Academias do Sabre: Elites e Duelos!

Sim, por bastante tempo apelamos nessa seção para o Battle Shonen Academy Anime — Rakudai Kishi no Cavalry, Asterisk War, Absolute Duo, essas coisas — por um motivo simples: nunca tivemos grande foco nos cadetes em séries de robôs gigantes, e a dinâmica para uma história como essa poderia ser encontrada de forma mais adequada em séries assim. Mas de repente, veio o nosso exemplar do gênero com robôs gigantes… e, além de tudo, em uma série Gundam!

É importante dizer: Mobile Suit Gundam: The Witch from Mercury não veio para agradar fãs velhos de guerra da franquia. Mais do que a primeira série com uma protagonista feminina na história desses robozões, com um casal LGBTQ+ no centro de tudo, ela troca a militaria pelo mundo corporativo e traz uma grande sacada: as grandes corporações substituíram de vez o estado e se tornaram, na prática, monarquias. E com isso, o mundo se tornou pior de vez.

É bem óbvia a inspiração em duas fontes: o shōjo anime Revolutionary Girl Utena (o primeiro capítulo de Witch from Mercury praticamente decalca a estrutura de eventos do primeiro capítulo dessa série, inclusive)… e a última peça de Shakespeare, A Tempestade (convenhamos, Lady Prospera? Gundam Aerial? Eles nem escondem! O clássico sci-fi O Planeta Proibido, de 1956, foi mais sutil ao fazer o mesmo*!). Mas isso é o menos importante aqui: nós temos…

Protagonista meio tonta, elites para lá de detestáveis,
caras babacas e duelos com robôs gigantes…

…duelos de robôs gigantes! É um conceito absurdo mas as principais decisões corporativas são resolvidas pelos duelos dos filhos dos grandes empresários, sob o olhar do grande CEO que escancara de vez a analogia e se declara (como se fosse um) rei. Aquisições de empresas, fusões corporativas, noivados e casamentos com a lógica de um matrimônio da nobreza. E por isso, muito é investido nos robôs gigantes dos grandes herdeiros. Derrotas custam caro!

Isso tudo se passa dentro de uma academia aonde os futuros membros dessa elite estão sendo formados — e temos um Comitê de Duelos no papel ocupado, em outros animes, pelo Comitê Estudantil do colégio. As relações corporativas se interligam mais ainda à hierarquia social entre esses jovens: esta é diretamente ligada ao poder e importância dessas empresas, então o bullying e as sabotagens correm soltas. Como adaptar isso para o universo de Brigada?

…mas também interesses corporativos, opressão
a serviço desses interesses e gente muito FDP.

AMBIENTAÇÃO: talvez as academias da Brigada Ligeira Estelar não sejam a melhor ambientação para uma campanha como essa. Muito é feito nelas para varrer teias de aranha sociais capazes de causar divisões ou forjar panelas entre o grupo — casos de bullying, devidamente comprovados, podem gerar punições severas e até expulsão. Algumas academias regenciais são mais propícias para isso, como as dos planetas Alabarda ou Tarso (leiam este exemplo AQUI)…

…mas o mais adequado aqui são as academias de nobreza. Não precisamos da analogia entre o mundo corporativo e as monarquias, porque a Constelação do Sabre já é uma monarquia (mas fazer a manobra contrária pode ter efeito similar). Se quiserem fazer um jogador ligado à Brigada, ele pode estar infiltrado por estar na faixa de idade e ter um mínimo de confiabilidade para uma missão específica… e, sim, essa missão vai precisar durar a campanha toda).

Seja bem-vindo à academia espacial dos
futuros 1%… ao custo dos terráqueos.

No volume 1 de A Constelação do Sabre, temos a menção de dois locais em especial no planeta Annelise: as academias Belle-Rose e Lespair, respectivamente exclusivas para moças e rapazes. Há outras academias mistas e de renome para a nobreza, entretanto… e esse é um espaço perfeito para os mestres de jogo criarem as suas. Outros mundos tem suas próprias academias, é claro, mas se algo é mencionado canonicamente é por ser referência no seu segmento.

Oferecemos uma estrutura para a construção de uma academia da Brigada Ligeira Estelar em artigos anteriores dessa série. Aqui, a estrutura precisa ser um pouco diferente… mas nem tanto assim: os herdeiros da nobreza, além da sua exigente educação formal, aprenderão coisas como etiqueta, esgrima e, claro, pilotar robôs gigantes — eles receberão um em sua primeira maioridade** até por conta de seu papel simbólico, então é conveniente saber usá-los!

Robôs Duelistas (sim, vamos ser honestos,
estamos aqui por causa deles!)

DUELOS: em the Witch of Mercury, os duelos irrompem a qualquer momento e não são apenas parte integrante da dinâmica competitiva da academia — mas afetam o mundo dos adultos para além de suas portas. Tudo é decidido através de robôs gigantes pilotados por adolescentes com a missão de quebrar a antena do oponente em um combate, embora alguns pilotos possam ser mais cruéis e despedaçar a máquina inimiga, impondo assim um prejuízo enorme ao vencido.

