Por Trás do Sabre: Trianon

Tanto o capa-e-espada quanto o real robot tendem a ser políticos*. O primeiro lida com disputas de poder e luta de classes: nessa época, as contradições sociais da revolução industrial foram atiradas na cara de todos pela vida urbana e surgiram os movimentos ideológicos decisivos do século seguinte. Os autores de folhetim da época acabaram por refletir isso: Amédée Achard era conservador, Eugène Sue era socialista, Michel Zevaco era anarquista…**

O Real Robot por sua vez bebeu dessa fonte através de outra vertente do capa-e-espada, a ficção graustarkiana — fundamental em influência no subgênero (recomendo ESTE texto) — mas se esta romantiza os elementos políticos mais provocadores dos capa-e-espada originais, a animação japonesa nunca teve luvas de pelica ao colocar nossos pés no chão. Basta lembrar de Zeta Gundam, nos lembrando de como guerras são alimentadas por interesses corporativos.

De modo geral, esse contexto permeia o cenário como um todo e isso nos leva ao planeta Trianon: qual é o seu diferencial quando tantos mundos da Constelação do Sabre seguem essa toada? A diferença parece pontual: não há estabilidades sociais a proteger (como em Annelise) ou ativos simbólicos a defender (como em Forte Martim) e a autoridade imperial está atada em nome da legalidade.

Mas só parece: Trianon é um mundo para rebeldes e revolucionários.

Enfrente a opressão — mas o faça com estilo!

Referências Iniciais

Dados sobre Trianon estão em A Constelação do Sabre, Vol. 2 (você pode obtê-lo AQUI) e seus aspectos de capa-e-espada tornam conveniente ver material do gênero: além de mangás e animes como Rosa de Versalhes ou La Seine no Hoshi***, não desprezem o velho cinemão de aventura: filmes como Scaramouche (1952) e O Espadachim de Siena (1962), com heróis em busca de reparação ou vingança contra a aristocracia e enfrentando tiranos, ainda batem um bolão!

Mas e quanto a ficção científica e os robôs gigantes? Bom, de um lado, há uma grande relação entre o tema, a Space Opera e o Folhetim Espacial (falamos disso AQUI e AQUI). Se a ideia for essa, o esquecido Saikyō Robo Daiōja pode nos dar uma mão: é um anime infantil, feito para introduzir o real robot a um público mais jovem e ainda acostumado aos super robôs. No entanto, lidava bem com as questões de terra e abuso de poder caros ao capa-e-espada.

Daiōja: infantil e mais puxado ao conto de fadas, mas com ideias interessantes.

Mesmo assim, Daiōja é sobre reformismo esclarecido**** — a autoridade colocando as coisas em ordem. Se falarmos em rebeliões, muitos lembrarão logo de Code Geass — e o apelo visual ajuda — mas ele não é o único: Heavy Metal L-Gaim é o mais próximo de um anime do Universo Expandido de Star Wars em todos os sentidos — salvo pelos robôs gigantes e a quase ausência de aliens — e o mais space opera nessa lista. Isso nos leva de volta às séries Gundam…

… e ao fantasma impossível de se fugir: Gundam Wing. Independentemente de sua execução, ele conta com quase todos os elementos referenciais a seu favor. Uma elite aristocrática e opressora comandando tudo? Uma combinação estética entre aspectos de época, contemporâneos e futuristas? Discursos de força? Orgulho besta? Duelos de Espadas? Na superfície, está tudo lá. O Império Vers de Aldnoah Zero também é uma ótima referência para compor os vilões.

As elites tem pose — e talvez por isso suas vítimas sejam atraídas por ela.

Trianon em Jogo

Apesar da tecnologia futurista, há muito de semi-feudal nesse mundo. A pobreza grassa, as elites são da pior espécie, as pessoas tem motivos para se revoltar e um dos eventos-chaves no histórico do cenário foi quando a própria Brigada Ligeira Estelar apoiou um levante popular, desafiando ordens. Luta de classes, lembram? Leitores atentos já notaram: Tarso e Trianon formam um bloco político… e Gessler se beneficia disso. Há muito a ser enfrentado.

Capa-e-Espada com robôs gigantes: se os nobres perpetram injustiças e as pessoas comuns são quem pagam, sempre há quem procure reparação… ou vingança!

Cyberpunk: alta tecnologia, baixo padrão de vida. A linha divisória entre rebelados e terroristas é muito tênue — todo equipamento útil é conveniente.

Espionagem e Contra-Terrorismo: missões de inteligência exigem sutileza mas nada substitui um robô gigante — especialmente quando tudo fica explosivo.

Se por um lado, há um estado de coisas insustentável…

Ficção Científica Militar: a nobreza local costuma contratar (secretamente) mercenários contra rebeliões ou para debelar populações. Reagir é preciso.

Folhetim Espacial: outra escolha óbvia, se pensarmos na influência da nobreza. Personagens tenderão a tomar partido nas disputas entre forças maiores.

