Depois de uma longa sequência de artigos sobre tons narrativos de campanha, achei melhor relaxar e pensar nas minhas próximas sessões de jogo no mundo real (fechamos a sessão 14 de 26). Infelizmente tivemos duas debandadas ao longo desse tempo (uma no começo, outra mais recente) e como eu opero com um quorum mínimo na mesa — com menos de três jogadores, não tem sessão: cada falta eventual prejudica a campanha. E enquanto buscamos novos jogadores…
Sim, há sempre o espectro de trazer uma dor de cabeça para a mesa. É importante não deixar de verificar o perfil do futuro jogador, especialmente quando ele é sugerido ou indicado por alguém. Mas sempre há um lugar no coração para qualquer um em campanhas de BRIGADA LIGEIRA ESTELAR… mesmo sendo aquele cantinho negro e cheio de ódio. Por isso, vamos buscar alguns paradigmas para os piores tipos de jogadores dentro dos animes de mecha. Divirtam-se!
O Edgelord

como são “demais”… mas, convenhamos, em Gundam Wing eles estão em casa!
Vocês o conhecem. É aquele personagem “malvado”, sempre durão e totalmente refratário ao time de jogadores. Ter um personagem ranheta e inicialmente desconfiado é uma coisa (isso pode render bons momentos de interpretação). Outra coisa é lidar com uma combinação insuportável de agendas próprias, anti-socialidade e, muito pior, incapacidade de trabalhar em grupo. O Edgelord passa por cima de todos e tenta justificar isso com um discurso “radical”.
Nos animes: Chang Wu Fei, de Gundam Wing. Ele jamais se integra realmente, tem acessos de raiva quando é contrariado, despreza fraquezas, não se importa com as opiniões dos demais — e chega ao extremo de, no OVA de encerramento da série (Endless Waltz), destruir seu Gundam à parte enquanto os demais fazem isso em conjunto. É sem dúvida o personagem mais inútil em Gundam Wing: se ele não existisse, a série não seria alterada em absolutamente nada.
Como lidar com um Wu Fei na sua Mesa? Podemos tentar integrá-lo ao time, fazê-lo beber com os demais, superar suas desconfianças… mas o Edgelord, que precisa manter a sua fama de mau, é capaz de beber em seu canto enquanto os demais interagem: ele faz questão de estar à parte da equipe. Nesse caso só resta fazer o jogador cair em si e pedir outro personagem para ele — e, se o infeliz não topar, tchau e um abraço. É chato, eu sei, mas fazer o quê?
O Floquinho de Neve

Isso também se aplica a essa moça sem-noção aqui.
Esse não se contenta em ser especial dentro dos parâmetros estabelecidos para todo mundo — ele quer ser único: se todo mundo for especial, ele vai querer ser normal. O Floquinho de Neve é o sujeito que joga com um cavaleiro medieval europeu tirado do nada em uma campanha de Lenda dos Cinco Anéis, representando um problema para a honra dos companheiros. É o cara que pode não jogar com um piloto em Brigada Ligeira Estelar apenas para ser diferente.
Nos animes: Carta Issue, de Gundam: Iron-Blooded Orphans. Uma adversária heróica e folhetinesca, só que no anime errado. Pense em um piloto hussardo de Annelise, em Brigada Ligeira Estelar, transplantado para uma campanha de Votoms RPG (o mestre de jogo avisou e o jogador nem ligou…). Ah, sim: no anime a personagem está lá para desconstruir clichês do gênero. Um Floquinho de Neve a criaria apenas para ser especial — e Carta é o próprio Floquinho.
Como lidar com uma Carta na sua Mesa? Uma personagem alheia à realidade poderia ser interessante mas aqui não há esse distanciamento crítico: o Floquinho só quer impor sua própria narrativa. Por sorte, esse anime nos mostra como lidar com personagens assim: entreguem-os às consequências de seus atos. Poderia ser pior caso ele preferisse um personagem não-piloto, exigindo do mestre um eixo narrativo à parte do resto — nesse caso, apenas diga… NÃO.
O Interpretativo

