Por Trás do Sabre: Forte Martim

Para mim, como autor, todo cenário de RPG deveria ter sua “área quintessencial” — um rosto da ambientação usado para introduzir princípios gerais e expectativas fundamentais para jogadores iniciantes. É a Cormyr de Forgotten Realms na era do AD&D, a Ferelden de Dragon Age, a Baviera de Castelo Falkenstein e esse papel, em BRIGADA LIGEIRA ESTELAR, sempre foi reservado ao planeta Forte Martim* — o primeiro mundo criado e o mais detalhado até agora.

Dele veio Bento Marabá — futuro protagonista de Batalha dos Três Mundos (já tem o SEU?) — cuja primeira aparição foi na revista Dragonslayer. Dele também veio a aventura inicial A Serviço da Princesa-Regente (no livro original para 3D&T Alpha — AQUI). A principal organização terrorista do Sabre, a TIAMAT, também surgiu por lá. Ele não é o “mais importante” e nem é a capital mas concentra conceitos clássicos e é um cartão de visitas para o leitor.

Forte Martim tem tudo: intrigas de nobreza (e uma princesa a ser protegida), tramas herdadas do capa e espada, focos de combate… só faltou um detalhe: mesmo ligado à trama da invasão proscrita (graças à tese do Invasor Zero), esse mundo estava longe da frente de combate e lhe faltava um inimigo com uma face — algo ou alguém capaz de exigir esforço e prontidão constantes, eventualmente levando-os a batalhas espaciais. A TIAMAT foi criada por isso.

Invasor Zero: retendo elementos da tecnologia proscrita, a aristocracia regional
conseguiu segurar por anos a interferência imperial. Arte de Eudetenis.

Referências Iniciais

Elementos oitocentistas (remixados ao contemporâneo ou futurista) são um clássico do gênero e uma das inspirações para Brigada foi o Período Regencial (1831-1840), assim como tantos animes e mangás se inspiraram na era Sengoku japonesa ou no período chinês dos Três Reinos. Forte Martim toma o básico como seu ponto de partida. Ele não potencializa o particular como os demais mundos, mas o geral — e, assim, tais elementos estão mais evidentes nele.

Essa decisão me levou a orbitar seus eventos em torno de uma coadjuvante:a Princesa-Regente Adelaide D’Altoughia. Ela não é voltada ao combate mas move as massas como um símbolo**. Através de sua trajetória, compreendemos este mundo — e Adelaide tem dentes para morder: recursos como a Estação Dâmocles*** e seu uso da Brigada Ligeira Estelar a engajam em uma guerra ainda existente, agora no campo do poder político e das ações de dissensão armada.

O gênero está cheio de personagens com esse perfil**: de Euphemia de Code Geass e Asseylum de
Aldnoah Zero a Relena (acima), Dianna, Lacus e Kudelia em diferentes séries Gundam.

Essas tramas não estão aqui à toa: são um instrumento para trabalhar os aspectos políticos do gênero real robot — e, se aristocratas armados e forças militares cooptadas pelo inimigo não forem o suficiente, há uma milícia gigante a ser destruída. Quanto às referências… bem, a busca pelo básico tende a abrir excessivamente o leque do mestre e isso pode diminuir seu foco. Nesse caso, quanto menos fora da curva melhor: o clássico é o mais garantido.

Gundam F91 é um longa feito das sobras de uma série abortada, sim, mas traz o real robot na sua face mais tradicional. Para quem prefere material mais acessível, na Netflix há Gundam Unicorn e Robotech: embora a segunda fase (Robotech Masters) seja… problemática, seus episódios iniciais (37 e 38) são um divertido apanhado de clichês. A ideia não é dialogar diretamente com algum aspecto em especial como nos demais mundos: é turbinar o fundamental.

Conta pontos para isso o fato de parte do ep. 37 de Robotech recontar a história
desses dois — que, vista em retrospecto, é ridiculamente swashbuckler…

Forte Martim em Jogo

Forte Martim é cheio de problemas e, em RPG, isso é ótimo! Esse planeta puxa um conceito narrativo central por trás de Brigada Ligeira Estelar — o de lutar para proteger algo importante, e não para destruir ou conquistar algo — e há um pouco de tudo: querelas de fundo político, passados traumáticos gerando ódios mal-resolvidos, uma mega-milícia terrorista com financiadores e simpatizantes entre a nobreza local… isso dá margem à várias abordagens:

Capa-e-Espada Espacial: lute com o seu robô em nome da princesa-regente, valente hussardo! Prepare-se para reviravoltas dramáticas… e duelos de sabre!

