do clichê.
Para deixar uma última recomendação: façam de sua Garota McGuffin fácil de se gostar. Se ela tiver algum traço negativo, é bom ele ser pelo menos divertido! De modo geral, ela é uma coadjuvante e estaremos depositando uma parte importante da história nas costas da moça. Lembra do citado “Investimento emocional”*****? Sem isso, uma coadjuvante como essa pode ser descartada pelos personagens jogadores. Esteja bem alerta.
Até a próxima e divirtam-se.
* Nesse filme, vários espiões se tornaram agentes livres após o fim da Guerra Fria (daí o nome Ronin — “samurai sem mestre”) e disputam entre si a posse de uma maleta pelo qual eles serão bem pagos ao entregar para um cliente. Qual o conteúdo dessa maleta, pela qual eles estão dispostos a matar uns aos outros? Ninguém se importa. Isso é um McGuffin.
** Por esse motivo a Maria Armonia de V Gundam não se qualifica cem por cento para a função. Ela tem um elemento disruptivo (seus poderes especiais), é essencialmente um gancho de roteiro e, teoricamente, tem um papel no âmbito maior de tudo — mas não o fará: a verdadeira Garota McGuffin da série é Shakti Kareen (diacho, o protagonista passa a série no rastro da menina) e a verdadeira função de Armonia é trazer consigo justificativas narrativas para isso.
*** O melhor exemplo, definitivamente, é a clássica série setentista de super robôs Voltes V: os protagonistas são na sua maioria irmãos e sua grande motivação é resgatar seu pai, aprisionado pela raça alienígena invasora da vez. Ele também é um McGuffin e isso puxa muito melodrama!
**** Embora a Princesa seja, realmente, um tipo de personagem extremamente recorrente no gênero — a ponto de ganhar uma dissecação só para ela. A franquia Gundam tem uma cota razoável nesse sentido, inclusive (Oi, Relena!).
***** Basta lembrar de Nia Teppelin, de Gurren Lagann. Ela é fofinha, doce, adorável e todo mundo gosta dela. Quando sua natureza é revelada, os personagens estarão dispostos a arriscar a vida para salvá-la. Dificilmente isso aconteceria se ela fosse mimada, egoísta e insuportável.
NO TOPO: lá vamos nós outra vez, mas um aviso: explicar por qual motivo essas personagens são Garotas McGuffin representa, na maioria dos casos, um spoiler imenso dessas séries. Portanto, desta vez não vou escrever os motivos pelos quais elas estão nesta lista — mas todas correspondem a algum traço associado ao termo. Tifa Adil, de Gundam X; Sara Nome, de Macross Zero; Lucille Lilliant, novamente de Gundam X; Ranka Lee, de Macross Frontier; Shakti Kareen, de V Gundam; Nia Teppelin, de Gurren Lagann; Maria Armonia, de V Gundam mais uma vez (essa não é bem uma Garota McGuffin, mas suas capacidades especiais e seu papel dentro de tudo a qualificam parcialmente); Wako Agemaki, de Star Driver; Rain Mikamura, de Gundam G; Eureka, de Eureka Seven; Yurin L’Ciel, de Gundam Age; Julia Asuka, de SPT Layzner; Chidori Kaname, de Full Metal Panic; Alvis Hamilton, de Last Exile; “Fiona” Elisi Linette, de Zoids: Chaotic Century; Tima, de Metropolis; Rei Ayanami, de Neon Genesis Evangelion; C. C., de Code Geass; Miharu (isso mesmo, sem sobrenome) em Gasaraki; Inori Yuzuriha, de Guilty Crown.
DISCLAIMER: Todos os personagens e séries aqui nomeados e mencionados pertencem a seus respectivos proprietários intelectuais. Imagens para fins jornalísticos e divulgacionais (por favor, não me peçam para levantar o copyright de tudo isso agora, pelo amor de Deus!).
É um exemplo ideal de “Fator Humano” que já foi comentado em outro artigo, um McGuffin que tem rosto, personalidade, o cérebro enxerga como uma pessoa de quem se gosta.