Certa vez, em alguma comunidade do facebook, alguém ironizou quanto ao uso do nome hussardo: “ah, puseram esse nome para não usar ranger em inglês” — e saí do silêncio para esclarecer as coisas. Primeiro, essa é uma ideia absurda: não há nenhuma ligação entre os dois conceitos. “Ranger”, para mim, se encaixa melhor em um faroeste, não em um cenário medieval. Se eu traduzisse o termo, usaria o Rastreador do RPG Tagmar. Não é perfeito mas funciona.
Segundo, os robôs de combate em Brigada Ligeira Estelar são inspirados na estrutura da cavalaria clássica, como no tempo das guerras lutadas a cavalo: tropas de hussardos (hussards) eram usadas para ataques de assalto, lanceiros para ataques de carga, caçadores para missões de busca e rastreio, carabineiros para baterias de tiro à distância, couraceiros para forças de cavalaria blindada (sim!) e dragoneiros como tropas montadas de armamento leve.
Procuro trabalhar suas versões futuristas da forma mais próxima possível às suas inspirações iniciais — jamais usaria o nome “Hussardo” em um robô furtivo apenas porque “Lanceiro” é um termo mais entendível e não seria conveniente colocar funções redundantes para diferentes tipos de robô de combate. O Hussardo era um soldado de elite, sempre na frente das batalhas, abrindo o caminho a cavalo contra seus inimigos com um sabre — e ele tem tradição!

com o surgimento dos Hussardos Alados!
O Hussardo Original
O termo original veio da Hungria pós-medieval (a primeira leva foi criada em 1481) e definiu unidades de cavaleiros com armadura, armados até os dentes com lanças, espadas, maças e o diacho. O modelo se espalhou pela primeira vez no continente e, na Polônia, eles adquiriram características particulares: foram recrutados os melhores guerreiros da Europa para essas tropas e pela primeira vez se levou em conta o impacto psicológico sobre o oponente.
Além de absurdamente armados, suas armaduras passaram a trazer asas nas costas para impressionar o inimigo quando de sua chegada. Com o tempo conseguiram a reputação de melhor cavalaria da Europa, gerando a expressão “à la hussarde” em francês lá pela década de 1750 — descrevendo atos brutos, diretos ao ponto e sem delicadeza nenhuma. Entretanto, até essa altura, a natureza da guerra mudaria completamente e os Hussardos não seriam mais os mesmos…

na nova leva. “Somos vilanescos?” “Não, imagina…”
Corta para a era Napoleônica. Os Hussardos — especialmente os poloneses — já eram mais folclore, mas a Prússia de Frederico o Grande teve grandes resultados ao criar uma unidade homônima no século 18 para o mesmo papel de forças de assalto. O ativo simbólico contou e todo o continente passou a ter unidades Hussardas, com uma virada inesperada: eles recriaram a lenda. Hussardos usavam trajes… extravagantes para marcar sua chegada? Façamos o mesmo!
Daí os uniformes cheios de botões e decorações douradas. Daí a peliça sobre o ombro (tecnicamente, usada para proteger o braço de golpes de espada). Cabelos compridos presos em rabos-de-cavalo, tranças nas têmporas e bigodões eram liberados para valorizar o aspecto de “guerreiro lendário” quando o padrão já era o cabelo curto e o rosto barbeado. Por fim, se parecer com um hussardo não bastava — era preciso agir como um. Aqui chega a melhor parte…

