Poucas pessoas conhecem essa referência no Brasil mas uma das grandes influências “não-anime” para BRIGADA LIGEIRA ESTELAR foi “A Legião do Espaço”, de Jack Williamson (na edição publicada no Brasil em 1980 pela editora Francisco Alves). Ela é um dos exemplares mais cristalinos da ficção científica pulp dos anos 30 e 40, com sua super-ciência gigantesca, impérios espaciais, personagens heroicos e soluções absurdas — ainda mais aos olhos de hoje*.
Williamson sempre admitiu se inspirar em “Os Três Mosqueteiros” (trocando o Porthos pelo Falstaff de William Shakespeare e, claro, metendo lasers e aliens monstruosos) e, de lá pra cá, essa space opera ultra-descabelada virou telhado de vidro para os defensores da “ficção científica séria, respeitável e relevante”, sofrendo ataques e desconstruções**. Mas seu espírito tem muito valor de entretenimento ainda hoje e, admito, tenho um fraco por ela.
Corta para o Japão do pós-guerra. Uma grande característica cultural do seu povo é a capacidade de domesticação das influências estrangeiras: eles irão retorcê-las até transformarem-nas em algo próprio. E com a ficção científica não foi diferente, especialmente quando o país abraçou a tecnologia como porta de reconstrução para um país arrasado: os conceitos vindos com a ocupação estadunidense não esvaziaram sua cultura — eles foram reprocessados.
Assim, todos esses pulps com heróis interestelares de queixo quadrado pisaram por lá mas foi o robô gigante quem virou um ícone cultural e uma representação heroica. Porém, na segunda metade dos anos 70 e começo dos 80, a influência dos movimentos ocidentais na literatura de ficção científica*** levaria à busca por uma visão “séria” do gênero e à desconstrução do super-robô em séries como Ideon e Baldios — aliás, o real robot viria nessa esteira.
Mas Guerra nas Estrelas atingiu o mundo como um asteroide. A Space Opera, com seus elementos de faroeste e capa-e-espada, voltou e embora clássicos pulp como Capitão Futuro e Lensman tenham ganho versões animadas locais, os melhores resultados vieram quando esses elementos foram culturalmente domesticados — aliens humanóides, por exemplo, se adequavam melhor aos dramas de honra tipicamente japoneses… e aonde queremos chegar com isso tudo, afinal?
Bem, encarem esse como um apêndice à nossos artigos sobre ficção científica na Constelação do Sabre (ESTE é um bom ponto para começar), mais especificamente ao texto sobre Space Opera (AQUI): apesar dos dogfightings espaciais, BRIGADA LIGEIRA ESTELAR se alinha aos cânones da Nova Space Opera (há um bom texto sobre ela AQUI) até por conta da natureza do Real Robot: ele já os antecipava. Mas é possível ser pulp aqui — RPGs são sobre possibilidades:
APOSTAS ALTAS: Só 5 pontos em 3D&T? Esqueça. Todo mundo é muito bom em pelo menos uma especialidade — e as regras de nicho em Mega City caem bem aqui.
FUI NA LUA COMPRAR PÃO: esqueçam as dificuldades de transporte. Viagens espaciais são muito banais e é comum visitar diferentes planetas em sequência.
LADOS BEM CLAROS: aqui os tons de cinza não tem vez — são heróis contra vilões. Notem o quanto isso bate de frente com o real robot como o conhecemos.

MEGALOMANIA: Exagere — qual o sentido de arremessar um meteoro de quatro quilômetros contra um planeta habitado quando você pode jogar… outro planeta?
PSEUDOCIÊNCIA: na Space Opera, a ciência não deve embarreirar a trama MAS, na Space Opera Pulp, você pode reduzi-la à mera desculpa para o fantástico!
SENTA O BRAÇO: em termos Trekkers, não pense no Capitão Picard sendo inspirador — pense no Capitão Kirk dando socos dignos dos filmes de faroeste****!
A frase-chave aqui é “nada é impossível”… e agora, pessoal, precisamos ser chatos: muitas vezes, esses clichês, reunidos e tão escancarados, só funcionam de forma auto-consciente — e só se estivermos dispostos a entrar na brincadeira. Há ambientações aonde esse exagero faz parte de tudo e nós o aceitamos assim, mas se você já tem um cenário bem estabelecido e ele opera sobre bases mais sóbrias, inseri-los pode assassinar toda a sua credibilidade…
… ou não. O segredo é usá-los para trazer empatia e aventura. Peguem o exemplo de Jornada nas Estrelas: o piloto original da série, The Cage, foi aplaudido pelos executivos de televisão ao ser exibido… e rejeitado por ser cerebral demais. Trocaram de elenco e personagens, com concessões a elementos pulps — e o resto é história. A série planejada certamente seria brilhante, mas ela seria tão… carismática quanto as aventuras de Kirk, Spock e McCoy?
Da mesma forma, Brigada Ligeira Estelar poderia se limitar a seguir os passos mais duros dentre as franquias do gênero e, na verdade, essa é uma opção dada a mestres e jogadores. Mas referências não existem para ser copiadas: elas apontam caminhos e soluções — como a Legião do Espaço ajudou a fazer, guardada em minhas lembranças antes mesmo da Brigada Ligeira Estelar ter sido concebida. E esse foi o caminho certo para esta ter uma identidade sua.

