A Campanha Astropunk

Pessoalmente, acho a tendência das últimas décadas de, para definir um gênero qualquer, colocar um “punk” na frente de algum termo… um desserviço. Nada contra o Cyberpunk: ele começou a trend e o punk tinha razão de ser em seu contexto. O Steampunk também veio como um acidente: William Gibson, pai do Cyberpunk*, aplicou o ethos desse gênero à era vitoriana em sua obra “A Máquina Diferencial”** e sem definição melhor, os críticos cunharam o termo.

Mas depois disso,“punk” virou um gimmick***: qualquer coisa misturando alta retro-tecnologia a algum ponto do passado, para fins de apelo estético, ganhou esse sufixo. Clockpunk****, Stonepunk*****… e depois disso, virou bagunça. Já repararam na contradição em termos de Hopepunk******, com voltas e voltas para justificar tematicamente essa junção capenga? Porém, às vezes, o “punk” faz sentido.  E isso nos leva a ESTE artigo do blog Neon Dystopia.

Ele sugere a ressignificação de um termo mal definido, Astropunk (digite isso no Google e você vai encontrar imagens sci-fi retrôs) para a space opera sombria e mais realista surgida a partir de Alien, o Oitavo Passageiro. E realmente é justo considerar esse o marco da ruptura ao invés de tratá-lo como um Proto-Cyberpunk passado no espaço, além de sintetizar melhor o conceito de “Space Opera Especulativa”, definição preferida por algumas pessoas.

A Contraxia de Guardiões da Galáxia 2 é um excelente
exemplo dos
bueiros que o espaço pode esconder.

O articulista Shadowlink (infelizmente eu ignoro seu verdadeiro nome) aponta uma “corrupção” da space opera pelo Cyberpunk e propõe o Astropunk como um “gênero irmão”, ao invés de colocá-lo no mesmo balaio de gatos do primeiro gênero. É o High Tech, Low Life******* no espaço e, pensando bem, sua tecnologia não é tão alta assim. Quem olha o Millenium Falcon de Star Wars como uma banheira jamais pôs os pés na Nostromo de Alien, o Oitavo Passageiro.

Mas há mais. Temos corporações, tecnologias limitadas, ciborgues, andróides, inteligências artificiais, modificações genéticas e uma certeza amarga: o futuro veio e não foi bom para todos… mas precisamos sobreviver, não é? Essa visão se espalhou pela ficção científica desde então: nada foi exatamente o mesmo a partir daí e mesmo os mais otimistas exemplares do gênero tendem a enfiar algum elemento dessa abordagem na sua busca por verossimilhança.

Você não está em uma das naves reluzentes da space opera
clássica. Os ambientes podem ser opressores.

E qual seria seu diferencial para a Ficção Científica Clássica em abordagens mais modernas? Sua aproximação com o ethos sombrio do Cyberpunk — e a certeza de se encontrar, no meio do caminho, algo além de nosso controle e contra o qual temos pouca esperança de sobreviver. É a “new space opera” de The Expanse, é a Marte desesperançada da terceira série em mangá de Battle Angel Alita, são os caçadores de recompensa de Cowboy Bebop… mas há bem mais:

Tom Árido (Aventuresco no máximo): “no espaço, ninguém ouvirá você gritar”, lembra? Morrer é relativamente fácil — bonzinhos e trouxas tem vida curta.

Pé no Chão: dificilmente os personagens contarão com vastos recursos ao seu alcance, mesmo se a ameaça chegar a uma escala épica — é preciso se virar.

Classe Operária: os personagens em geral estão na base da pirâmide social. Eles não tem como vencer, à princípio, o poder do dinheiro e da influência.

The Expanse: tudo começa com o equivalente local ao trabalhador
braçal e vira uma saga épica sobre os rumos da humanidade.

A Autoridade: grandes corporações? Políticos? Militares cooptados? Frequentemente seu poder e interesses estão no caminho de todos — e só para piorar…

Brincando com Fogo: …eles costumam ter interesse político e financeiro na ameaça desconhecida — pavimentando o caminho para alguma tragédia anunciada.

