Revisitando Tons Narrativos: o Árido

Como os leitores veteranos sabem, Brigada Ligeira Estelar pode ser conduzido nos tons narrativos do Aventuresco (AQUI), Árido (AQUI), Heróico (AQUI), Folhetinesco (AQUI) e Épico (AQUI). Tudo isso ajuda a cobrir os gostos dos jogadores. Alguém mais alinhado a animes sisudos como Votoms, 86 ou Gasaraki tem expectativas bem diferentes dos que preferem a zoeira de Nadesico, Irresponsible Captain Tylor ou I’m the Evil Lord of an Intergalactic Empire!

Porém, muitos novos Alferes entraram pela primeira vez em seus robôs gigantes com o novo BRIGADA LIGEIRA ESTELAR RPG, e ouvi comentários positivos de quem nunca teve experiências com RPGs de ficção científica, apenas medieval, sobre o cenário e o sistema. Então estou abrindo uma série de cinco artigos repescando brevemente o que falamos sobre cada um dos tons narrativos (para mais aprofundamento, os links estão ao longo do texto). E para começar…

…falaremos do Tom Árido. Ele NÃO É o tom “padrão” do cenário, bom dizer — o padrão é o Aventuresco, e as regras refletem isso — mas há uma escala de… crescimento entre os tons, do mais sombrio e pé-no-chão ao mais exagerado e espetaculoso. Então faz sentido começar por este. Essa série de artigos vai ser bem mais básica e esquemática do que o habitual, mas a ideia é facilitar as coisas para quem chegou agora ao cenário. Então, vamos ao que vende!

É o tom mais impiedoso, sombrio e pé-no-chão dentro do espectro narrativo de Brigada Ligeira Estelar. Se o Heroico é um blockbuster de verão, o Árido é um filme brutal de guerra. A motivação aqui não é a vitória espetacular, mas a sobrevivência — morrer é muito fácil aqui. É o tom para grupos que buscam explorar o custo humano da guerra, o desgaste dos equipamentos e o peso das decisões impossíveis. Vocês não são heróis. Vocês são meros soldados.

Em termos do BRIGADA LIGEIRA ESTELAR RPG, vocês terão 7pts. (-2 em desvantagens) ao invés dos 10 pontos usuais. Use as regras de +Movimentação e Privações (págs. 167 a 169) mais as regras do box Mortes e Tons de Campanha (págs. 188-189). Já escrevi sobre Munição Limitada para o 3D&T Alpha (ver link), mas é possível adaptá-lo pelo atributo Poder (ou seja, M=PX5) para tiros de energia ou mísseis. Ainda é preciso ter a vantagem Alcance, entretanto.

Guerra como Antagonista: o inimigo não se resume a invasores, terroristas ou guardas inimigas — é a guerra em si. Fadiga de combate, escassez de peças, burocracia do comando e moral baixa são adversários tão perigosos quanto!

Consequências Reais: todo dano recebido é dramático. Isso vale tanto para máquinas quanto para personagens. Pode ser difícil reparar seu robô pilotável em meio à linha de frente. Morte ou mutilações são fáceis nesse contexto.

Cinismo e Exaustão: sua motivação não é salvar a Aliança, mas talvez ganhar dinheiro suficiente para voltar para casa, proteger a pessoa ao lado — ou apenas sobreviver mais um dia. Sua coragem nasce do medo, não do idealismo.

Pé no Chão: mesmo em níveis tecnológicos altos, os protagonistas lidam com a tecnologia de forma prática, com suas todas as suas limitações. Munição é contada, recursos não são infinitos… e danos nas máquinas são recorrentes.

Armored Trooper Votoms: um clássico. Na galáxia de Astragius, após uma guerra de séculos, forma-se uma paz bem tensa entre duas nações interestelares. O protagonista participa de um crime sem saber disso, vira bode expiatório e é torturado por seus superiores. Mas mexeram com o cara errado: ele é uma máquina de matar e não vai deixar isso barato. É o cinema brucutu dos anos 80 encontrando a ficção científica hard. E com robôs pilotáveis, é claro.

Zeta Gundam: continuação direta da série clássica de 1979, é o ponto mais sombrio e cruel da cronologia original de Gundam. Após a vitória sobre Zion, é criado um grupo de elite autônomo de contrainsurgência (os Titãs) para caçar inimigos remanescentes. Mas na prática eles são uma milícia genocida de escala gigante, forçando o surgimento de um grupo rebelde… e no meio disso tudo, uma corporação alimenta os dois lados da guerra, fazendo-a escalar.

Gundam — Iron-Blooded Orphans: em um planeta Marte sob processo de terraformação, crianças-soldado se rebelam contra aqueles que os exploravam e formam uma milícia mercenária, ascendendo ao se envolverem com mafiosos e com eventos políticos maiores do que eles. No entanto, isso os torna um alvo, atrai inimigos poderosos — e no final, os ferrados na vida sempre são o elo mais fraco da corrente. Talvez o universo alternativo mais cruel da franquia.

