Por Trás do Sabre: Inara

Eu vou admitir com franqueza: tive, a princípio, certo incômodo com o fato de Inara ser o mundo mais popular entre os fãs de Brigada Ligeira Estelar, por uma razão simples — ele não foi fruto de grande planejamento e nem é tão ligado às tramas centrais do cenário. Nasceu meio às pressas. Eu precisava povoar a constelação com conceitos facilmente associados ao gênero. Faltava algo? Ah, um planeta cheio de monstros. Anotado. Depois a gente explica.

Na hora do vamos ver, deixei a lógica trabalhar e veio o planeta cheio de ilhas, habitável mas relativamente instável e com monstros gigantes saindo do oceano. Com essa fragmentação, vi praticamente um One Piece com robôs em potencial — quase naquele espírito hexcrawl de ser, aonde você pode topar com uma ilha de piratas armados, ou com nobres isolados governando tiranicamente, ou com projetos secretos sendo desenvolvidos longe de olhos curiosos…

Mas ao mesmo tempo ele ficou isolado das tramas centrais do cenário e, ao ver a grande reação dos leitores, me perguntei se eu não estava falhando em engajar os leitores no gênero e a maioria procurou a associação mais fácil com um material de fantasia padrão — o famigerado “RPG é D&D”. Bem, embora isso não esteja ausente da equação, eu estava exagerando: Mecha versus Monstro é talvez a forma mais clássica do gênero em si… e eu me esquecia disso!

Convenhamos, acabar com monstros gigantes destruidores é clássico!

Talvez o gênero, em sua evolução, tenha amadurecido a ponto de nos fazer esquecer suas raízes e volta e meia precise de um Círculo de Fogo para nos chutar a canela: intriga e política são importantes mas queremos ver robôs gigantes esmagando alguma outra coisa igualmente gigante! Não é impossível introduzir ou encontrar monstros nos demais mundos mas Inara nos permite tratar tudo como um super-robô de bolso. Até mesmo para os hussardos imperiais!

Além disso, a distância dos centros imperiais e o relativo isolamento de suas tramas centrais permite uma abordagem mais amigável para quem chega agora. Se Forte Martim é o planeta mais representativo da face geral do cenário em sua natureza principal, Inara é o básico total e absoluto. Os pilotos chegam, interagem com as pessoas simples da região — e no fim do dia vão precisar enfrentar monstros ou máquinas bizarras. Não há grandes complicações.

Aqui tem monstros. Mais de um. Muito mais se bobear.

Referências Iniciais

Se a ideia é o básico, por qual motivo vamos esquentar a cabeça? Os tokusatsu mais clássicos (como os velhos Ultraman e Ultraseven) já trazem a fórmula de bolo lapidada. Recomendo, em especial, os episódios 13 e 14 de “O Regresso de Ultraman” (“O Monstro das Marés” e “A Fúria do Céu e da Terra”). Além de trazer dois monstros marinhos, mostra um problema difícil cuja resolução exige cérebro, por trás do festival de luta livre com bichões gigantes.

Para ninguém sair me chamando de velho (cof, cof), uma outra sugestão simples: Shinkon Gattai Godannar (é deste século, okay?). Ela é mais lembrada pelos seus inacreditáveis graus de fanservice mas, em sua defesa, ele parece estar mais presente em função da comédia e do senso generalizado de exagero na série. Não é a sério. Curiosamente, tantos acusaram Círculo de Fogo de plagiar Evangelion mas, no final… ele se parece mais é com Godannar, mesmo.

Godannar é divertido, tem monstrões e até uma trama sci-fi interessante (o vírus)!

Certas etapas de After War Gundam X também são uma boa recomendação. Os personagens põem o pé na estrada e sua jornada pelo oceano pacífico oferece momentos bem interessantes — prestem atenção em locais como a Ilha Saints, o Mar de Lorelei e Zonder Epta… e não percam os episódios 16 e 17, com o famigerado golfinho telepata! Gundam X é uma boa referência, especialmente se a sua ideia for viajar pelo oceano e explorar diferentes ilhas pelo caminho.

É claro, o velho desenho Laboratório Submarino (o 2020 clássico, não o 2021) é muito útil para mostrar bases subaquáticas mas, no final, fiquemos com uma sugestão de caracterização: Suisei no Gargantia. Além de ser uma série simpática e curta, mostra muito bem como podem ser as pessoas comuns (e a convivência com elas) nesse ambiente insular, ensolarado e oceânico. Aquilo tudo é muito Inara… e aqueles navios na prática são ilhas artificiais, não?

Suisei no Gargantia: sol, “praia”, churrasco, garotas bonitas, robôs gigantes…

Inara em Jogo

Novamente, aqui tudo tende a ser simples: vocês chegam ao planeta e se estabelecem em uma fortaleza (ou encaram uma jornada pelos oceanos), se envolvem com as pessoas… e encaram monstros, talvez com uma trama por trás deles, talvez não — às vezes, os monstros apenas estão no caminho e os seres humanos representam uma ameaça pior. Essa simplicidade pode se manifestar de diferentes formas, sem saturar os jogadores. Vamos examinar as possibilidades.