Conspiração: Forte Martim é alvo do interesse Tarsiano, agindo nas sombras para desestabilizá-lo. Preparem-se para enfrentar mercenários corporativos…

Ficção Científica “séria”: quais os segredos da possível tecnologia proscrita oculta por nobres Martinenses durante anos? O… que… estamos enfrentando?

E sim, não esquecemos do lado “espacial” da equação —
ainda mais quando há um sistema solar inteiro envolvido!

Folhetinesco: Forte Martim já foi usurpada por uma junta. Há rancores, vinganças… e quem queira trazer tais horrores de volta. Espere tons dramáticos.

Military Commando Action****: sem meias-palavras, pense em Counter-Strike com robôs gigantes contra o inimigo — A TIAMAT, aliás, é perfeita para isso…

Space Opera: procurando batalhas espaciais? A Guarda Regencial tem sua própria frota de naves e existe todo um sistema solar para a TIAMAT se ocultar…

A trajetória dos D’Altoughia como clã e a retomada de suas posses, descrita em A Constelação do Sabre, Vol. 1 (AQUI), é um exemplo desse último aspecto. Forte Martim traz vários focos de combate para a Brigada Ligeira Estelar, especialmente quando a Princesa-Regente não pode confiar na própria guarda — e ainda assim, cabe o arquétipo clássico do piloto novato tocando sua vidinha enquanto a próxima ameaça não vem. Temos muitos ganchos de aventura.

E lembrem-sempre, caros leitores: tudo o que começa fora de um robô gigante,
termina sempre dentro de um — e de forma explosiva!

Por fim, pode parecer estranho fazer dele um mundo culturalmente lusófono — e justamente no local mais conceitualmente clássico do cenário. Como dito, Forte Martim foi o primeiro planeta a ser criado no cenário e esse desenvolvimento foi natural. A inspiração inicial de Brigada no período Regencial (quando o país lutava contra a balcanização) me levou a essa direção, mas quantas vezes não vimos esse tipo de abordagem nas animações japonesas*****?

Modelar cenários em diferentes países nunca impediu os japoneses de colocarem nomes nipônicos em seus protagonistas — eles sabem quem é o seu público. Se vocês acham isso uma bobagem, vamos dar um exemplo bem-sucedido e próximo de nós: Holy Avenger. Temos um mundo de fantasia cheio de personagens exóticos e nomes como, sei lá, Vladislav Tpish… mas o foco são dois personagens chamados Sandro e Lisandra. Pegaram a ideia?

Até a próxima e divirtam-se.

Preste atenção aos cenários de fundo: quantas vezes os japoneses
modelam suas ambientações em cenários europeus, mesmo com personagens locais?

* Não é Forte Martin (Paroxítona, como se pronunciássemos em inglês) — é Forte MARTIM (Oxítona e com M no final), por favor! Pronuncia-se de forma similar a Ibrahim, Marfim, Bonfim…
** É um arquétipo típico do gênero e o RPG Déloyal, do Jorge Valpaços, tem um nome para ele: Miss Savage. Elas podem ser bem diferentes entre si — compare o doce pacifismo de uma
Euphemia Li Britannia com o pragmatismo seco de uma Dianna Soreil, capaz de executar uma pessoa caso seja preciso.
*** Da aventura
“A Serviço da Princesa-Regente”, do primeiro livro de Brigada Ligeira Estelar.
**** Pense em
“Comandos em Ação”. Falamos um pouco disso AQUI.
***** É comum ao ponto de nem repararmos mais: basta lembrar do visual claramente russo de
Overman King Gainer, inspirado no Velho Oeste estadunidense em Combat Mecha Xabungle ou os elementos venezianos em Aquarion Evol. Nesse sentido, os elementos luso-brasileiros de Forte Martim não são realmente estranhos ao gênero. Eles adicionam cor ao material.

Dessa vez ficarei devendo os créditos da imagem de topo — não sei de onde ela veio. Se alguém me der o toque, agradeço.

10 comentários

  1. Parece que a imagem de topo é do anime Arcana Famiglia. A ambientação é nesse mesmo estilo de “europa niponizada”, especificamente da Itália (anime de máfia, afinal), mas eu não recomendo como referência além do visual. É um anime BEM chinfrim.

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