O tema de um “reino de mercenários” está comigo desde os tempos nos quais eu tinha maiores interesses em fantasia medieval. Ele veio graças à figura de Kashue, o rei mercenário de Record of Lodoss War. Quando topei com a figura dos Condottieri, nobres que alugavam suas tropas a serviço de quem lhes pagasse mais (notadamente papas e outros monarcas. Seu preço era mais alto, afinal), o conceito de “reis mercenários” passou a fazer sentido para mim.
Com isso, os condottieri passaram a ser uma constante nos meus conceitos pessoais de fantasia — e, quando criei Brigada Ligeira Estelar, com seus elementos de capa e espada, trazê-los foi um processo natural. Eles poderiam ter se tornado um elemento pontual, com nobres em toda a constelação desempenhando o papel — mas aí meu cérebro começou a coçar com a ideia de um planeta dos mercenários. Um conceito capaz de fracassar caso fosse mal executado.
A solução veio de mercenários diferentes: os Reisläufer, hoje conhecidos como… Mercenários Suíços*. Aí veio meu toque de ironia: o nome de seu mundo seria… Gessler**. Isso me deu um contexto — este mundo foi domínio de Albach e seus habitantes se tornaram guerreiros para expulsá-lo, iniciando a decadência de sua ex-metrópole… e mergulhando em guerras civis a seguir. Ao final delas, o que essa gente tinha a oferecer para se reconstruir?
Guerreiros.

uma coalizão de grupos mercenários responsáveis por 20% da economia do país?
Referências Iniciais
Mas eu precisava oferecer algo mais contemporâneo e adequado para o contexto sci-fi de Brigada Ligeira Estelar além dos Reisläufer do futuro. Novamente, a Suíça me socorreu: ela se tornou um país isolacionista e pacífico… no qual todo cidadão é militar. Eles precisam passar menos de duas semanas por ano no exército (na verdade, 365 dias parcelados ao longo de trinta anos) e levam sua arma para casa***. Hoje, ela é mais famosa como paraíso fiscal.
Essa justaposição de dois momentos históricos da Suíça rendeu algo novo no processo, mas me restava uma questão: qual elemento sci-fi da animação japonesa poderia retratá-lo e enquadrá-lo no universo de Brigada Ligeira Estelar? Bom, fora do planeta a resposta é óbvia — eles são personagens de ficção científica militar, com algum código de honra em seu comportamento para despertar empatia. Deixei a animalidade para os mercenários corporativos****.

e isso não passa de um nome com menos conotações negativas para mercenários.
Mas e dentro do planeta? Como gerar aventuras e quais seriam boas referências? Bom, Gessler seria um bom mundo para se viver, mas com um preço horrível por essa qualidade de vida — apesar de suas diferenças, pense espiritualmente no mundo da segunda temporada de Gundam 00***** (ou em Megazone 23******). Só pense: é um mundo aonde todos são treinados para pegar em robôs gigantes ou em fuzis no caso de emergência, independentemente de seu trabalho.
Isso puxa um contexto de Pós-Cyber, como Albuquerque, mas sem o peso do capa-e-espada. Ele é mais atual para nós, como esperaríamos de uma zona desenvolvida, com tecnologia no dia-a-dia e muita segurança. Active Raid e o segundo longa de Patlabor podem ser úteis — mas sempre é possível se infiltrar nesse mundo e combater sua indústria da morte. A abordagem aqui seria parecida com Gundam Wing… e logo, os personagens são terroristas, sem discussão.

campanha do tipo, os personagens se verão com essa questão a responder.
Gessler em Jogo
Basicamente Gessler é um nome com presença no exterior mas com vulnerabilidades dentro dele e isso traz várias possibilidades em termos de inimigos. A princípio, é difícil considerar esse mundo como vítima quando ele exporta mercenários para diferentes planetas — e se tornou rico por isso. Mas nós temos pessoas comuns, tocando suas vidas à parte, e subitamente recebendo dedos apontados dos demais mundos (“você é parte disso”). É realmente… justo?
Agentes da Lei: o dinheiro circula em Gessler. Talvez ele represente um alvo a se proteger. Talvez ele esconda coisa pior — e isso termine em combate…
Contraterrorismo: os personagens combatem pessoas infiltradas no planeta para causar danos e arriscar vidas civis. Porém, estas tem razões até justas!
Mercenários: o mais fácil. Todos são Gesslerianos, todos são mercenários e formam um time de pilotos, viajando pela constelação de serviço em serviço.

eram mercenárias subcontratadas pela Anaheim Electronics, ainda na ativa.
Espionagem: um mundo como este não mantém influência sem preservar segredos sombrios e, eventualmente, os personagens podem ser envolvidos nessa rede…
Space Opera: mundos como este tem sempre alto desenvolvimento em tecnologia. Isso pode ir para o caminho da super-ciência… e claro, trazer uma ameaça.
Terrorismo: é o outro lado da questão. Se pessoas perdem famílias por causa de mercenários e as autoridades nada fazem, impedi-los é mesmo terrorismo?
É claro, nem todo mundo em Gessler é mercenário. A grande maioria não é — mas, provavelmente, um gessleriano fora de seu planeta o será. A solução mais prática é um mercenário a serviço de um nobre, envolvendo-se com os demais personagens por tabela ou uma campanha aonde todos são mercenários, pertencentes a um mesmo time e viajando pela Constelação de acordo com o serviço da vez. É uma das formas mais fáceis de se tocar uma campanha, na verdade.