Ninguém leva a sério o seu vilão? A ameaça é absurda demais? A solução é imbecil e teria consequências catastróficas? Ora, faça os ajustes ao cenário aonde ele está, mesmo com apostas altas — o único limite ao “Nada é Impossível” é o nosso senso de ridículo e, se foi preciso uma Nova Space Opera, é porque a velha precisava de recauchutagem*****! No entanto, nossos pilotos Hussardos ainda podem resgatar a princesa em perigo e salvar a Constelação!
Brigada Ligeira Estelar foi inspirado pela animação sci-fi japonesa mas ela não foi indelével a esse imaginário — apenas inseriu elementos próprios de drama, identificação e temáticas. Na verdade, a ficção científica pulp sempre foi sinônimo de imaginação e aventura. E mesmo tendo muita coisa mudado para cá, isso jamais deveria faltar em sua mesa.
Até a próxima — e não se esqueçam, cinquenta e dois milhões de meninos e meninas: ZUUUUMMMMMMMMM!!!!!

* O final do citado A Legião do Espaço é de arrancar os cabelos nos dias de hoje: não vamos dar spoilers, mas a arma salvadora da Terra teria ferrado nosso planeta. Ninguém imaginaria isso em 1934, mas é difícil dar esse desconto…
** Em especial da New Wave of Science Fiction. Eram tempos radicais e houve um esforço de espezinhar os temas clássicos da Space Opera, em declarações e obras como O Sonho de Ferro, de Norman Spinrad, por exemplo.
*** Notadamente tanto a citada New Wave quanto a Golden Age, que já buscava uma aproximação com a ciência séria em contraponto às space operas dos anos 30. Gundam foi inspirado pelo Tropas Estelares de Robert A. Heinlein e Macross pela pentalogia dos Gigantes de James P. Hogan. Já a New Wave foi mais influente entre autoras de quadrinhos femininos como Keiko Takemiya (Terra E…) e Moto Hagio (They Were Eleven).
**** Essa foi claramente uma concessão de Roddenberry ao pulp após a rejeição do piloto. Ele nunca as engoliu bem — sua visão pode ser melhor encontrada tanto no primeiro e divisivo longa-metragem da franquia quanto na diplomática e cerebral Nova Geração — a ponto de nunca ter aceitado a guinada para a ação de “A Ira de Khan”…
***** Não me entendam mal. Há materiais divertidíssimos dentro desse espírito pulp clássico, sejam livros, quadrinhos ou RPGs — e como eu disse, tenho um fraco por esse material. Mas Brigada é uma cenário de hoje e há menos nostalgia por trás de suas decisões conceituais do que muita gente imagina.
Imagem do topo: cartaz do longa-metragem japonês Message from Space — é tranqueira, mas é uma das tranqueiras mais divertidas vindas na esteira de Guerra nas Estrelas. Para assistir sentado no chão e comendo salgadinhos de camelô.
Alguém aqui viu ANDRÔMEDA?
Hello, Kevin Sorbo como Space Hércules?
Eu via. 🙂
Mas admito que assistia por causa da Lexa Doig como Rommie.
Eu sou um verme. 😀
Eu via, adorava, e revi recentemente, não lembrava de ser tão ruim, a quinta temporada é inassistível.
Eu curto a aura de “terra inexplorada” do sci-fi Pulp, por mais que ele tenha seus defeitos. E é impressionante como essas aberturas de anime antigas são carismáticas.
Eu também. É um espaço muito imaginativo e seu apelo vem daí.
E realmente as aberturas antigas impressionavam mais, eram explosivas, coloridas, empolgantes. A música também ajudava mais. 🙂
Eu tinha uns 11 anos na época e era apaixonado por ela.
Compreensivelmente. 😀