Esses duelos não são letais mas suas consequências podem ser sérias. A trajetória descendente de Guel Jeturk mostra toda a gravidade de uma destitulação para os jogadores que pensarem nessa desvantagem de forma casual ou leviana***, sem falar no destino de “Elan Ceres” — silêncio em nome dos spoilers. Um duelo é tratado com muita seriedade: precisamos falar sobre o Comitê de Duelos, responsáveis por estabelecer seus termos e o cumprimento destes.

E sim, tudo nessa academia se resolve
na base do duelo de robôs!

Embora eles não circulem pela escola se metendo na vida de todo mundo, como os Conselhos Estudantis de tantos animes colegiais (você lembrou de algum, certo?), eles são uma elite transbordante de impunidade — basta lembrar da cena do primeiro capítulo aonde Jeturk destrói os tomates de Miorine e ninguém faz absolutamente nada. Ou das sabotagens feitas contra os robôs de Chuchu e de Suletta por duas tietes de um dos principais membros do conselho.

Eles também garantem a lisura dos combates e o cumprimento dos acordos ligados a eles. Isso não é realmente inédito: em um Battle Shonen Academy Anime como Bladedance of the Elementalers, há um instrumento mágico através do qual isso é feito: os personagens fazem suas juras, estabelecem tudo a ser ganho ou perdido com o combate e reconhecem o resultado por ele avalizado. Mas é um recurso dramaticamente funcional… e o conselho está aqui para isso.

O comitê de duelos: responsáveis pelo andamento das disputas,
cumprimento dos termos… e nenhum é flor que se cheire.

Em uma academia da Brigada, talvez o melhor tratamento para algo assim seria nos moldes de um anime de esportes: há diferenças entre cadetes? Tudo bem, há torneios para eles gastarem suas energias e informalmente acertarem diferenças. Duelos propriamente ditos, no entanto, seriam algo comum, mas passível de punição, e por isso o normal é fechar um olho para tudo salvo em casos graves. Numa academia da Nobreza, porém, normatizar duelos é possível!

Crie uma elite escolar à dedo para trazer esse clima à sua campanha: todos eles deveriam ser potenciais chefes de fase contra seus personagens e terem um traço de presença, seja por carisma ou intimidação: eles precisam disso para exercer sua influência e poder fora do terreno dos duelos! Eles serão o inimigo (ou, pelo menos, a face de um inimigo maior) e é interessante ter um motivo externo para garantir seus atos. Poder? Influências familiares?

Ah, não reclamem da Secelia. Lá tem um monte de garotões
para a audiência feminina curtir. Dêem um desconto.
😀

INTERESSES: nobres jovens serão os governantes do futuro. Seus atos e associações realmente podem afetar o destino de clãs inteiros, paixões podem ter consequências políticas desastrosas e suas burrices — ou espertezas — podem torná-lo uma ameaça em potencial mais à frente. Então é bom pensar no papel dos adultos dentro desse esquema, sempre. Se eles saírem da toca, é porque a coisa ficou séria. E aproveitando o gancho shakespeariano desse anime…

…vamo apelar para o mais manjado Shakespeare de todos para explicar nosso ponto: Romeu e Julieta. Lembram da morte do Mercúcio? Ela leva Romeu a matar Teobaldo e ser exilado. A vítima é parente do príncipe (e do conde a quem queriam entregar Julieta) e, se um primo de um príncipe fosse morto por um Capuleto, esse príncipe realmente baniria o Montéquio responsável por vingá-lo quando há testemunhas para o fato de Romeu ter tentado apartar a briga?

Tudo se retroalimenta: eventos na esfera jovem
afetam a esfera corporativa e vice-versa.

Para reforçar essa tese, foi Teobaldo quem começou e quando Romeu se interpôs entre os dois, ele não se conteve e nem o acertou: foi premeditado. Mesmo com um governante menos passional, a coisa ficaria feia para os Capuleto e, seguindo a lógica, Romeu teria de correr para Julieta não ser morta com o resto da família sob ordens do Príncipe de Verona, certo? Hum… na verdade, não. A chave está em um diálogo entre Montague e o príncipe lá no começo.

O Príncipe de Verona precisava impor sanções a ambas as famílias, de qualquer modo**** — e exilou Romeu para protegê-lo: o assassinato de seu primo estava vingado e, se ele fosse morto em retaliação, se iniciaria uma guerra nas ruas da cidade (“o excesso de demência causa mortes também, por imprudência”). Além disso, Mercúcio era um encrenqueiro na linha sucessória… e talvez sua morte não tenha sido tão ruim assim para seu clã. Pegaram o exemplo?

O grande responsável pela tragédia: um CEO. Neste universo,
é o mesmo que ser um rei (e ele verbaliza isso!)