todos dependem um dos outros para permanecerem vivos.
Para Terminar
Curiosamente, Gessler herdou um restolho de meus velhos cenários de fantasia medieval: a minoria Ghaspvelm******* surgiu como um reino mercenário de vaga matriz basca, com uma língua impenetrável à parte dos demais reinos. Mas o cenário bebia muito dos velhos videogames japoneses do gênero (Dragon Quest, Lunar: The Silver Star Story, essas coisas) e eles acabaram se tornando caricatos. Passei a gostar deles por isso e os trouxe para o lado de cá.
Gessler, quando olhado para dentro, puxa temas sérios para o centro do palco — a relação entre guerras e economia, o quanto o bem-estar de um país vem do prejuízo de outros — e esse tipo de discussão sempre foi levantada pelo real robot********. Porém, um pouco de humor não faz mal e esse tipo de particularidade ajuda a trazer… personalidade. Levando em conta o nó criativo por trás de sua origem, acho que este mundo não se saiu mal.
Até a próxima.

ninguém é herói, considere um tom de campanha árido.
* Os Mercenários Suíços surgiram nos fins da Idade Média e tiveram sua era de ouro durante o renascimento. Contingentes inteiros deles, já treinados e armados, eram obtidos simplesmente contratando seus governos locais, os vários cantões suíços: eles operavam sob um sistema de milícia no qual os soldados eram obrigados a servir, sendo treinados e equipados para isso. Tinham históricos impressionantes de vitória e não faziam prisioneiros. No entanto, a ascensão da artilharia começou a colocá-los em desvantagem e a própria Suíça ganharia outro perfil como nação. As alianças militares dos quais esses mercenários se beneficiavam cessaram em 1848 e, no final, a Constituição Suíça de 1874 proibiu o recrutamento de cidadãos suíços por países estrangeiros, encerrando assim a sua existência.
** Albrecht Gessler, governador da suíça em nome dos austríacos, foi o arqui-vilão da saga do herói mítico Guilherme Tell (aquele da flecha na maçã, lembram? Okay, okay, admito que minha referência para o personagem foi o seriado europeu exibido pela saudosa Rede Manchete em tempos muito idos). No cenário, Gessler foi um mundo dominado e nomeado pela autoridade colonial do planeta Albach, e esse nome é uma lembrança perpétua de seu passado.
*** Aviso: sem discussões sobre defesa de porte de armas por aqui, por favor. Não é lugar para isso.
**** Não estou dizendo que os mercenários de Gessler sejam santos. Eles podem ser contratados pelas mesmas corporações, inclusive — matar fria e profissionalmente, sem selvageria, ainda é matar. Se aceitarem o contrato, o cumprirão à risca, nada mais, nada menos. Eles ainda podem ser oponentes para personagens heroicos.
***** Na segunda temporada de Gundam 00, temos uma nova ordem e o mundo até parece melhor do que antes — mas só parece: essa ordem é mantida através de atos ditatoriais.
****** Esse é o MAIOR spoiler da série, então leiam por sua conta e risco: os personagens estão em uma realidade virtual dentro de uma nave espacial. E isso quatorze anos antes de Matrix!
******* Ver A Constelação do Sabre Vol.1, página 62. E antes de qualquer um perguntar… não, não espere aspectos mágicos ou divinos aqui só porque o conceito veio e foi adaptado de um cenário de fantasia!
******** Talvez o melhor exemplo em um material clássico e seminal seja Zeta Gundam, aonde se escrutina o papel da iniciativa privada nas guerras (via Anaheim Electronics).
Dúvida: ok, Gessler é um planeta que vende serviços de seus mercenários como principal fonte de renda.
Existe alguém a nível de nobreza ou governo interessado em mudar essa estrutura econômica? A postura privada do Gessleriano comum é “eu apoio e não tenho problema sobre nossa estrutura econômica” ou existe um incômodo não externado? Gessler consegue sempre se vender internamente como o herói de sua própria história? (Sim, eu entendo que terroristas em Gessler podem surgir do próprio povo, essa pergunta é mais sobre a população como um todo)
E vale dar para Gesslerianos Má Fama temporária em contatos sociais, (até o “amigo do deixa disso” conseguir falar alguma coisa) quando saem de seu planeta de origem? : p
Bem, pense: hoje Gessler é, talvez, o planeta do Sabre com o melhor padrão generalizado de vida. Após séculos de dominação e mais alguns séculos de guerras civis, eles querem com certeza manter essas benesses (historicamente recentes), e com toda razão. Mas reflita: a grande maioria dos habitantes desse mundo vive muito na deles, apesar daquela arma de energia e daquele uniforme guardados no sótão em caso de guerra. Talvez eles sejam meramente lenientes até o momento no qual os dejetos batem no ventilador. E claro, sempre vai ter um indivíduo para se contrapor a isso, mas sempre teremos esses fantasmas: temos uma estrutura social muito bem amarrada. Querem colocá-la à perder?
Quanto aos Gesslerianos, essa regra opcional é válida.
Gostei das perguntas levantadas pelo planeta.