86 (Eighty-Six): o Império de Giad ataca a nação vizinha de San Magnolia com uso de drones assassinos pilotados por IAs. Em resposta, eles respondem também com drones não-tripulados conhecidos como Juggernaut. O que a maior parte das pessoas ignora é que estes não são drones! Os Juggernauts são pilotados pelos Eighty-sixers, soldados bucha-de-canhão dispensáveis, tratados como seres humanos de segunda categoria. E há um motivo horrível para isso.

Seja Impiedoso (mas Justo): sua missão não é matar os personagens dos jogadores, mas sim fazer com que ameaças de morte sejam reais e constantes. Os inimigos são táticos, usam cobertura, flanqueiam e recuam quando necessário. A sorte (ou o azar) dos dados deve ser abraçada sem concessões. Estabeleça condições difíceis (exija testes na hora da ejeção do seu robô, por exemplo, ou use o ambiente como obstáculo) — mas não necessariamente impossíveis.

Crie desafios que não se limitem apenas a destruir inimigos: A missão é proteger um comboio de suprimentos… e parte dele foi destruído, forçando a unidade a decidir se os reparte entre pelotões? Um nobre arrogante ou corrupto impõe ordens suicidas às quais seus superiores não podem negar? Após um combate, os personagens não encontram peças para reparar o dano crítico nos seus robôs, forçando-os a lutar na próxima batalha com em mau estado? Pense.

Use a Narração para Gerar Tensão: descreva o som metálico de um parafuso se soltando dentro da cabine após um impacto, o cheiro de óleo queimado e suor, o silêncio estático perturbador do rádio quando a unidade de um colega some do radar. A palavra é essa mesma, “tensão”, mas tudo pode ser uma fonte de desgaste para os personagens. Ah, sim — não tenha o menor pudor de usar as regras de Estresse e Trauma (págs. 78-79) a seu favor. Isso nos leva à…

Escolha a Chave Dramática: na desconstrução, os personagens lidam com o horror diário. Na humanização (talvez o mais recomendado), os personagens ainda podem se agarrar à amizade dos colegas e à promessa de normalidade no futuro. Glamourização? Só do Aventuresco para cima. E não esqueça da ficção científica! Lembre daquele protótipo capaz de matar um piloto, ou daquela missão em um laboratório corporativo onde um projeto secreto deu muito errado…

Crie Personagens com Medos e Falhas: um personagem perfeito e destemido não cabe aqui. Crie alguém com claustrofobia, que surta se a cabine for danificada, ou que é viciado em analgésicos para lidar com a dor dos ferimentos. A coragem deles vem de superar esses medos, não de não tê-los. Talvez um personagem com a vantagem Experiente (pág. 37) possa já estar cascudo o suficiente para não se amedrontar, mas isso precisa ter algum custo psicológico.

Sobreviva: seu pior inimigo dificilmente vai ser um ás duelista. Você já tem problemas demais com a fome, desidratação, falhas de um sistema de vida crítico ou a suspeita de que o comando vai sacrificar sua unidade em uma missão sem importância. Às vezes, a escolha mais heroica é recuar — fugir, se esconder e viver para lutar outro dia são vitórias no Tom Árido. Priorize missões de reconhecimento, resgate e fuga em detrimento às batalhas campais.

Você é um Ser Humano (e quer continuar sendo): talvez o maior desafio para um personagem no tom árido seja preservar a própria humanidade. Em contextos humanizadores isso é mais fácil. Há a amizade dos colegas e um senso de irmandade envolvido, ou a promessa de uma vida normal do futuro com aquela garota simples que você conheceu na aldeia mais próxima, quem sabe? Na desconstrução, o horror diário torna tudo mais difícil mas você lutará por isso.

E algumas últimas palavras: o Tom Árido é para grupos que querem uma narrativa tensa, brutal e emocionalmente carregada, onde cada sobrevivente carrega cicatrizes físicas ou mentais da guerra. A Constelação do Sabre tem um tom geral mais heroico mas há ganchos para isso no cenário. Uma campanha lanceira na frente de combate proscrita? Uma unidade de mercenários? Opção não falta.

Até a próxima quando voltaremos com o Tom Aventuresco, e divirtam-se.

DISCLAIMER: Mobile Suit Zeta Gundam 00, Mobile Suit Gundam: Iron-Blooded Orphans, Gasaraki e Armored Trooper Votoms pertencem à Bandai Namco Filmworks, Inc.; 86 Eighty-Six pertence à Asato Asato/KADOKAWA/Project-86. Todos os materiais nomeados pertencem aos seus respectivos proprietários intelectuais. Imagens usadas para fins jornalísticos e divulgacionais de acordo com as leis de Fair Use.

Brigada Ligeira Estelar ® Alexandre Ferreira Soares. Todos os direitos reservados.

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