então fiquem com o Gundam dele na fase 4 — o FX com Burst Mode. Ele é bacana.
É correto exigir coerência aos princípios de um personagem. Se em uma campanha medieval, por exemplo, temos um paladino e ele cruza os braços enquanto os demais atacam em grupo um inimigo vencido… bem, o mestre deveria puni-lo severamente. Mas há, em nome da interpretação, jogadores capazes de fugir ao bom-senso — comprometendo a dinâmica geral e até prejudicando os demais. Uma desvantagem na ficha pode virar um pesadelo para todos a longo prazo.
Nos animes: Kio Asuno, de Gundam Age. Pense em um jogador interpretativo com a desvantagem “Pacifista” na ficha. Tudo bem não gostar de violência, dar chance de rendição ao oponente vencido e não sair detonando quando for possível fazer prisioneiros — mas, entre outras coisas, Kio procurava salvar seus inimigos em batalha e, pior, ele parava tudo para tentar convencer seus adversários diretos a conversar e parar de lutar… em meio ao fogo cruzado.
Como lidar com um Kio na sua Mesa? Esse é um exemplo auto-explicativo de quando o jogador perde a medida de um ideal, vício ou código de honra. Como o foco do problema é interpretativo, uma solução é explorar isso no jogo: a boa-intenção se tornou um problema para todos e o grupo deveria enfrentá-lo — grande parte do drama nessas séries vem de conflitos morais entre protagonistas e da sua resolução (ou tragédias resultantes da sua não-resolução).
O Passivo

faz piadas com sua condição de peso morto durante a maior parte do tempo.
Em uma mesa de RPG, todo jogador é protagonista — mas, eventualmente, alguém sem ideias pode criar um personagem de perfil coadjuvante. Esse personagem não pode ser descartado quando seus préstimos não são necessários, então ele mal contribui — e acaba consumindo tempo de jogo. Isso é comum nos RPGs cyberpunks: eles normalmente tem uma base de regras para personagens que travam a mesa sem precisar fazer nada grandioso, como o Decker em Shadowrun.
Nos animes: Nene Romanova, de Bubblegum Crisis. Nós a perdoamos porque a personagem é muito carismática e sem ela o time ficaria muito sisudo. Mas… vamos admitir? Sua importância está em seu papel de especialista em computadores e contato na polícia, algo plenamente capaz de ser desempenhado por um coadjuvante. Quando precisava mostrar Nene como alguém útil, a série se debruçava sobre ela e arrastava a trama. Na hora da ação, ela só fazia número.
Como lidar com uma Nene na sua Mesa? Normalmente esse problema não costuma durar tanto. O jogador cedo ou tarde perceberá a situação e vai acabar fazendo seu ajuste de curso na mesa, caso não abandone o jogo. Cabe ao mestre, ainda mais quando é um problema causado por mera falta de ideias, ajudar o jogador a se achar. O Passivo não é o Floquinho e nem está lá para encher o saco — ele só teve um começo meio chato para todo mundo. Converse com ele.

(especialmente se algum desses personagens for um favorito seu)
Há muitos exemplos de personagens-problema na mesa (certamente você já viu alguns em seus animes sci-fi favoritos) e, se não nos limitássemos a uns poucos tipos, esta matéria ficaria enorme. Por isso mesmo, em algum momento, fatalmente iremos retornar ao assunto. Divirtam-se sempre, não deixem de jogar — e, principalmente, não deixem as experiências ruins na mesa estragarem o seu gosto pelos RPGs. Continuem rolando os dados, sempre.
Até a próxima.
Agradecimentos ao Pedro Henrique Leal e ao Marcel Nicolaevski pelas conversas sobre o tema.
Texto muito bom: divertido de ler, bem descritivo, com dicas úteis.
E eu sou o interpretativo!
O grupo não quis te matar?
Valeu! 🙂
Ficou faltando o jogador tarado que quer pegar todos os NPCs da campanha (vulgo Bardo com Sedução).
Anotado! Nada impede um retorno ao tema no futuro! 😀
Hahahhahahahahahha!!! Esse talvez seja disparado o mais comum, por vezes com aquela desculpa de ser interpretativo: “Não sou tarado! Meu personagem é bardo bom de sedução. E isto aqui é RPG, oras!”
E não, não tentaram me matar. Em uma campanha, interpretando a audácia e a porralouquice do meu personagem, dei um all-in em uma aposta arriscada e dei de cara quase que literalmente com a Morte. Outra campanha foi interrompida; mas eu já estava pensando em dar uma segurada, preterir a interpretação cheia de drama e detalhes, pelo bem da fluidez da narrativa.
“Se não o jogo não anda, caramba!”