O Desconhecido: não espere por algo bonitinho nem de coração aberto para a humanidade e, muitas vezes, o perigo patina pelo terreno do horror cósmico.

No cenário de Brigada Ligeira Estelar, o planeta Altona (com sua inspiração remetente à Metal Hurlant e à influência dela nos animes sci-fi dos anos 80 e 90, além de ameaças mal explicadas como o Criptofator) — provavelmente é a opção mais óbvia mas não descarte colônias de povoamento, ou exploração, em asteroides terraformados ou colônias espaciais. Cidades em mundos inabitáveis como Átrida Sete são excelentes locais para esse tipo de abordagem.

OAVs dos anos 80 e 90, sob a influência francesa da revista
Metal Hurlant, são ótimas referências nesse sentido.

As coisas deveriam ser difíceis para os personagens: um piloto da Brigada Ligeira Estelar pode se ver em uma colônia na fronteira espacial, tornando-o um potencial intrometido aos olhos dos figurões locais, e as autoridades imperiais estão longe de ter poder verdadeiro por ali. Um jovem removedor de detritos espaciais pode atrair a atenção de gente perigosa. Pessoas são marcadas para morrer. Tudo pode dar errado e as cartas não estão a seu favor.

E esse é o lado punk da coisa: não importa por onde você olhe, vai olhar de baixo para cima contra quem é maior, mais poderoso e mais bem-armado (boa pedida para um faroeste espacial, aliás). Mesmo no caso de seu protagonista pensar ter alguma voz de autoridade, no final ele é café pequeno, o mundo ao seu redor não é dos melhores e as viagens espaciais não trouxeram a tão sonhada utopia para ninguém. Hora de por a mão na massa, não?

Até a próxima.

No espaço, o que você pode encontrar
não vai ser nada agradável…

* William Gibson escreveu Neuromancer primeira parte da Trilogia do Sprawl, mas o nome do primeiro livro é quem foi guardado no imaginário dos fãs de ficção científica. Publicado no Brasil pela Editora Aleph.
** Também de Gibson, em parceria com Bruce Sterling. Igualmente publicado no Brasil pela Editora Aleph.
*** Um Gimmick é um conceito projetado para aumentar o apelo de um produto vendável, mas com pouco valor em si. É um modo de se fazer um produto se destacar entre a concorrência (como as capas cromadas dos quadrinhos de super-herói nos anos 90, alguém ainda se lembra?).
**** Clockpunk é como o Steampunk, mas na Renascença ao invés da Era Vitoriana. Pensem naquela desastrada versão de “Os Três Mosqueteiros” com dirigíveis (2011).
***** Stonepunk é retrotecnologia na… Idade da Pedra. É, eu pensei na mesma coisa que vocês certamente pensaram. Mas não pretendo comentar isso aqui.
****** Não me entendam mal: não tenho nada contra visões mais positivas e menos pessimistas na ficção científica — Star Trek é (ou deveria) sobre isso, aliás. Eu mesmo vejo Brigada Ligeira Estelar como aquele ponto no qual precisamos lutar para termos um futuro digno, e isso não é possível sem esperança. Mas obras assim, embora não estejam em alta, sempre existiram sem a necessidade de um rótulo que, se lido ao pé da letra, foi enfiado a fórcepts e nem faz tanto sentido.
******* Alta Tecnologia, Baixo Padrão de Vida: um dos mantras do Cyberpunk.

DISCLAIMER: Guardiões da Galáxia e Aliens são propriedades intelectuais da Walt DIsney Pictures; The Expanse é propriedade intelectual de Daniel Abraham e Ty Franck, via Alcon Entertainment LLC e Amazon Studios; Megazone 23 é propriedade intelectual da Anime International Company, Inc.; Lily C.A.T. é propriedade de Pierrot Co., Ltd. Imagens para fins jornalísticos e de divulgação, sem infração de direitos autorais.

7 comentários

  1. No espaço, ninguém pode ouvir os jogadores chorando bônus. Pensando bem, os Leviatãs são um tipo de criatura muito astropunk. A própria infraestrutura que permite a sobrevivência espacial, mas tão distorcida e faminta por recursos quanto a corporação que te mandou pra lá.

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