dos hussardos originais. Em todos os sentidos — para o bem e para o mal…
Hussardos adotavam uma persona intensa: hoje é impensável imaginar uma força militar composta apenas dos tipos mais impulsivos e indisciplinados, doidos para puxar o sabre por qualquer coisa — de abrir gargalos de garrafa até os inevitáveis duelos — mas a versão repaginada dos Hussardos deu muito, muito certo! Eles eram vistos até pelo generalato como gente com um parafuso a menos… mas também como os soldados mais valentes e corajosos em combate!
Embora seu auge tenha sido durante a Era Napoleônica, eles foram presentes durante todo o Século XIX e só sairiam do mapa com a Primeira Grande Guerra — a mecanização do combate simplesmente pôs a cavalaria para escanteio. Mas se firmaram na cultura popular e a figura do “Hussardo Audaz” se tornou parte integrante da literatura clássica de aventura (RPGs como Castelo Falkenstein trazem essa versão evoluída do arquétipo). Podemos voltar ao futuro…
a romantização do “hussardo audaz” ao longo dos séculos XIX — e XX por tabela.
O Hussardo Espacial
Os Hussardos faziam parte dos corpos de Cavalaria de Brigada Ligeira, ao lado dos Lanceiros e Dragoneiros (ou Dragões. Lembram dos “Dragões da Independência”?). Meu conceito inicial era simples: em um futuro distante, quando a humanidade estivesse sob risco, a lenda dos maiores guerreiros da Terra seria ressuscitada mais uma vez. E assim como os hussardos napoleônicos recriaram a mítica do hussardo original, a Constelação a recriaria… a seu modo.
E esse modo, claro, envolve robôs gigantes. Desde o primeiro livro, de 2012, usamos o conceito de Cavalaria Mecanizada. Não vou fingir: me inspirei no Gundam, sim, mas não como vocês pensam. Se vocês olharem o Gundam RX-78 original, reparem: ele é a versão futurista de uma armadura samurai. Duvidam? Olhem bem a cabeça: está tudo lá — o capacete com proteção lateral e ornamento na testa, o faceplate na frente do “rosto” deixando os olhos à mostra.

dá até para encontrar mais similaridades.
Basicamente eu faria o mesmo a partir de um traje hussardo. A minha ideia inicial foi partir da armadura medieval para o robô gigante e da versão napoleônica para os pilotos, mas isso caiu por terra quando percebi que, por vias tortas, a armadura acabaria remetendo demais ao Gundam até por soluções comuns usadas por eles e pelos samurais. Eles tinham inclusive faceplates e isso foi uma grande inspiração para o “bigodão” do robô hussardo imperial.
Assim parti do hussardo oitocentista como base e isso levou à cabeça tubular — com o tempo, uma marca registrada do cenário. Os designs não foram unanimidade e levaram tempo até se estabilizarem mas era fundamental preservar sua natureza conceitual: robôs de combate precisam trazer um ativo simbólico. Se eu embarcasse na ideia de máquinas de aparência utilitária — como algumas vozes na internet preferiam — a alma do cenário seria ferida de morte.

precisavam de uma identidade visual heróica. Arte de Eudetenis — veja-a completa AQUI.
Por fim, através de nossos pilotos hussardos em robôs gigantes, há uma conciliação entre o real robot e um conceito ligado aos animes de super robot, mas usualmente desconstruído pelas gerações seguintes de animadores do gênero: o Nekketsu. Falamos do sangue quente, da paixão furiosa, do entusiasmo ansioso — na vontade intensa, enfim. Isso acabou mais associado aos animes e mangás de luta ou de esportes mas é um princípio absolutamente… hussardo.
E Brigada Ligeira Estelar, como já dissemos ANTES, é reconstrutivo em essência. Encare como nosso nicho de identidade no gênero. Claro, comprando o livro o cenário é seu — mas, em meu humilde papel de criador, não vejo a Constelação como um local para se chorar a derrota. Caso ela venha, o próximo passo é se levantar, vestir suas peliças — e puxar seus sabres para a revanche. Ser hussardo é ter hombridade. Com ou sem robôs gigantes.
Até a próxima.
Imagem do topo trazendo o novo visual dos robôs Hussardos. Arte por Wal Souza.
Vou pegar a expressão “à hussarda” pra mim ahuahauhau
Interessante o conceito dos hussardos armados até os dentes. Poderia ser uma resposta à variedade das Quimeras. Se o sabre não funciona, tente a lança, ou a maça, ou a foice-laser, etc.
Um dos poucos textos em que eu não comentei e um dos que mais explicam a carga simbólica do cenário. Agora quero ser um Hussardo Audaz de sangue quente