Aventura Submarina: uma base subaquática não é diferente de uma estação espacial. É um ambiente hostil e fechado, alvejado por terroristas e monstros…

Clássico: há uma ameaça principal e os personagens são instalados em uma ilha. Enquanto isso, se envolvem na vida local… o feijão-com-arroz do gênero.

Ficção Científica Militar: os Proscritos já passaram pelo quadrângulo negro — e chegaram a Uziel. Para a chegada das primeiras forças, basta um passo…

Bases submarinas são alvos fáceis e por isso mesmo precisam ser protegidas.

Globetrotter: vocês tem uma busca a empreender e isso os leva a uma jornada com diferentes ameaças pelo caminho — a cada ilha, uma surpresa diferente!

Pulp: ora, Inara passou pelo Grande Vazio assim como os demais planetas… vai saber quais segredos podem estar enfronhados em alguma ilha desconhecida?

Space Opera: em qualquer jornada pela constelação, Inara é uma excelente parada — e não podemos esquecer dos segredos ocultos e dos monstros gigantes…

Na verdade a opção Globetrotter oferece, virtualmente, qualquer possibilidade aos jogadores. Um momento de capa-e-espada sci-fi? Coloque uma ilha governada por um nobre tirano, cujo povo precisa de ajuda mas está isolado em meio ao oceano. Ficção científica tradicional? Faça os personagens trombarem com algum segredo inexplicável a ser desvendado. Pós-apocalíptico ou faroeste espacial? Coloque uma gangue de saqueadores à la Waterworld no caminho.

Gundam X: donzelas com capacidades especiais — e, claro, golfinhos…

Essa abertura de leque se tornou o maior apelo de Inara. Talvez em sua simplicidade ele tenha gerado um quadro em branco, capaz de ser moldado à vontade pelos mestres e jogadores. É possível inclusive criar uma ilha própria para servir de base para os personagens, com seus próprios habitantes e coadjuvantes centrais. As tramas não precisam realmente ser conectadas às tramas do Império… mas, caso sejam, isso pode ser feito sem a menor dificuldade.

No final, Inara revelou-se uma bola dentro e a ideia de um “planeta dos monstros” se tornou muito conveniente — ele oferece uma abordagem tradicional em termos de RPG. Passei a apreciar melhor seu papel em meio às referências constantes do gênero e entendo melhor seu apelo: não é preciso grandes explicações aqui para os jogadores, nós podemos falar do Império mais tarde. Talvez o tempo seja realmente o senhor da razão.

Até a próxima e divirtam-se.

Seja bacana com as pessoas na vizinhança, certo?

DISCLAIMER: After War Gundam X pertence à Sunrise, Inc.; Shinkon Gattai Godannar pertence à Anime International Company, Inc. e OLM, Inc.; Laboratório Submarino (Sealab 2020) pertence à Warner Bros. Inc.; Suisei no Gargantia pertence à Production I.G, Inc. — Imagens e menções apenas para fins divulgacionais; todos os direitos reservados a seus respectivos proprietários.

8 comentários

  1. “A maioria procurou a associação mais fácil com um material de fantasia padrão — o famigerado “RPG é D&D”.

    Olha, pelo que venho notando isso conta. E muito!

    Me parece que a fantasia medieval é uma forte magia de encantamento no imaginário popular quand on parle de RPG, RPG ni tsuite, when it comes to RPG, cuando se habla de RPG.

  2. “Mecha versus Monstro é talvez a forma mais clássica do gênero em si”.

    Do gênero mecha, consserteza! Mas não de uma pegada real robot. Assim sendo, lembro do Tropas Estelares de Robert Anson Heinlein, ao que me consta inspiração direta de Tomino sensei e seu seminal Kidô Senshi Gundam, Mobile Suit Gundam, Gundam 0079.

    Aliás, eis uma dica! Uma pegada real robot com os heróis enfrentando não monstrengões mas sim montes e montes de bichos insteoides menores e um ou outro bichão. E o grupo tem que ser sabichão pois, para vencer a infestação, força bruta não basta!

    1. Eu como desconhecia o gênero Mecha confesso que a simplicidade e o estilo “RPG D&D” de Inara me fascinaram, me ajudaram a entrar no espírito da coisa e aprender a amar os robôs gigantes kkkk. É muito mais fácil assimilar quando se tem a simplicidade da fantasia medieval com os robôs fazendo a boa de lutar com monstros. Igual aos Megazords de Power Rangers que foi meu primeiro referencial de robozão kkkkk

  3. “Não é preciso grandes explicações aqui para os jogadores, nós podemos falar do Império mais tarde. Talvez o tempo seja realmente o senhor da razão.”

    Acho que conta muito mais não o tempo longo que resulta em ensinamentos, mas sim o curto tempo combinado, os poucos intervalos disponíveis para cada membro da turma sentar e jogar RPG.

    É, afinal, uma atividade que exige PLANEJAMENTO, interseção de todos em termos de AGENDA, todo mundo DISPONÍVEL. Nem quando eu era criança era algo simples de se obter! Quem me dera fosse tranquilo juntar uma turma para empreender longas campanhas, construir narrativas épicas e compor epopeias!

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