PARA FECHAR: Não falarei muito sobre a parte física dos combates — apenas na necessidade de normas e de uma não-letalidade nos duelos em si (mesmo se a elite de sua campanha for capaz de matar para proteger seus interesses, ela o fará fora de um contexto de duelos para não comprometer o andamento desse esquema). No fundo, talvez o ponto de tudo seja estabelecer os protagonistas como um bando de vira-latas contra gente “de bem”, metida, repelente…

Não vejo este como um rumo óbvio para Witch of Mercury, até por suas influências, temas de fundo e os assassinatos corporativos no prólogo, mas essa pode ser uma das melhores formas de se conduzir uma campanha nas Academias do Sabre — e caso você consiga, no final, derrubá-los de vez do seu pedestal, podem acreditar: isso será catártico para todos os jogadores. Todo mundo conheceu algum FDP impune na vida, vão por mim.

Até a próxima e divirtam-se.

* Provavelmente a última peça de Shakespeare de acordo com os estudiosos de sua obra, A Tempestade (usando o texto da Wikipedia) “passa-se numa ilha remota, onde Próspero, duque de Milão por direito, planeja restaurar a sua filha, Miranda ao poder utilizando-se de ilusão e manipulação. Próspero então invoca a epônima tempestade, visando assim atrair seu irmão Antônio, que lhe usurpou a posição de duque, e seu cúmplice, o rei Alonso de Nápoles, para a ilha. Lá, suas maquinações acabam por revelar a natureza vil de Antônio, provocando a redenção do rei, e o casamento de Miranda com o filho de Alonso, Ferdinando.” A primeira versão sci-fi da obra foi “O Planeta Proibido”, de 1956, com um Leslie Nielsen jovem — e ainda distante de sua fama como comediante (o que torna essas obras involuntariamente engraçadas ao serem vistas em retrospecto…).
** Lembrando: no universo de Brigada Ligeira Estelar, os nobres tem duas maioridades. A primeira é aos quatorze anos, quando eles ganham o direito de ir e vir e são considerados responsáveis por suas ações. A segunda é quando eles assumem as posses e responsabilidades relacionadas aos seus títulos de direito via herança, matrimônio, concessão imperial ou conquista devidamente reconhecida. Tecnicamente, as aventuras de um personagem da nobreza se dão no espaço de tempo entre essas duas maioridades.
*** Alguns jogadores de Brigada Ligeira Estelar usavam a destitulação para obter uns pontos extras de personagem e achavam que permaneceriam na sua residência de nobreza, livres para aventuras, sem a obrigação de um dia assumir sua posição. Na verdade, a Destitulação é uma desvantagem severa — e seu mau uso exigiu a criação da desvantagem Declinação, mais correspondente à essas expectativas, como uma versão mais suave da desvantagem anterior.
**** Nessa época, os governos das cidades italianas decretaram a demolição das torres de grandes famílias de nobreza à uma altura inferior às torres do governo. Essa foi uma forma dos príncipes se imporem e evitarem que as rixas entre clãs causassem mais danos. AQUI há um artigo sobre isso.

Agradecimentos sinceros ao Leonel Domingos pelos toques históricos.

DISCLAIMER: Mobile Suit Gundam — The Witch from Mercury é uma propriedade da Bandai Namco Filmworks Inc.; imagens usadas para fins jornalísticos e divulgacionais.

5 comentários

  1. Belo texto! Estou adorando o anime. Detalhe para o fato de que até o perdão é definido por duelo, então ninguém precisa lidar com arrependimento por qualquer tomada de decisão: o treinamento perfeito para os monarcas ditadores do futuro.

      1. Adorei o artigo, a voz da minha cabeça já tinha previsto que você escreveria mais sobre as Academias do Sabre devido ao Witch from Mercury Klklkkk, fico feliz que a “adaptação” tenha rolado

  2. Curti esse artigo! Ainda não assisti o anime porque estava esperando juntar mais episódios.

    Eu não lembro se li sobre isso nos livros ou no antigo Fórum da Jambô, mas os estudantes começam nessas Academias aos 14 anos, e terminam aos 18? É o padrão e/ou o recomendado para campanhas?

    Imagino que o comum nos mundos da Constelação do Sabre é ter várias Academias Regenciais, da Brigada Ligeira Estelar e Academias Nobres? Ou existem mundos que não tem Academias da Brigada?

    1. Basicamente é de acordo com a capacidade deles de cumprir suas metas. Assim, os jogadores podem completar em poucos meses… ou levar mais tempo para isso. Mas no novo livro, os personagens podem entrar mais tarde, podendo se tornar pilotos aos dezesseis anos. Isso é para contornar um incômodo de muitos leitores com a idade original dos personagens.

      Na segunda questão, é isso mesmo: várias academias de todos os tipos, embora a mais famosa academia da Brigada fique em Leocádia.

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