Space Opera: Trianon e Gessler fazem parte do mesmo sistema solar e o trânsito entre ambos é grande. No meio desse caminho muita coisa pode acontecer!

A abordagem para seus personagens pode ser ampla: além da presença da Brigada (incomodados pelo estado das coisas neste mundo e frequentemente se batendo contra a guarda regencial de Trianon) há também a possibilidade de se montar milícias contra os mercenários contratados pela nobreza… e, quem sabe, dispostos a derrubar os senhores de um domínio — ou talvez catalizar uma rebelião maior). Aqui cabe um… ponto sobre o papel dos hussardos imperiais.

… por outro, com ou sem robôs gigantes, uma explosão social pode sair pela culatra.

A Brigada Ligeira Estelar não pode simplesmente invadir o parlamento regencial em Orczy e derrubar o Príncipe-Regente Nanterre — não sem um motivo grande. O apoio dela a um levante popular a pôs sob a mira dos nobres na Estação Parlamentar. Assim, muitas vezes as ações partem da iniciativa individual de seus oficiais: se eles encontrarem uma injustiça e trouxerem resultados, a guarda fechará um olho para suas ausências do quartel e virá com tudo.

Há bons motivos para isso: ao resolver problemas em uma escala pontual, se evita a possibilidade de um grande levante planetário — e antes da chegada das forças imperiais, o sangue derramado será o do próprio povo nas mãos das guardas nobiliárquicas locais. Será uma guerra civil mais devastadora do que a insurreição de Forte Martim e ninguém quer isso. A alta nobreza prefere ceder os anéis a perder os dedos e nisso, alguma justiça pode ser feita.

Sim, há espaço para a normalidade aqui.

É claro, o lado mais divertido e barulhento está aqui para suas campanhas de jogo: este inclusive é um dos mundos aonde o Círculo da Espada melhor se estabeleceu. Nem tudo precisa ser soturno — as pessoas ainda vivem e tem sonhos. Há espaço para a leveza, sim, mas há medo da autoridade regencial e alguma esperança perdida quanto ao discurso iluminista Falconeriano. Cabe aos personagens jogadores se provarem e… mudarem algo. Trianon precisa disso.

Por outro lado, há quem se incomode com a Brigada porque ao esvaziar pressões antes delas explodirem em massa, ela impede a verdadeira mudança enquanto a estrutura permanece intocada (ou mudando a passo de formiguinha). Por outro lado, os Hussardos Imperiais salvam pessoas do sofrimento ao deter os responsáveis mais imediatos. Isso pode criar tensões interessantes entre os personagens: reformismo… ou revolução?

Não há resposta fácil.

Até a próxima.

Às armas, dentro ou fora dos robôs gigantes!

* É só revermos Os Três Mosqueteiros, de Alexandre Dumas: todos servem à forças políticas ambíguas, sendo nossos heróis os indivíduos heróicos em meio a um xadrez do poder capaz de esmagá-los.
** Achard cunhou o termo capa-e-espada em seu livro homônimo. Zevaco, autor de A Heroína, era anarquista e anti-clerical. Sue foi o único dos três a não trabalhar com o gênero, mas certamente contribuiu com a conscientização política de seus leitores via ficção.
*** A Rosa de Versalhes saiu por aqui pela JBC. É menos capa-e-espada e mais drama histórico, mas vale a leitura. Já Seine no Hoshi, só levando na galhofa — a heroína espadachim parecia a Patrine!
**** Em Daiōja, o príncipe-herdeiro de um império espacial viaja incógnito aos seus planetas vassalos, sem imaginar o quanto esses mundos estão corrompidos pela nobreza. Tem uma pegada de conto de fadas — é realmente um anime infantil — mas funciona.

Imagens e vídeos meramente ilustrativos. Code Geass, Saikyō Robo Daiōja e Gundam Wing pertencem à Sunrise. Inc; Les Miserables: Shoujo Cosette à Nippon Animation; Guilty Crown à Production I. G. e Lenda dos Heróis Galácticos à Madhouse.
Na imagem de topo, o mais icônico rebelde da animação japonesa: Capitão Harlock, de Leiji Matsumoto (produção da Toei Animation). Novamente, todos os direitos reservados.

5 comentários

  1. Trianon é um lugar bem interessante. Dá pra ver um Capitão Harlock azucrinando a rota entre Gessler e Trianon fácil, fácil.

    Alguns piolhos: o link do artigo de Folhetim Espacial está indo pro site da Apple, e o vídeo do duelo está indisponível. E no tópico Trianon em Jogo, onde está “A pobreza grassa” seria “A pobreza crassa”.

  2. Trianon é o mundo ideal pra algum Justiceiro Mascarado ala Zorro ou grupos mais organizados como Jovens Falcões, a Vanguarda Sideral ou quem sabe até Libertários que pararam de brigar klkkk

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